Guilherme Goulart
postado em 23/06/2009 09:38
É fim de tarde em uma comunidade carente da capital do país. O chão de terra batida e a deficiente iluminação pública revelam a falta de infraestrutura na localidade com poucos anos de fundação. Nem mesmo a avenida principal tem asfalto. Mas o movimento intenso de famílias de banho tomado e roupas novas indica o início dos cultos nas dezenas, às vezes centenas, de templos evangélicos da cidade. Erguem-se quase um ao lado do outro. E são os únicos imóveis com as portas abertas no início da noite. A igreja católica da região fica mais afastada. Só estará cheia se for dia de missa.
A cena descrita acima se repete todos os dias nas vizinhanças mais desamparadas do Distrito Federal. O Correio percorreu na última semana três comunidades brasilienses com perfis parecidos - Itapoã, Condomínio Privê e Setor Habitacional Pôr do Sol (as duas últimas em Ceilândia). Passou a manhã, a tarde e a noite a observar o local e a conversar com moradores e líderes religiosos. De um lado, evangélicos investem na intensa procura por fiéis. Fundam congregações e aproveitam as lacunas deixadas pela carência geral. Do outro, católicos defendem a legalidade dos terrenos para as igrejas e lutam para manter a fé milenar.[SAIBAMAIS]
As diferenças se reforçam a partir da quantidade de endereços de cada instituição em Brasília. Existem cerca de 4,7 mil templos da igreja evangélica na capital do Brasil, a maioria em comunidades com menos de duas décadas de existência. E 123 da Igreja Católica. A distância faz com que ocorra quase naturalmente a migração de católicos para cultos evangélicos. É comum nessas regiões a presença de pessoas com histórico familiar baseado no catolicismo participando da pregação protestante. Como se a porta aberta facilitasse a mudança de credo.
Palavra de Deus
A operadora de caixa Josélia Mendes Lima tem 23 anos. Recebeu educação católica, mas há dois anos se tornou evangélica. "Estava passando em frente a uma igreja evangélica, e as portas se abriram. Ouvi a palavra de Deus e a aceitei", afirmou a jovem. Josélia frequenta a Comunidade Cristã Libertar, no Itapoã, onde também atua com obreira. Ajuda a encontrar novos fiéis para a congregação, fundada há três anos.
O Correio ouviu representantes das duas igrejas no DF. Tanto o vigário geral da Arquidiocese de Brasília, monsenhor Marcony Vinícios Ferreira, quanto o pastor Ricardo Espíndola, vice-presidente da Igreja Batista Central, evitaram polêmicas. Mas reconheceram a facilidade com que congregações protestantes ganham espaço entre os mais carentes. "No caso dos evangélicos, cada vertente tem liberdade de abrir congregações e filiais. Como não somos coesos e não temos uma centralização, há facilidade maior de se estabelecer. Mas não há crise de uma e ascensão de outra. É cíclico", avaliou o pastor.
Monsenhor Marcony acredita que as estruturas da Igreja Católica contribuem para tal cenário. Passam pelo maior tempo de formação de um padre, a ilegalidade dos aglomerados urbanos recentes e as próprias administrações centralizadas das paróquias. "Se chegamos a uma cidade como Itapoã, esperamos que os moradores nos cedam um local, onde construímos uma capela e começamos as celebrações. É uma postura da Igreja Católica não invadir terrenos. Nossos irmãos evangélicos não obedecem isso", explicou.
O professor de filosofia da religião da Universidade de Brasília (UnB) Agnaldo Cuoco Portugal pediu cautela para avaliar o fenômeno. Para o especialista, a presença de inúmeras igrejas evangélicas no DF dá ênfase à força da religiosidade em época marcada pelas evoluções científica e tecnológica. O problema surge, porém, sempre que o fiel deposita na crença todas as ações da vida pessoal, profissional e familiar. "A maioria (das igrejas protestantes) tem boa intenção. Mas se percebe que algumas se aproveitam da fé ingênua. Querem ganhar dinheiro ou têm motivação política. Mesmo assim, não dá para julgar sem conhecer", ponderou Portugal.
