Cidades

Igrejas evangélicas que se proliferam em locais carentes se transformam em base para a comunidade

Guilherme Goulart
postado em 23/06/2009 07:40
"Graças a Deus! Boa-noite, gente. Quem está feliz coloca a mão no coração! Vamos falar com Deus esta noite. Quero pedir que o Senhor venha com toda a Sua força. Vamos buscar a Sua presença". A pastora Danielle mantém o microfone em punho e se dirige às mais de 50 pessoas no salão da Comunidade Cristã Libertar, na avenida principal do Itapoã. É quarta-feira, às 19h47. Acompanhamos o terceiro culto do dia na ex-invasão que virou cidade e hoje reúne quase 100 mil habitantes. Homens, mulheres e crianças ouvem com atenção cada frase escolhida pela líder evangélica. De mãos erguidas, eles se levantam para entoar canções religiosas.[SAIBAMAIS] Perto dali, centenas de igrejas evangélicas seguem tom parecido na noite do Itapoã. A cidade abriga cerca de 300 templos, um para cada grupo de 300 pessoas. O cálculo revela o contraste em relação à Igreja Católica na região, limitada a quatro capelas. "Vivemos em uma comunidade carente de tudo. Talvez por isso tenham tantas igrejas. É onde as pessoas procuram uma base para viver", avaliou o pastor e policial militar Leiber de Souza, fundador da Libertar. O templo existe há três anos. E aparece entre os inúmeros que mantêm as portas abertas entre as 7h e as 22h na avenida principal. Só aos domingos Cenário parecido se forma no Condomínio Privê, em Ceilândia. A falta de infraestrutura na comunidade às margens da BR-070 não impediu a proliferação de templos evangélicos. São 42. A Rua 7, conhecida como avenida principal, tem cinco deles. A única paróquia fica na entrada do local, mas passa o dia fechada. Missas ocorrem só aos domingos. A quinta-feira se resume a um grupo de oração. Com tanta oferta na concorrência, fica fácil encontrar católicos em cultos evangélicos. A maioria das igrejas permanece de portas abertas e com um pastor à disposição. Para o pedreiro Raimundo Santos Oliveira, 53 anos, a quantidade de congregações evangélicas no Privê se revela conveniente e às vezes confusa. Ele, por exemplo, aluga o espaço reservado ao térreo da casa para a Igreja Evangélica Coluna de Fogo. Ele também é o único católico em uma família de evangélicos. E não vê problema em acompanhá-los aos cultos de outra religião. "Deus está acima de tudo isso. Se a capela da Igreja Católica pelo menos ficasse sempre aberta, iria lá. Mas como isso não acontece, frequento as evangélicas perto da minha casa", afirmou. O Setor Habitacional Pôr do Sol fica nos arredores do P Sul, em Ceilândia. E, como ocorre em quase todo assentamento recente e carente das necessidades mais básicas no DF, os templos protestantes tomam conta da vizinhança. Há 68 na localidade. Leia mais na edição impressa de hoje

Para saber mais Reforma protestante O título de igreja protestante é dado às igrejas cristãs que surgiram a partir da Reforma Protestante, no século 16. Tais congregações compartilham os princípios teológicos das 95 teses de Martinho Lutero - elas foram pregadas na porta da igreja do castelo de Wittenberg em 1517 e deram origem à reformulação religiosa. O luteranismo, o calvinismo e o anglicanismo são considerados os ramos originais do protestantismo. Mas as inúmeras congregações criadas ao longo do tempo acabaram por se encaixar na mesma tendência. Tanto que, apesar das diversidades organizacionais, têm em comum a base teológica consolidada a partir do movimento histórico da Reforma. É o caso dos batistas (século 17) e dos metodistas (século 18). A liberdade de cada vertente também incentiva a proliferação das igrejas evangélicas nas mais diferentes denominações. Atualmente, as igrejas que mais se disseminam estão um pouco mais distantes desse conceito original - são as neopentecostais, que puxam para si a função de expulsar os demônios que permeiam o mundo terreno. Pregam a prosperidade como meio de vida. Trabalham com curas e exorcismos. A mais famosa delas é Igreja Universal do Reino de Deus. Esforço e improviso Terça-feira, 16 de junho de 2009. Circulamos de carro pelas ruas de terra batida do Setor Habitacional Pôr do Sol. A reportagem enfrenta dificuldades para encontrar a única paróquia da comunidade. Nem os moradores sabem a localização exata. É quase meio-dia, quando um senhor com as roupas sujas de uma construção se aproxima. "A capela fica logo ali. Sou eu quem está construindo." O futuro da Igreja Católica no Pôr do Sol depende do pedreiro Constantino Dias de Oliveira, 65 anos. Há dois anos, ele investe feriados e o tempo livre para ajudar nas obras da Capela Nossa Senhora Aparecida. O pai de cinco filhos cansou de ir à missa em Ceilândia. "Sou católico, nasci católico e vou morrer católico. Vejo muitos mudando para a igreja evangélica, mas não será o meu caso." O salão da paróquia ficou pronto recentemente. Todas as semanas, há duas missas, uma aos domingos e outra às quintas-feiras. Nos outros dias, o local fica fechado. Suor e dedicação também mantêm vivo o catolicismo no Itapoã. O padre José Martins, da Paróquia São Luís Orione, comanda quatro capelas em uma das regiões com mais igrejas evangélicas do DF. "Meu grande desafio é o espaço físico. Onde conseguir dinheiro para tantas obras", disse o pároco. Há previsão para a construção de mais dois templos católicos na cidade. Mas faltam até mesmo os terrenos. Oração itinerante Por enquanto, as quatro capelas atendem precariamente os fiéis. Estão meio construídas e pecam no acabamento. É no improviso que o padre faz com que a Igreja chegue aos católicos do Itapoã. Grupos de voluntários, por exemplo, vão de casa em casa para fazer orações. Só assim José Martins consegue cumprir a missão da evangelização. Além disso, faz missas, administra as paróquias, vai em busca de material de construção e gerencia as obras. A situação da Igreja Católica no Condomínio Privê, em Ceilândia, se revela mais complicada. O prédio da Comunidade Nossa Senhora de Lourdes tem lugar privilegiado na entrada da localidade, mas permanece fechada quase o tempo todo. O padre Sérgio, responsável pela paróquia, está à frente de outras oito no DF. Algumas em Brazlândia. Há uma missa aos domingos, e um grupo de oração movimenta o local às quintas. O pároco da igreja do Privê percebe o avanço das evangélicas no condomínio. A maioria permanece aberta quase todo o dia e com um pastor à disposição. O padre Sérgio, porém, não acredita que o fiel mude de credo. "Dificilmente, um católico devoto deixa de seguir o catolicismo", avaliou. (GG) Comente esta reportagem, escrevendo para o e-mail leitor.df@diariosassociados.com.br

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