Cidades

Brasilienses se juntam para ajudar meninas mutiladas em acidente

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postado em 10/06/2009 08:38
Adrielly com a nova cadeira de rodas que chegou da ajuda anônimaNa terça-feira de carnaval deste ano, na volta de uma viagem à Bahia, a tragédia tomou conta da família de Planaltina. Num acidente de carro, morreram mãe, aos 32 anos, e o filho caçula, de dois anos e meio, do segundo casamento. As duas filhas mais velhas, do primeiro casamento, saíram destroçadas. A mais nova, Adrielly, 11, está viva por um milagre. Deixou médicos impressionados. Enfrentou dez cirurgias (entre elas a amputação das duas pernas), venceu duas paradas cardíacas (uma delas de 10 minutos), um coma de 35 dias e quase dois meses na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Pelejou de hospital em hospital. Sem UTI no Hospital Regional de Planaltina (HRP), graças a uma liminar da Justiça, foi levada para o Hospital Brasília. A menina sobreviveu, mesmo sem as duas pernas e com sequelas emocionais que dificilmente se apagarão. Amanda, 14, teve fratura exposta no tornozelo direito e várias escoriações. Enfrentou algumas cirurgias. Provavelmente virão outras. Anda de muleta. Parou de estudar este ano. Sábado, 30 de maio, o Correio contou a luta comovente das meninas e o amor incondicional do pai (separado da mãe, não estava no carro naquela terça-feira de carnaval) nos cuidados com as duas filhas. As dificuldades que a família enfrenta. Contou a confiança de Amanda: ;Só quero seguir em frente. Nunca perder a esperança;, ela disse. Adrielly revelou que sempre sonha com a mãe. E nos disse: ;Ela tá sempre viva e sorrindo pra mim;. O repórter perguntou ainda o que ela sentia quando sonhava com a mãe. A menina que não tem mais as duas pernas devolveu, serenamente, engasgando a voz de quem esperava a resposta: ;Eu acho que sinto Deus;. A entrevista acabou ali. Com a avó Maria, que fez até promessaNo mesmo sábado da publicação da matéria, o telefone do pai, o encarregado de manutenção de obras Cristiano Neto Ragel, de 34 anos, não mais parou de tocar. Gente de todas as partes do DF ligou para oferecer ajuda. Uma corrente de solidariedade anônima se formou em favor das meninas. Chegou a cadeira de rodas com a qual ela tanta sonhara. A dela, a mais barata que o pai pôde comprar, é pequena, dura e péssima para locomoção. Vieram as doações de material de construção. Cristiano termina a casa de três quartos que reforma para a família, no Jardim Roriz, em Planaltina. Chegaram fraldas, usadas por Adrielly. Mas chegou mais que isso. Veio a certeza da esperança. Novos prognósticos Dez dias depois que teve sua história divulgada, o Correio reencontrou Adrielly, Amanda e Cristiano. Desta vez, o encontro foi na casa bem modesta da avó paterna das meninas, na Vila Buritis IV, em Planaltina. Pai e filhas estão ali, abrigados no mesmo quarto, até que as obras da reforma na casa se encerrem. ;Acho que em 40 dias podemos mudar;, vibra Cristiano, empolgado com a nova fase da vida da família e os prognósticos positivos sobre a saúde das meninas. Semana que vem, Adrielly irá ao Hospital Regional da Asa Sul (Hras), para fazer uma avaliação sobre a retirada da traqueostomia; abertura cirúrgica pelo pescoço até a traqueia, para permitir a passagem de ar e remoção de secreções do pulmão, para que ela respire melhor. A menina não vê a hora disso acontecer. ;Vou tomar cinco sorvetes depois;, ela diz, com um sorriso encantador. Na tarde de ontem, no Hospital Sarah, Amanda reaprendeu a pisar. Essa será sua principal meta nos próximos meses. A nova cadeira de rodas de Adrielly está toda enfeitada com adesivos infantis. Tem de tudo ali. De coraçãozinho a bonecos. Agora, ela consegue ir para todos os lados. Na segunda, foi a uma pizzaria com o pai e a irmã. E se deliciou com um rodízio. Na manhã de ontem, enquanto ouvia uma música de hip-hop num CD, dançou em cima do sofá. Parecia feliz. A avó, Maria Pereira da Silva, 77, era só contentamento. Quando fala, porém, a emoção se engasga em lágrimas: ;Meu coração tá grande, do tamanho dessa casa. O que mais queria era ver minhas netas de volta. Não importa como elas voltaram, se falta algum pedaço. O importante é que estão vivas. Voltaram a sorrir;. Matéria publicada em 30 de maio, contando o drama da famíliaSentadinha numa cadeira ao lado da neta, Maria, miúda de tamanho e gigante de força onde força não mais havia, espia com orgulho o filho ; que há quatro meses se dedica integralmente aos cuidados das meninas, de hospital em hospital. ;Teve dia que imaginei que ele não fosse suportar tanto sofrimento. Mas Deus deu força e ele aguentou tudo. E vai dar conta de muito mais;, ela acredita, agora sem hesitar. Cristiano concorda, admitindo a fragilidade de ser humano: ;Eu também pensei que não fosse conseguir. Essa foi a maior lição de vida que podia aprender;. O pai de 34 anos, com marcas de cansaço, ainda admite, longe das filhas, para que elas não o imaginem humano demais: ;Todo dia eu choro. É assim que desabafo;. Para elas, ele é um super-herói. Batom e fivelas Serelepe, como toda pré-adolescente, Adrielly colocou fivelas coloridas para receber a reportagem. Pediu um espelho e retocou o batom clarinho. Sentiu-se bonita. Gostou da imagem refletida. A avó, diante de tanta felicidade, não se contém e dá com a língua nos dentes: ;Isso é tão vaidosa, moço. Toda hora tá se olhando;. A menina faz planos: ;Quando eu colocar as minhas próteses, vou andar muito de patins. É o que mais gosto de fazer na vida. Se eu cair, nem vou sentir, né?;. As pernas emprestadas de Adrielly irão levá-las a lugares bem distantes. ;Sonho que tô correndo, pulando, viajando;, ela diz. O pai garante a ela que sim. As duas querem voltar à escola. Adrielly quer ser professora de matemática. ;É a matéria que mais gosto;, defende. Cristiano vai doar a cadeira que a filha usava. ;Tem gente que precisa muito.; Assim que ela retirar a traqueostomia, também doará o respirador. Ainda comovido com a reviravolta que ocorreu na vida de sua família nos últimos dez dias, o pai agradece: ;Só Deus pra pagar o que todos fizeram pela minha família;. Adrielly, empurrando a nova cadeira de rodas, sorri. Amanda peleja com suas muletas. Maria, a avó, fala sobre a promessa que fez a Santa Rita e a ao Divino Espírito Santo. E a vida ali parece seguir. Há dez dias, se disse, no fim da primeira reportagem: ;Há histórias que são escritas como se o chão se partisse ao meio;. Melhor dizer mais: Há histórias que, mesmo com o chão partido ao meio, devem ser escritas com a sensação de que esperança, além de salvar, pode até devolver pernas que não mais existem. É por isso que Adrielly tem certeza que andará de patins novamente. Solidariedade Toda ajuda ainda é bem-vinda. Contato: Cristiano - 8402-0967

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