postado em 15/06/2009 08:27
A música não entrou por acaso na vida da cantora Carmela Rebuá de Mattos, 82 anos. A moradora do Lago Norte teve pai clarinetista, mãe bandolinista e marido pianista. E tem sete filhos: uma pianista, uma violinista, um violoncelista, um flautista, mais uma pianista, outra pianista e o caçula do violino. Carmela canta valsas e cantigas desde os 4 anos, mas só depois dos 80 realizou um sonho antigo: ela acaba de lançar um CD com músicas tradicionais das terras por onde passou antes de chegar a Brasília.
A cantora lançou o CD no último dia 4, ao lado de 200 amigos e familiares. Com um microfone no salão da igreja, deu um show mostrando músicas que há décadas fazem parte de seu repertório. Foram quatro anos de trabalho para ver a obra pronta. Carmela gravou 37 músicas e contou com a ajuda dos filhos para definir as 16 que entrariam no CD.
Carmela viu que seria possível realizar o sonho depois de alguma insistência da filha mais velha, pianista, há quatro anos. As duas faziam apresentações para alegrar pacientes do Hospital Universitário de Brasília (HUB), na Asa Norte. Carmela encantava os presentes com músicas dos tempos de criança e outras que aprendeu com o marido. Mãe e filha viram que aquelas canções eram pouco conhecidas e poderiam se perder da memória popular com o tempo. ;A primeira música que aprendi no violão foi Sertaneja, que hoje quase ninguém sabe mais;, afirmou. Elas compraram uma mesa de gravação e deram início ao projeto. A cantora pegou um empréstimo no banco, pois viu que patrocínio não seria fácil. Com o dinheiro em mãos, encomendou mil exemplares do CD, todos com encarte especial desenhado por um neto.
A seleção levou em conta as lembranças evocadas por cada uma delas. A valsa Pisando corações, por exemplo, lembra a Copa do Mundo de 1938, quando o Brasil perdeu o título para a Itália. Em dia de jogo, o cunhado da cantora levava um alto-falante para o meio da rua ; não havia televisão e nem todos tinham rádio em casa. De autoria de Ernani Campos, essa valsa era entoada pouco antes de o jogo começar para chamar a população. ;Ele tocava a valsa e o povo vinha ouvir o jogo. Não tinha luz durante o dia, mas meu pai era prefeito e mandava ligar o gerador para isso;, lembrou.
Carmela teve as primeiras lições de música em Miranda, interior de Mato Grosso do Sul, onde nasceu. A irmã mais velha tocava o piano do cinema mudo da cidade e a ensinava a cantar. O avô, italiano, mandava trazer de Buenos Aires óperas inteiras e dava para a neta treinar a voz. ;Sempre cantei nos corais das igrejas. Só parei quando casei e tive filhos. Mas incentivava meu marido; ele tinha a voz linda;, lembra.
O marido, Joaquim Francisco de Mattos, apareceu quando Carmela tinha 24 anos para completar a família musical. Ele chegou a Miranda e perguntou onde poderia tocar piano ; a melhor opção era a casa dos pais de Carmela, e foi lá, então, que ele começou a passar os dias. Depois de trocarem algumas cartas apaixonadas, o casamento foi inevitável. O casal se mudou para Anápolis (GO), onde nasceram os sete filhos. A cantora voltou a se dedicar à música com o nascimento do quarto filho, que sofreu uma paralisia infantil ainda bebê. ;Ele ficava na cesta e eu chamava os outros meninos para cantar algumas cantigas. Ele não podia nem sentar, então nós o alegrávamos com as músicas;, disse
A família mudou-se para Goiânia e as sete crianças entraram no conservatório local. Os mais velhos ensaiavam também no coral da igreja e Carmela voltou a se dedicar às peças de teatro e aos cantos das crianças. ;Aí minha vida voltou a se encher de música;, comemorou. Os filhos cresceram, saíram para estudar fora, mas em 1982 todos se reencontraram em Brasília. Mattos construiu a casa do Lago Norte, que hoje abriga três pianos, muitos livros e partituras. Eles abriram as portas da nova casa para grandes saraus com apresentações dos músicos da família.
O casamento durou 46 anos ; até a morte de Mattos ; e envolveu música até o fim. A idade não tirou de Carmela o prazer pelo canto, uma das atividades preferidas até hoje. Atualmente, ela treina a voz no coral da paróquia Pai Nosso, no Lago Norte, e apresenta-se com o grupo em missas especiais.
REPERTÓRIO
O CD de Carmela, Enquanto houver saudade%u2026, tem 16 faixas de músicas brasileiras tradicionais e traz um encarte com todas as letras. Ele está sendo vendido a R$ 30 e pode ser encomendado pelo e-mail carmelarebuademattos@gmail.com.
Algumas faixas do CD
Enquanto houver saudade...
(Letra de Mário Lago e música de Custódio Mesquita)
Não posso acreditar que algumas vezes
Não lembres com vontade de chorar
Daqueles deliciosos quatro meses
Vividos sem sentir e sem pensar
Não posso acreditar que hoje não sintas
Saudade dessa história singular
Escrita com a mais suave tinta
Própria para escrever o verbo amar
Enquanto houver saudade, lembrarás de mim
Porque a felicidade não se esquece assim
O amor passa, mas deixa sempre a recordação
De um beijo e de uma queixa no coração
Pisando corações
(Letra de Ernani Campos e música de Antenógenes Silva)
Quando eu te vi naquela noite enluarada
Minha impressão era que fosses uma fada,
Fugida do seu reinado,
Vinda de um mundo encantado.
Agora vi que a hipocrisia é o sortilégio
Que afivelas como máscara ao teu rosto
E que teu sorriso encantador
É taça de veneno em formato de flor.
Tu passaste
A vida a sorrir,
Pisando corações
Indiferente a rir
Agora voltarás
E então hás de sofrer
Por tudo que fizeste
Os outros padecer