Cidades

Polêmica na Igrejinha tem mobilização em duas frentes

Galeno terminou os painéis e fiéis tentam convencer Iphan a desautorizar o artista. Comunidade fará manifestação hoje à tarde

postado em 27/06/2009 08:20
Depois de missa de protesto do lado de fora, emoldurada por cortinas negras, da interferência do Ministério Público, da santa ser coberta com pano branco e fita crepe, de alguém borrar um dos anjos, a Igrejinha será ocupada hoje, a partir das 16h, por cavaletes, pincéis, tintas, artistas plásticos, crianças e demais brasilienses que estão no time dos que jogam a favor da obra de arte de Francisco Galeno nos três painéis que foram grudados às paredes da igreja em formato de chapéu de freira que Oscar Niemeyer projetou em 1958. A insatisfação dos paroquianos da Igrejinha começou em novembro do ano passado, quando o Correio publicou o primeiro esboço da santa feito em um pedaço de papelão. De lá para cá, a cidade passou a ecoar uma sucessão de protestos de muitos dos mais assíduos fiéis da igreja à representação de Galeno para a devoção de Nossa Senhora de Fátima. Um dos mais ilustres representantes dos que não gostaram da simbologia de Galeno para a fé em Fátima, o superintendente do grupo Paulo Octavio, Marcelo Carvalho, tem tido conversas com o superintendente do Iphan/DF, Alfredo Gastal. Mas não só ele. Figuras eminentes do governo federal também estão tentando convencer o instituto responsável pelo restauro a desautorizar a arte já pintada de Galeno. Gastal não cita nomes, mas demonstra certa irritação com o excesso de lobby contra o artista. Para Marcelo Carvalho, "a imagem da santa deve ser preservada tal e qual tem se mostrado ao longo de tantas décadas". Católico praticante, Carvalho lembra que a Igreja Católica foi a precursora do incentivo às artes na cultura ocidental. E que sempre houve estranhamento diante da simbologia artística. Mas, agora, "no século 21, a gente não pode provocar nenhum tipo de mudança radical porque não é essa a pretensão da Igreja Católica, que está buscando se aproximar ainda mais da comunidade". Nas conversas com Gastal, Carvalho tem sugerido que Galeno dê um rosto à imagem de Fátima. A santa do artista não tem olhos nem boca nem nariz. "É uma homenagem a todas as mulheres que participaram da construção de Brasília. Cada mulher vai ver a própria expressão no rosto de Fátima", explica Galeno. O superintendente do Iphan fechou a questão: "Já negociei tudo o que pude e o que não pude. Cheguei a pedir ao autor da obra que fosse mais light com a santa, mas daí a botar rosto é interferir demais". Gastal diz que autoridades federais %u201Cestão sendo tangidas a interferir, mas essa não é uma questão de intervenção governamental ou que nome se dê a isso. Está-se falando de uma criação intelectual chamada arte, e é bom lembrar que a Igreja Católica é responsável por toda a evolução da arte ocidental de 311 (anos depois de Cristo) em diante%u201D. "Rolo" Procurado, o arcebispo metropolitano de Brasília, dom João Braz de Aviz, não quis se manifestar. Disse que ainda não tem uma posição a respeito. O pároco responsável pela igreja, frei Odolir Eugênio Dal Mago, também preferiu não fazer declarações públicas desta vez. "Prefiro ficar tentando juntar as pontas de um lado e de outro. Tenho medo de se falar, virar um rolo maior ainda." Rolo que começou quando o Correio publicou o esboço de Galeno para a imagem de Nossa Senhora de Fátima, no fim de novembro de 2008. Os paroquianos acharam o desenho mais parecido com a brasileira Nossa Senhora Aparecida do que com a portuguesa de pele rosada e manto azul e branco que apareceu para os três pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta. Daí em diante, o rolo só cresceu. No meio dessa guerra santa, o arquiteto responsável pela obra, Rogério Carvalho, deixou o Iphan. Tanto ele quanto Alfredo Gastal explicam que a saída foi um acaso funcional. Carvalho não era servidor concursado e teve seu cargo extinto como muitos outros numa decisão recente do governo federal. Mesmo do lado de fora, o arquiteto continua acompanhando a obra. "Meu nome está lá na placa. Vou acompanhar a obra de restauro até o final." Restauro, aliás, é uma definição da qual discordam os que são contrários à obra de Galeno. Para eles, o que está sendo concluído na Igrejinha é uma reforma. O Iphan reafirma que é uma restauração (restauro, no jargão especializado). As características originais da Igrejinha, patrimônio pertencente à Terracap e tombado pelo Iphan, foram recuperadas, com exceção dos painéis de Volpi, "sem dúvida, o ponto mais delicado do projeto", diz o arquiteto responsável. Com a tecnologia até agora disponível, a recuperação da obra do italiano seria impossível. A destruição dos painéis coloridos e lúdicos de Alfredo Volpi foi muito bem-feita, nas palavras de Alfredo Gastal. Antes de cobrir as imagens com demãos de tinta, elas foram raspadas e lixadas. Não existe, segundo Rogério Carvalho, um esboço colorido da obra. "Cheguei a pensar em reproduzir as imagens do único registro fotográfico existente do esboço do artista, o da revista Módulo, porém sabia que nunca conseguiria fazer com que alguém conseguisse o ritmo das pinceladas de Volpi e nunca teria certeza das cores que ele utilizou. Seria fake", diz o arquiteto. Rogério Carvalho decidiu, então, recuperar a "ambiência que a obra de Volpi produzia na igreja". O que significou restaurar "a intenção do artista". E quem poderia fazer isso? Galeno. Porque, explica Carvalho, ele "possui técnica, cromatismo e elementos de pintura e grafismo semelhantes aos de Volpi". O superintendente do Iphan lembra que Galeno não pintou sobre a obra de Volpi. Três painéis se superpõem às três paredes. "Se um dia, se descobrir uma tecnologia a laser que conseguirá recuperar o desenho e a cor original de Volpi, então teremos Volpi novamente". Mas até lá, a Igrejinha continuará com a obra de Galeno -- a menos que se repita o que aconteceu com Volpi. Ou em Pampulha. O FIM Perto das 14h30 de ontem, ao som de um canto gregoriano, Francisco Galeno concluiu a sua maior e mais polêmica obra, os três painéis da Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima. Pintou o últimos pontinhos pretos que representam as pedras bordadas no manto da santa. "Demorei porque queria ficar aqui mais tempo. Se pudesse, ficaria um ano. Foi um momento muito feliz, não me arrependo de nada do que fiz". O artista nascido no Delta do Parnaíba disse que quis representar, com seus desenhos de pipa, carretel, lamparina, galho de árvore, os três pastorinhos, "a alegria, as brincadeiras, o lúdico da vida das crianças". Leia matéria completa na edição impressa do Correio Braziliense

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