Jornal Correio Braziliense

Cidades

Pintura polêmica da Igrejinha da 307/308 sul será retomada

Francisco Galeno vai voltar a pintar os painéis da Igrejinha na próxima segunda-feira

;A arte vai vencer o obscurantismo.; Com esta frase, o superintendente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Brasília, Alfredo Gastal, anunciou que a pintura dos painéis da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 307/308 Sul, será retomada na próxima segunda-feira. O artista responsável pela obra, Francisco Galeno, vibrou com o apoio e disse que não pretende mudar em nada o seu projeto original. Ele já se prepara para dar os últimos retoques na Virgem Maria, que desenhou sem rosto e com uma pipa nas mãos, e pintar o fundo da imagem com o tom de azul que impera na fachada da capela, nos azulejos de Athos Bulcão. Galeno parou de trabalhar na última terça-feira, seguindo recomendação do Ministério Público Federal (MPF). A procuradora da República Ana Paula Montovani sugeriu a paralisação da obra enquanto analisa o pedido de fiéis que lhe enviaram um abaixo-assinado protestando contra as imagens coloridas e abstratas que Galeno usou para representar a santa e as crianças que teriam testemunhado sua aparição, em Fátima, Portugal, há 92 anos. Em princípio, o Iphan acatou a sugestão. ;Mas entendemos que, garantindo o término da pintura, estamos cumprindo o nosso dever de proteger o patrimônio;, defende Gastal. Os painéis estão sendo pintados sob protestos de muitos fiéis desde fevereiro deste ano. ;Ele (Galeno) está zombando do sagrado. Essas bandeiras e formas não merecem estar dentro de uma igreja. São pinturas profanas;, dispara a professora Ana Angélica Ramos, 58 anos. ;Não sou contra o artista, mas considero que essas experimentações são inoportunas aqui;, pondera a dona de casa Dalila Gonçalves, num tom mais comedido. Galeno abraçou sua criação e bateu o pé. Foi trabalhar todos os dias e terminou as paredes laterais, onde as crianças que viram Nossa Senhora de Fátima foram representadas por colunas coloridas e pipas. A imagem da santa fica no painel atrás do altar. ;E foi aprovada pelos fiéis;, garante a servidora Maria Elisa Neves, 58. ;Antes de tudo começar, foi discutido em várias quartas-feiras depois da missa;, completa ela, que adorou as pinturas de Galeno. ;É um grande artista, reconhecido no Brasil e no exterior, que está fazendo um lindo trabalho. Temos que ter orgulho. É uma pintura que não agride ninguém. Pelo contrário. Eu me apaixonei por essa Nossa Senhora;, acrescenta. Nas reuniões citadas por ela, parte da comunidade chegou a pedir que o artista mudasse a primeira versão da santa, que seria pintada em forma triangular com uma pipa no lugar da cabeça. E foi atendida. ;Eu achei linda a pintura, maravilhosa;, disse o professor Elfrance Gomes dos Santos, 55, que frequenta a capela há 10 anos. ;As pessoas têm de entender que esta é uma igreja moderna, que não combina com imagens clássicas;, ressaltou, após a missa de Corpus Christi, na última quinta-feira. Volpi O argumento é compartilhado por Gastal. Ele acredita que a maior parte dos fiéis vai aprovar as pinturas. ;Todo mundo em Brasília fala na modernidade. Mas, de repente, percebo que está se formando uma mentalidade medieval em certos grupos da cidade;, alega. ;Dizer que está feio ou mal pintado, como alguns fizeram, é um enorme absurdo. Algo parecido com os argumentos de quem destruiu os afrescos de Volpi no mesmo local;, completa ele, referindo-se a um incidente da década de 1960. Na época, três painéis do artista italiano Alfredo Volpi (1869-1988), que nunca foram aceitos pelos fiéis, desapareceram. Eles mostravam a Virgem Maria segurando o menino Jesus nos braços. As figuras não tinham rosto e repousavam sob um fundo azul. O artista, aliás, disse que precisa de mais 15 dias para finalizar sua obra. ;Lamento a interrupção, que considero algo sem sentido;, diz Galeno. ;Mas o importante é que tenho recebido também muito apoio, espontâneo e não combinado;, completa. A polêmica, no entanto, parece longe do fim. Os defensores da retirada dos painéis continuam colhendo assinaturas. Segundo a dona de casa Teresinha Valença, 56 anos, uma das responsáveis pelo abaixo-assinado, já há bem mais do que os 68 nomes enviados inicialmente ao MPF. ;Não contesto o trabalho dele como artista, mas não acho que se encaixe em uma igreja;, ressalta. Já o MPF divulgou, por meio de sua Secretaria de Comunicação, que não tomará medidas judiciais ; pelo menos por enquanto ; contra a decisão do Iphan, de retomada da obra, porque a recomendação foi feita não oficialmente, por meio de um ofício. ;Respeitamos o MPF e vamos respondê-los. Já enviei o ofício aos nossos procuradores;, conclui Gastal. Arte e estilo admirados Francisco Galeno é piauiense de nascimento, mas brasiliense de coração. Nasceu em 1957 na litorânea cidade de Parnaíba, filho de um marceneiro ; que já fez muitos suportes para os quadros do filho famoso ; , mas chegou a Brazlândia ainda bem jovem. Vive até hoje na cidade e lá mantém um ateliê onde faz trabalhos marcados pelas cores fortes. Teve como modelos artistas como o pintor português Moreira Azevedo e o italiano Alfredo Volpi. Desenvolveu, porém, um estilo próprio e possui telas expostas em paredes nobres, como as do Palácio do Itamaraty. Suas criações também foram dadas de presente a diversos líderes mundiais pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que lhe encomendava quadros para levar nas viagens oficiais.