Renato Alves
postado em 29/06/2009 09:00
Ao menos 20 mil pessoas nascidas em Anápolis moram na Europa ou nos Estados Unidos. A maioria deixou o município goiano e os filhos com a expectativa de uma vida melhor. Desamparados, os filhos de alguns acabam na marginalidade, como revelou o Correio na edição de ontem. Ilegais no exterior, os adultos também enfrentam muitas dificuldades. Mulheres viram vítimas de trabalho escravo em bordéis na Suíça, em Portugal e na Espanha. Os homens se sujeitam a duras jornadas de trabalho pesado nesses e em outros país. Muitos ganham apenas o suficiente para o sustento próprio. E, com o agravamento da crise econômica mundial, enfrentam o desemprego.
[SAIBAMAIS]Um exemplo do impacto da crise é observado na pequena cidade de Gort, no oeste irlandês, onde cerca de 40% dos 3,5 mil habitantes são brasileiros. Desses, 90% nasceram em Goiás ; quase todos em Anápolis, a 140km de Brasília. A imigração começou no fim da década passada, quando os frigoríficos de Gort contrataram centenas de brasileiros para atender a demanda por mão de obra especializada no abate e desossa do boi. A maioria saiu de Anápolis. Eles receberam visto de trabalho e chegaram ao país com emprego fixo e em situação legal. Nessa época, o mercado de trabalho para brasileiros era farto e muitos levaram a família.
Com a prosperidade conquistada pelos primeiros a chegar, vieram amigos e conhecidos de Anápolis. O cenário começou a mudar em 2004, com a entrada de 10 países na União Europeia. A partir de então, o governo irlandês deixou de emitir vistos de trabalho para imigrantes de fora do bloco. Com isso, os anapolinos que continuaram chegando de Goiás se tornaram imigrantes ilegais. A situação se complicou ainda mais com o agravamento da crise(1) econômica no país em 2008. Em setembro, a Irlanda foi o primeiro país da zona do euro a entrar em recessão ; a primeira em 25 anos. A crise afetou o comércio e os negócios, e atingiu empresas que contratavam imigrantes. Em novembro, um dos principais frigoríficos da região de Gort fechou as portas e demitiu todos funcionários.
Tanto imigrantes legais quantos ilegais passaram a viver de empregos temporários, que duram um ou dois dias. ;Muitos dos conterrâneos estão passando dificuldades. Querem ir embora, mas não têm dinheiro;, conta João Carlos Gomes, 39 anos, por telefone. Ele deixou Anápolis há 10 anos, com o emprego garantido em um frigorífico nas redondezas de Gort. Deixou para trás os pais e uma filha de dois anos, que agora mora com ele. ;Sabia que se ela ficasse lá, mesmo morando com meus pais, corria risco de se perder no mundo, como aconteceu com filhos de meus amigos que estão aqui.;
Menos dinheiro
Goiás tem a maior colônia brasileira no exterior. São cerca de 250 mil pessoas. Quase 150 mil moram na Europa. O restante está nos Estados Unidos. Somente na Irlanda são 5 mil, sendo 4 mil anapolinos. Em todos os países, os goianos passam dificuldades em função da crise. Isso reflete nas economias do estado e dos municípios de origem dos imigrantes. ;Goiás recebia R$ 3 bilhões de remessas do exterior por ano, provenientes dos seus cidadãos. Em 2009, esperamos apenas R$ 900 milhões;, estima o chefe da Assessoria para Assuntos Internacionais do Governo de Goiás, Elie Chidiac.
Para ele, no entanto, nada incomoda mais que o grande número de goianas se prostituindo na Europa. ;Além de muitas serem vítimas de trabalhos forçados(1), as famílias, na maioria das vezes, foram separadas com esse fenômeno;, ressalta. O juiz Carlos José Limongi Sterse, da Vara da Infância e da Juventude de Anápolis, reforça a preocupação. ;Muitas crianças são deixadas para trás até com desconhecidos. Isso as deixa mais vulneráveis, isso explica o fato de termos muitos adolescentes em conflito com a lei que têm os pais no exterior;, pondera.
1- CRISE
O índice de desemprego na Irlanda chegou a 7,8% em dezembro último, o maior em 10 anos. Centenas de anapolinos perderam o emprego nos frigoríficos do país
2- ESCRAVIDÃO
Entre os estados brasileiros, Goiás ocupa o primeiro lugar na rota do tráfico internacional de mulheres. De 5 mil a 7 mil goianas são prostitutas na Europa, onde, a cada ano, em média, 20 delas morrem assassinadas em consequência da atividade. Outras 18 desaparecem.
MEMÓRIA
Prisões e condenações
14 de janeiro de 2009
A Polícia Federal prende cinco pessoas em Goiás suspeitas de tráfico internacional de seres humanos. Quatro são detidas em Anápolis e uma em São Miguel do Passa Quatro, sul do estado. A ação é um desmembramento de investigação da polícia suíça sobre a quadrilha que faz o traslado de mulheres brasileiras para exploração sexual. Em Goiás, uma família aliciava mulheres brasileiras e as levava para a prostituição no país europeu.
4 de março de 2008
A Justiça Federal em Goiás condena quatro pessoas por envolvimento em um esquema de aliciamento de mulheres brasileiras para prostituição em países europeus, com base em provas da Operação Castanhola, da PF, iniciada em 2004. Elas atuavam por intermédio de uma agência de turismo de Anápolis. O dono da empresa pegou seis anos de prisão e multa de 36 salários mínimos.
19 de outubro de 2003
Das 40 mulheres brasileiras encontradas pela polícia portuguesa em regime de escravidão em casas de prostituição de Bragança, 11 são goianas. Dessas, sete são de Goiânia, três de Anápolis e uma de Ceres. Segundo o governo português, elas viviam em cárceres, pois a casa que habitavam é cercada, o que as impedia de sair. Quando chegavam em Portugal, tinham seus documentos retidos pelos cafetões.
18 de agosto de 2003
Outro empresário, dono da agência de turismo Ama Travel, de Anápolis, é condenado a três anos, um mês e 10 dias de cadeia, em regime aberto, pelo crime de tráfico de mulheres. A decisão também é da Justiça Federal em Goiás. O homem é apontado como integrante de um esquema que facilita a entrada de prostitutas goianas na Europa, usando documentos falsos.