postado em 07/06/2009 07:50
Os resultados do Sistema de Avaliação de Desempenho das Instituições Educacionais (Siade 2008) da rede pública de ensino do Distrito Federal obrigaram os especialistas a deixar o senso comum de lado. No lugar de destaque, em vez do domÃnio absoluto das escolas do Plano Piloto, reinaram os colégios das regiões rurais. Nos 16 quesitos avaliados pela Secretaria de Educação, num cruzamento entre diferentes séries e matérias, as escolas rurais ficaram em primeiro lugar em nove. Colégios em centros urbanos se destacaram em apenas sete listas (veja quadro ao lado).
Vale destacar que foram avaliadas 539 instituições com turmas de 2ª, 4ª, 6ª e 8ª séries do ensino fundamental e também do 3º ano do ensino médio. Na avaliação da 2ª série, os alunos fizeram provas de português e de matemática. Nos outros anos, foi aplicado também o teste de ciências. Algumas das instituições estão longe do coração do poder, quase na divisa com Goiás. O Correio visitou três delas. O Centro de Ensino Fundamental do Pipiripau II fica mais perto de Formosa (GO) que de Planaltina (DF). Já a Escola Classe Jiboia atende alunos de Santo Antônio Descoberto, no outro lado da divisa entre as duas unidades da Federação. A Engenho das Lajes também fica no limite, ao lado da BR-060, que liga BrasÃlia a Goiânia.
Em todas as escolas, dois pontos em comum: a participação dos pais e a força de vontade dos alunos. É o caso da menina Poliana da Silva Teixeira, de 7 anos. Ela foi avançada na classe de aceleração da primeira série para a segunda porque era ótima aluna. Hoje, estuda numa turma cheia de meninos e meninas com 8 e 9 anos. Em três meses de aula, não faltou qualquer dia letivo e é sempre a primeira a chegar. Todos os dias, caminha 4km com o pai para chegar à escola, sempre subindo a estrada de terra. Na volta, de novo com o pai, pode ir na garupa da bicicleta porque é descida. O pai e a mãe são analfabetos e trabalham para criar bem os nove filhos.
Para a secretária-adjunta de Educação, Eunice Oliveira, não há apenas um motivo para que o sucesso tenha se afastado dos grandes centros. ;É claro que existe influência do menor número de alunos, da distância dos problemas das grandes cidades, como violência e falta de limites dos jovens, mas isso deixa claro os fundamentos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. É possÃvel ensinar até debaixo de árvores;, afirma. O secretário José Luiz Valente completa: ;A gente tem que reconhecer o esforço de gestão dos diretores e o empenho dos professores.;
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Os destaques 2ª série CEF Ponte Alta do Baixo ; matemática (manhã) EC Engenho das Lajes ; português (manhã) EC 41 de Taguatinga ; matemática (tarde) EC 407 Norte ; português (tarde) 4ª série EC 41 de Taguatinga ; ciências EC Buriti Vermelho ; matemática EC Jiboia ; português 6ª série CEF Pipiripau II ; ciências e matemática EC Bonsucesso ; português 8ª série CEF Pipiripau II ; ciências EC Bonsucesso ; matemática CEF 3 de BrasÃlia ; português 3º ano CEM Setor Oeste ; ciências, matemática e português
Engenho das Lajes Muito além do livro Os alunos da Escola Classe Engenho das Lajes são nota 10. Na verdade, 97,9: a maior média dos alunos de segunda série matutina de todo o DF. Localizada em um povoado rural de mesmo nome, a escola fica a mais de 30km do Plano Piloto. Os 428 meninos e meninas matriculados vão para a aula de carroça, cavalo e bicicleta. Quem mora em locais mais acessÃveis usa ônibus escolar. Na última quinta-feira, mesmo com a manhã fria e a distância da escola à casa dos alunos, o colégio estava lotado. Na turma de Poliana da Silva e Larissa Rodrigues, de 7 e 8 anos, respectivamente, não era diferente. Os 33 alunos da turma de 2ª série estudavam o meio ambiente. Além do quadro todo escrito, os estudantes aproveitavam a música Planeta Azul, da dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó, para entender os conceitos da natureza, da ecologia e da importância da conservação do nosso habitat. Logo depois da canção, a professora Maria Lúcia Barbosa Rodrigues levantou a Constituição. Ou, como repetiu a garotada: a BÃblia do povo. ;Aproveito todos os temas e assuntos para apresentar novos conceitos e relações para os alunos. É importante ir além do livro didático e também ser lúdico para transformar o conteúdo em algo interessante;, explica. A diretora Maria José de Oliveira considera que o segredo do bom desempenho da escola está ligado ao interesse dos professores em fazer a diferença. E, ainda mais, à participação dos pais. ;Quase não há faltas nas reuniões de pais e mestres;, observa. ;É admirável que, mesmo sendo distante de casa, todos façam questão de se integrar ao universo escolar dos filhos.; O fato impressiona mais quando a diretora lembra que a maioria dos pais são pequenos agricultores, muitos analfabetos. ;Eles não têm formação, mas querem que os filhos cheguem mais longe.; (EK)
Escola classe Jiboia Improviso, só na estrutura Apesar de ter aulas de cinco diferentes séries ; os três anos da alfabetização, a 4ª e a 5ª séries ;, a Escola Classe Jiboia possui apenas uma sala de aula. Também tem só dois professores, um para o turno da manhã e outro para a tarde. A estrutura é pequena até mesmo para o baixo número de alunos: são apenas 30. Tanto que os estudantes assistem à s aulas juntos, mesmo sendo de diferentes anos. E, na hora do reforço, os funcionários da direção têm que ceder a sala deles para que os professores possam tirar dúvida dos alunos. Com essa estrutura, era de se imaginar que a escola estivesse entre as de menor desempenho. Não é verdade. Os alunos da 4ª série do ensino fundamental do colégio ficaram em primeiro entre todas as escolas do DF em lÃngua portuguesa, com 30 pontos a mais que o segundo colocado, em uma escala de 500 pontos. E ninguém pode dizer que foi sorte. O sucesso também existe entre os alunos de segunda série, como a estudante Tátila Gabriela Nunes Paixão, de 7 anos. No Siade, a escola ocupou o terceiro lugar em matemática e em português, com 90,7 e 96,7 pontos, respectivamente, em uma escala de até 100 pontos usada na avaliação da 2ª série. Vale destacar que, em todo o DF, foram analisadas 320 escolas desse ano e outras 365 de 4ª série. A escola não está em Goiás por menos de 200 metros. É essa a distância do colégio a uma pinguela ; nome dado a uma ponte precária sobre um ribeirão ; que faz a divisa do DF com o estado vizinho. Para a supervisora pedagógica Ana Cristina Ferreira, o segredo está no empenho e esforço de cada um: alunos, professores e pais. ;Damos atenção diferenciada a cada aluno e intervimos em todos os que sofrem com carências de conteúdo.; A professora não escondeu a surpresa quando foi avisada da colocação da escola. ;A gente tira dinheiro do bolso para comprar caderno e mochila porque aqui eles são muito carentes;, completa. A escola oferece almoço aos estudantes dos dois turnos. (EK)
Pipiripau II Melhores notas no mural Metade dos 310 alunos do Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II moram em um assentamento de sem-terra nas proximidades de Formosa (GO). Lá, não há água encanada, luz elétrica ou saneamento básico. O restante vive em chácaras distantes até 10km da escola e ajudam os pais na roça depois da aula. No colégio, a merenda é de qualidade porque a meninada nem sempre tem o que comer em casa. Por isso, no lugar do biscoito, o lanche é formado de arroz com feijão e galinhada. Mesmo com dificuldades, a escola alcançou desempenho impressionante no Siade. Ficou em primeiro lugar nas avaliações de ciências e matemática da 6ª série e em terceiro na avaliação de português da 6ª série. Na 8ª série, repetiu o bom desempenho e ficou em 1º em ciências. O diretor, Orlei Rofino de Oliveira, explica que motivação e diálogo transformaram a escola. ;A cada dois meses, fazemos um conselho de classe participativo que não é nada mais do que apresentar para pais, professores e alunos o resultado do bimestre;, explica. A proposta do diretor é mostrar para todos quais as carências que precisam ser trabalhadas. Além disso, quando saem as notas, os melhores resultados são divulgados em um mural. ;Tudo isso ajuda a aproximar a comunidade da escola e motiva os alunos.; O estudante Philipi de Oliveira Bonfim, de 14 anos (foto, à esquerda), gosta das reuniões. Aluno da 6ª série, admite que os professores são exigentes. ;O professor de matemática pega no pé, mas, por causa disso, todo mundo acaba aprendendo;, afirma. Para Joarilson de Jesus Silva, de 9 anos (foto, à direita), o mais importante é o lanche. ;Como mais aqui que em casa;, brinca. O sucesso da escola é tão grande que, na última sexta-feira, ela foi a quinta escola escolhida para participar do Programa Escola Modelo da Educação Integral, que trabalha com cidadania e formação pedagógica. O Pipiripau II foi o único colégio rural selecionado para o projeto. (EK)
CEF da 103 Sul Música, senha para a leitura Quinze minutos de leitura por semana. Parece bobagem, mas pode ter sido esse o segredo de uma das únicas escolas do Plano Piloto entre as primeiras colocadas do ensino fundamental na avaliação da Secretaria de Educação. Durante todo o ano passado, o incentivo à leitura fez parte da rotina dos 598 alunos do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 3 de BrasÃlia, na SQS 103. A cada semana, sem que soubessem a hora, eles eram provocados a ler. Durante pouco mais de 15 minutos, todos no colégio paravam o que estivessem fazendo e, com o livro mais próximo em mãos, viajavam. O sinal para a provocação era uma música relaxante no sistema de som da instituição. ;Se uma visita estivesse no pátio, tinha que parar também e ler o que houvesse na biblioteca;, explica a diretora, Sheila Cristina Moreira Santana. Não à toa, a escola teve a melhor nota do Siade em português na 8ª série. ;É claro que 15 minutos não são suficientes para ler um livro ou até um capÃtulo, mas o projeto ajudou a criar o hábito;, completa. Hoje, os alunos participam de outro projeto. Existe uma aula especÃfica para leitura e consulta nos dicionários para ampliação do vocabulário. A professora Rose Mary Ramos é a responsável pela disciplina. Ela mistura filmes e histórias em quadrinhos na estratégia de incentivar os alunos. No mês passado passou o filme Viagem ao Centro da Terra e, como resultado, o livro se esgotou na biblioteca. A partir da semana que vem, vai começar a passar a história do bruxo inglês Harry Potter na televisão da sala de aula. Os amigos Gabriel Araújo e Kethelen Nascimento, ambos com 13 anos, adoram misturar as mÃdias. ;Assim fica mais legal;, garantem. O mesmo ocorre com os outros colegas da escola que passaram a frequentar a biblioteca. Outro projeto novo e que promete bons resultados é o de ensinar os estudantes a organizar os estudos. Muitos dos meninos e meninas se atrapalham na hora de decidir qual é o conteúdo em que devem investir mais tempo. (EK)
Setor Oeste Compromisso de longa data A melhor escola do Distrito Federal, de acordo com o Siade, é o Setor Oeste, localizado na 912 Sul. Ela foi a única instituição de ensino a manter o primeiro lugar nas três avaliações. Os alunos do 3º ano do ensino médio foram os melhores em português, em matemática e em ciências entre todas as 74 escolas da rede. O feito é ainda mais admirável quando se observa que 98% dos colégios com ensino médio tiveram desempenho apenas mediano no sistema de avaliação. Para professores, alunos e a própria Secretaria de Educação, o segredo do ótimo desempenho é a presença de uma direção comprometida. O professor Júlio Gregório assumiu a instituição no inÃcio do ano passado e, desde então, o colégio teve destaque em várias avaliações e olimpÃadas de conhecimento. ;Criamos um pacto de desenvolvimento com todos dos alunos, professores e servidores;, observa. Na prática, isso quer dizer que foi instituÃda uma polÃtica para melhoria do aprendizado que passa pelo rigor no dever de casa, uso obrigatório de uniformes, aulas de reforço e disciplina. A garantia da aplicação dos tais fundamentos está expressa no boletim, o que acaba chegando na casa dos estudantes. Existe, por exemplo, na nota de fim de bimestre, um quesito chamado Postura Social, que tira pontos dos estudantes que chegam sem uniforme, atrasos ou que são indisciplinados. ;Os adolescentes sentem quando estão agindo mal porque perdem pontos;, argumenta. O compromisso do diretor com o colégio é antigo. O Setor Oeste foi idealizado em 1986 por um grupo de professores que se dividia entre aulas nas redes pública e privada e queria criar um colégio público para formar jovens tão preparados para a universidade quanto os alunos dos estabelecimentos particulares. Júlio era um desses professores nos anos 80. (EK)