Cidades

Família decora casa a partir de materiais que muita gente descarta e joga no lixo

postado em 03/07/2009 08:47

Os vizinhos ficaram com medo no início de tudo. Achavam estranho ver tanto trambolho na caçamba da caminhonete que entrava a toda hora no terreno da Chácara 27 do Setor Habitacional Arniqueiras. Chegaram a cogitar que o espaço abrigaria um ferro-velho. Curiosa, a vizinhança ficou, mesmo de longe, a observar aquela gente esquisita construindo em um terreno íngreme de 600 metros quadrados. Nove meses após o começo da empreitada, o resultado pode ser apreciado. E é inacreditável: cinco pessoas vivem em um lugar erguido e decorado com coisas que um dia acabaram descartadas em lixões. A casa foi feita de lixo. Em setembro do ano passado, os irmãos Marlene Maria da Silva, 51 anos, e Odilon Barbosa de Oliveira, 46, ambos artistas plásticos, deixaram a chácara onde moravam perto de Valparaíso de Goiás e se mudaram para o pedaço de terra comprado em Arniqueiras. A mulher de Odilon e dois sobrinhos foram junto. No primeiro mês, dividiram um único cômodo. ;Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada;; O clássico de Vinicius de Moraes era cantarolado todas as noites. Foi aí que um dia, sem grana, a turma teve a ideia de encontrar no lixo o que precisaria para fazer crescer o empreendimento.[SAIBAMAIS] Passaram, então, a frequentar os principais lixões do Distrito Federal e Entorno. Poucas remexidas foram suficientes para eles se surpreenderem com o que encontravam. Com o tempo, a procura virou vício. Não conseguiam passar por um contêiner sem parar para tentar achar algo aproveitável. ;O lixo de Brasília é fantástico, é riquíssimo. Não entendo como as pessoas jogam fora certas coisas. Eu construí uma casa inteira com lixo;, empolga-se Marlene, que também é professora da Secretaria de Educação. ;Deu certo, mas no começo achei uma loucura;, confessa Odilon, que ainda se pega contemplando a própria obra. Modelo para todos A família resolveu abrir as portas da casa para o Correio porque quer que essa loucura sirva mesmo de exemplo. ;As pessoas precisavam saber disso. Quem não tem muito dinheiro pode fazer uma casa ; e uma casa linda. Só com uma simples limpeza, coisas que estão no lixo ganham vida. Nem é preciso tanta criatividade;, ensina Marlene. Para dar vazão à ideia, a família contou com a ajuda de um pedreiro e de um ajudante de pedreiro. Os catadores de lixo que usam caminhonete gastaram no máximo R$ 30 mil com a mão de obra deles e com a compra de cimento, areia, ferro e tijolo. Algumas peças de decoração foram compradas a preços irrisórios em garagens ou por meio de anúncios de jornal. Mas nada do que está ali saiu de lojas. Quase tudo veio de lixões do Riacho Fundo, do Setor O, em Ceilândia, de Formosa e de Águas Lindas, em Goiás. ;O lixão virou nosso shopping;, compara Marlene. Era necessário apenas lavar, lixar e pronto: o que fosse achado estava novo. Até a tinta utilizada para pintar móveis e paredes saiu do lixo ; às vezes, dentro de latas cheias. A última aquisição foi o armário da sala de estar. Estava largado em um contêiner no meio da rua. Precisou apenas de poucos retoques para ser reutilizado. Telas mosquiteiras viraram quadros pintados à mão por Odilon. A porta do lavabo é, na verdade, uma janela. Quem lava as mãos na pia comprada por R$ 5 ajuda a regar as plantas, também achadas no lixo. Móveis desgastados, mas em estado razoável, ajudam a compor a cozinha. Filtros de água se transformaram em luminárias da sala e em jarros para mais plantas no deque. Nenhuma árvore foi arrancada durante a obra. Manequins de lojas ganharam um toque especial e foram parar no jardim, como estátuas. Um bolo de arame virou um ET que, segundo a família, tem a missão de dar as boas-vindas aos visitantes. Vizinhos, amigos, todo mundo agora quer conhecer a casa, fazer festa no quintal com a cascata, deitar no divã, sentar no sofá e tomar sol nas duas espreguiçadeiras que um dia foram descartadas pelos primeiros donos. À noite, luminárias feitas com fibra de vidro e botijões vazios deixam o ambiente ainda mais aconchegante. Telhas velhas são peças decorativas na parede. O material para a parte elétrica e hidráulica da casa também teve origem no lixo. Até as tomadas e os espelhos estavam abandonados em algum lixão. ;Não se pode ter vergonha do lixo. Todo mundo tem direito a ter tudo isso;, destaca a artista plástica, mentora da ideia.

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