postado em 17/06/2009 08:10
Severino! Severino, pipoca na mão! Com esses gritos, o pipoqueiro é recebido todas as tardes no estacionamento do Colégio Sigma. A chegada, arrastando o carrinho todo de alumínio feito por encomenda, é sempre às 17h. A partir daí e até as 20h, serão mais de 100 saquinhos da guloseima doce ou salgada vendida a pais, alunos e funcionários. A quantidade de pipoca produzida, no entanto, é bem maior. Afinal, cada um desses gritos é acompanhado de uma mãozinha do lado de fora da grade da escola. Não dá para resistir. Severino Viana Dido, de 51 anos, pelo menos, não consegue.
A cena chama atenção. Entre uma venda e outra, Severino é chamado pela meninada na grade. Assim que ele vira o rosto em direção aos alunos e estabelece o contato visual, os estudantes disparam: ;Pipoca na mão;. É imediato. Com a colher usada para encher os pacotes de papel pardo, ele caminha até a porta do colégio e distribuiu o agrado gratuitamente para meninos e meninas de todas as idades. ;É brinde;, diverte-se. ;Só a pipoca no saquinho é que é cobrada (cada um custa R$ 1,50 ou R$ 2). Na mão é de graça mesmo;, completa.
A tradição começou há 13 anos, logo que ele se mudou do estacionamento de um colégio na Asa Norte para o Sigma, da 912 Sul. ;Uma menina chegou na grade e pediu um pouco. Eu dei na hora e nunca mais consegui parar com isso;, lembra.
O motivo da correria é simples: a pipoca é realmente boa. E chega a formar fila no carrinho com até mesmo pais engravatados e mães de salto alto. Não à toa, são estourados 25kg de milho a cada três dias. E, por isso, muitas mães já perguntaram o segredo de Severino.
Simpático, ele faz charme, mas acaba entregando. Além do milho ser importado da Argentina, ele mesmo fabricou a panela que usa a partir de uma panela de pressão, que distribui o calor de forma igual e com muita intensidade. Há ainda o diferencial da chama do carrinho produzida com um pequeno botijão e que solta o calor com grande força. ;Já tentei fazer igual em casa, mas é difícil ficar tão boa;, observa a mãe de Catarina Mattos Macedo, de 6 anos, Cristina Mattos. A menina adora a pipoca do tio Sevé, como ela o apelidou. ;Tenho que comprar quase todo dia;, completa Cristina.
A mãe trabalha numa escola para alunos especiais e, há um mês, no lançamento do projeto de bichoterapia, precisava contratar um pipoqueiro para trabalhar no evento. A pequena Catarina não teve dúvidas e convenceu Cristina a chamar Severino. Ele foi e ainda trabalhou de graça.
Greve
Nos 13 anos que trabalha na escola, Severino acumula amigos e histórias. A servidora pública Maria Athaíde é cliente dele há 10 anos. ;Comprava pipoca para minha filha, Carolina, quando ela tinha 7 anos. Hoje, compro para a Camila que está com 8. Carolina até já está na faculdade;, diz.
Mas a história da qual ele mais se orgulha é a greve dos alunos. O ano era 1997 e houve uma iniciativa dos colégios da região de retirar do estacionamento todos os ambulantes. Além de Severino, iam embora o vendedor de churros e o rapaz do cachorro-quente. Ao saber da saída do pipoqueiro, os alunos se rebelaram e começaram uma greve. Ninguém mais comprava na cantina do colégio se o tio da pipoca na mão fosse embora. A história deu o que falar e, ano passado, virou livro produzido por uma aluna do próprio Sigma e fã da pipoca do Severino (leia Para Saber Mais).
Poucos dias depois, os ambulantes foram convidados a voltar e, desde então, ninguém mais tentou tirá-los de lá. É claro que existem regras. Só é permitido ficar próximo à grade após o fim das aulas, às 19h. Além disso, os porteiros e seguranças da escola estão sempre atentos para evitar a aglomeração de vendedores na região.
Além do período no estacionamento do colégio, Severino tem outros 10 anos de experiência como pipoqueiro. Vende em festas e feiras nos fins de semana. E, empurrando o carrinho e estourando milho, criou os três filhos, construiu casa de dois andares e comprou caminhonete importada. Todo ano, viaja para o Piauí, de onde veio há 27 anos. Um amigo que costuma visitar a casa dele em Samambaia brinca: ;Tenho medo de vir aqui porque a casa é toda construída com pipoca;.
Hoje, dois dos três filhos vendem pipoca também. Tiago, de 23 anos, ajuda Severino; e Josué, de 25, ajuda a mãe, Maria do Socorro Dido, de 48 anos. Isso porque a mulher de Severino também vende pipoca há 13 anos do outro lado da rua. ;Ele me trouxe para essa vida e eu gosto muito. A gente faz muitos amigos;, comenta. Os três são os únicos que conseguem repetir os passos do patriarca e fazer uma pipoca tão gostosa. Que o digam os amigos Daniel Giraldes, 13 anos, André Candeira, 15, e André Ribeiro, 17. Os três comem pipoca quase todos os dias, no fim das aulas. ;É muito melhor que a lá de casa;, garante o mais novo.
Para saber mais Pequena escritora A história de Severino Dido virou livro. A pequena Amanda Daher, de 10 anos, que sempre gostou de ler, encontrou inspiração para a sua primeira obra na porta do Sigma, onde ela estuda. Foi lá que ela passou a observar a rotina do pipoqueiro Severino, que trabalha há vários anos no local. O livro conta a história do pipoqueiro da escola que vira sucesso entre as crianças por passar a servir pipoca na mão. Muitas delas deixam de comprar na cantina do Sigma para lanchar pipoca todos os dias. Revoltado, o dono da cantina se sente prejudicado e procura a direção do colégio para que Severino seja impedido de vender suas pipocas no portão. Mas, o que ele achou que seria a solução para os problemas da cantina, se transformou num tremendo alvoroço. Para conhecer o fim da história é preciso comprar o livro que, além de aventura, permite que a criança participe pintando os cenários e transformando o livro totalmente colorido a seu gosto. (EK)