Cidades

Mudança na legislação que descriminalizou o porte de drogas dificulta o flagrante dos pequenos criminosos

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postado em 14/06/2009 08:34
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal se concentra no combate a pelo menos dois tipos de tráfico de drogas na capital do país. O interestadual, responsável por boa parte da investigação das delegacias especializadas, e o de formiguinhas. Esse último encontra abrigo no Plano Piloto, onde a distribuição ocorre em pequenas porções. ;Nesses casos, os traficantes se confundem com o usuário e demandam mais tempo de investigação. Na maioria das vezes, a pouca quantidade impede a polícia de caracterizar o tráfico;, afirmou o secretário de Segurança Pública do DF, Valmir Lemos. As quadras residenciais e comerciais das asas Sul e Norte, por exemplo, servem como corredor e cenário para o avanço do tráfico pulverizado no Distrito Federal (leia arte). Em três dias de reportagem, o Correio levantou que flanelinhas ; ou pessoas que se disfarçam como tais ; têm papel importante para a chegada das porções de maconha, cocaína e crack à zona central da cidade. Os usuários, muitas vezes jovens estudantes de classe média, compram droga deles e ajudam a abastecer o próprio vício e o de colegas e amigos. Para Lemos, a atual legislação antidrogas mantém o viciado nas ruas. A Lei nº 11.343, em vigor desde agosto de 2006 (leia O que diz a lei), descriminalizou o porte e o uso. Ao tomar o lugar da norma 6.368, de outubro de 1976, proibiu o juiz de optar pela prisão de um usuário reincidente e o obrigou a recomendar tratamento especializado. ;A legislação tem fragilizado o trabalho de repressão. Quem é pego em flagrante vai para a delegacia, mas logo volta às ruas. Isso aumenta a sensação de impunidade;, avaliou Lemos, que compartilha a mesma opinião da delegada-chefe da 1ª DP (Asa Sul), Martha Vargas. O uso e o porte de drogas, por exemplo, levou 105 pessoas às delegacias brasilienses nos três dias em que o Correio circulou pelo Plano Piloto em busca de flagrantes de consumo de entorpecentes ; 4, 5 e 8 de junho. São homens e mulheres flagrados pela polícia com substâncias ilegais. Mas nenhum deles ficou preso. A quantidade de maconha, cocaína, merla ou crack em poder deles não se revelou suficiente para enquadrá-los no tráfico. Assinaram termos circunstanciados e acabaram liberados. A lei prevê como pena advertência, prestação de serviço à comunidade ou participação em programa educativo. Adolescentes No último dia 5, a Polícia Militar flagrou 18 jovens, entre 11 e 17 anos, com drogas e bebidas na 411 Norte. Estavam na praça da quadra, acompanhados de três adultos. A polícia apreendeu uma garrafa de vodca, acetona e maconha. Nenhum deles vestia uniforme, mas alguns confessaram que matavam aula. Um garoto de 17 anos assumiu ser o dono do material recolhido e acabou na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), responsável por delitos cometidos por menores de 18 anos. Os demais seguiram para o Conselho Tutelar de Brasília. O órgão, vinculado ao Ministério Público do Distrito Federal, é responsável pela defesa dos direitos da criança e do adolescente. Entre 2007 e 2009, atuou em pelo menos 55 casos de menores de 18 anos envolvidos com tráfico ou uso de drogas na região central da capital do país. São todos casos em que os conselheiros encaminharam as vítimas a tratamentos especializados ou a programas de orientação familiar. ;Os conselhos tutelares têm iniciativa para agir. Quando isso ocorre, é porque já ocorreu a violação de direitos;, explicou o coordenador do Conselho Tutelar de Brasília, Rafael Madeira. A rede pública de saúde do DF conta com dois centros de assistência psicossocial para usuários de álcool e outras drogas (CAPSad). O Ministério da Saúde prevê a existência de pelo menos um para cada localidade com 60 mil habitantes. Se tal cálculo fosse seguido com atenção, cada cidade do DF deveria ter pelo menos uma unidade do governo especializada em tratamento de dependentes químicos. A capital conta com CAPsad no Guará II e em Sobradinho. Há previsão para que outros sejam construídos em Ceilândia, Gama, Recanto das Emas e Planaltina. O consultor em assuntos de segurança pública George Felipe Dantas entende o uso indiscriminado de entorpecentes por adolescentes como um problema social do país, além de reconhecer a ;relação inequívoca; entre substâncias ilícitas e criminalidade. ;Os jovens começam com álcool, muitas vezes em casa, e naturalmente chegam à maconha e depois à cocaína. É uma cultura bastante permissiva;, explicou Dantas, que também é professor. O que diz a lei A aprovação de lei em 2006 sobre o uso de drogas no Brasil esquentou a discussão sobre a inexistência de punição para os usuários. Veja as principais mudanças: O artigo 28 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, diz que ;quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; será submetido às seguintes penas: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de participação em programa ou curso educativo. O juiz se limita a chamar a atenção e aplicar multa ao usuário. Já o artigo 16 da Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, dizia que ;adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com eterminação legal ou regulamentar; pode render prisão de seis meses a dois anos e multa. Estopim da violência Um dos perigos do contato com as drogas é a proximidade com a violência. Cerca de 65% dos homicídios registrados no DF em 2008 tiveram relação com entorpecentes, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do DF ; houve 651 assassinatos no ano passado. São histórias de crimes em que uma substância legal ou ilícita serviu como elemento principal da desavença ou combustível para a intenção de tirar a vida do outro. O crack, substância derivada da cocaína e de alto poder de destruição, aparece como um dos vilões para o crescimento. O tráfico das pedras, aliás, tomou conta da área mais central do Plano Piloto. Assim como ocorre nas residenciais, a distribuição nos arredores da Rodoviária do Plano Piloto e no Setor Comercial Sul se dá em pequenas porções. Em dezembro do ano passado, o Correio publicou série de reportagens em que denunciou o problema. Também revelou que o avanço é tão grande na capital do país, que tomou o lugar da merla substância ilícita criada em Ceilândia no fim dos anos 1980 e também produzida a partir da pasta-base de cocaína.

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