postado em 01/06/2009 07:31
A cada três dias, em média, patrulheiros resgatam uma criança ou adolescente em situação de risco em trechos de rodovias federais que cortam o DF e o Entorno. São meninos e meninas de até 10 anos, expostos a todo tipo de exploração. A maioria fica à beira de uma BR para oferecer o corpo em troca de míseros reais. Somente no ano passado, 124 acabaram flagrados à margem da estrada, dentro de carro, boleia de caminhão, motel ou prostíbulo.
A exploração de crianças e adolescentes está concentrada nos trechos das BRs 040 (Brasília-Rio de Janeiro), 060 (Brasília-Goiânia) e 070 (Brasília-Pirenópolis) que passam pelos municípios goianos de Abadiânia, Águas Lindas, Anápolis, Luziânia e Valparaíso. Duas equipes do Correio percorreram a rota da prostituição infantil (veja mapa) na semana passada e flagraram meninas se exibindo a motoristas e entrando acompanhadas de adultos em veículos e casas noturnas.
Os repórteres também presenciaram a ação de integrantes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Vara da Infância e da Juventude nos arredores de Anápolis, onde o cruzamento de três BRs tornou-se um atrativo à construção de motéis e bordéis e à consequente concentração de meninas prostitutas. O combate conjunto e constante resultou em 26 flagrantes e no resgate de 31 crianças e adolescentes somente naquela região, desde janeiro do ano passado.
Já no Entorno Sul, em cidades goianas limítrofes do DF, como Valparaíso e Novo Gama, policiais rodoviários encontraram 92 meninos e meninas em situação de exploração sexual durante sete operações realizadas em 2008. A maioria das vítimas usa como pretexto pedidos de carona aos motoristas. Identificados pelos patrulheiros, são encaminhadas aos conselhos tutelares das cidades mais próximas. Mas boa parte sequer tem documento de identidade.
Realidade ainda pior
O levantamento dos flagrantes e pontos críticos, feito com base em dados das delegacias da PRF em Goiás e no DF, dá uma pequena dimensão da realidade de jovens moradores da periferia das cidades vizinhas à capital da República. As autoridades admitem que os números são bem maiores, pois o pequeno contingente da PRF, a falta de entrosamento com órgãos do Judiciário e a forte organização de uma rede criminosa que fatura alto com a prostituição infantil impedem o combate mais eficaz.
Para a secretária executiva do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Criança e Adolescente, Neide Castanha, o número de meninas encaminhadas pela PRF aos conselhos tutelares goianos é alarmante. ;Os dados são surpreendentes e assustadores. Até porque o número que aparece é sempre menor que a realidade. Temos bordel a céu aberto;, afirma. ;A rodovia é perfeita para a exploração porque é propícia à clandestinidade e está mais distante dos olhares das autoridades;, alerta.
Em todo o estado de Goiás, a PRF flagrou 169 crianças e adolescentes em provável condição de prostituição nos trechos das rodovias federais que cortam o estado, de janeiro de 2008 a abril de 2009. Mais da metade das vítimas de exploração tinha entre 15 e 17 anos. Dos 119 meninos e meninas flagrados na prostituição em Goiás no ano passado, 28 ; 23,5% ; tinham 11 anos.
Em 30 de março, por exemplo, cinco adolescentes foram apreendidos pela PRF em situação de risco em menos de 24 horas. Quatro casos ocorreram na BR-060, perto de Anápolis. No Km 080, uma menina de 13 anos e um homem de 30 compravam bebidas para levar a uma fazenda. A 16km dali, foram apreendidos dois meninos, de 8 e 10 anos, que viajavam em um caminhão e alegaram que o motorista seria o pai. Os patrulheiros descobriram que as crianças não tinham parentesco com o homem e seriam levadas para trabalhar em outra cidade goiana.
Juiz vestido de fiscal
Na região de Anápolis, a 160km de Brasília, policiais rodoviários e comissários da infância se encontram a cada 15 dias para uma blitz em motéis, bares e bordéis à beira das três rodovias que cruzam a cidade de 320 mil habitantes (BR-060, BR-414, BR-153). As operações em conjunto começaram em 2006. ;Na época, era só irmos à estrada para fazer flagrantes. Eram vários por dia. Com o passar do tempo, eles foram diminuindo. Nos daremos por satisfeitos quando não encontrarmos nenhuma menina em situação de risco;, comentou o juiz Carlos Limongi, da Vara da Infância e da Juventude de Anápolis.
Pai de uma menina de 3 anos e um menino de 10, o magistrado participa de muitas operações. Quando isso ocorre, em vez do terno e da gravata, veste o colete preto e se mistura aos comissários para dar respaldo à fiscalização. ;Gosto de ir junto para apoiá-los e identificar alguma falha;, explica Limongi. A participação dele é elogiada pelos patrulheiros. ;É um juiz presente e atuante. Quando precisamos, ele emite logo mandados de busca e apreensão, por exemplo. Isso facilita e respalda nossas ações;, observou o inspetor Júlio César Ferreira, chefe da delegacia da PRF em Anápolis.
Essas operações também são acompanhadas por representantes do Centro de Referência Especializada em Assistência Social (Creas), do governo federal. ;É um trabalho árduo, mas que tem dado resultado. Hoje, somos bem recebidos pelos donos de motéis, que têm seguido a orientação de pedir a identidade de todos os clientes;, destaca Andréa Lins, socióloga do Creas em Anápolis.
Andréa, no entanto, não esquece de cada caso de violência sexual que presenciou. O pior, segundo ela, envolveu uma menina de 12 anos, flagrada no motel mais caro da cidade, à margem da BR-060, com um homem com mais de 40 anos e casado. ;E ela era amiguinha da filha dele;, ressalta.