Cidades

Água Mineral: área aberta ao público representa menos de 1% da extensão do Parque Nacional

postado em 04/07/2009 08:20

O silêncio só é quebrado pelo barulho do vento balançando as árvores. Vez ou outra, o canto de um pássaro ecoa distante. Mesmo na época da seca, em que o verde do cerrado é tomado pela poeira, flores multicoloridas embelezam a paisagem. Durante o dia, é difícil avistá-los, mas inúmeros animais silvestres ameaçados de extinção elegeram como morada o ambiente protegido. Conhecido pelos brasilienses pelas piscinas de água corrente, o Parque Nacional de Brasília esconde riquezas incalculáveis. A Água Mineral recebe em média 324 mil visitantes por ano, mas boa parte deles desconhece que ela fica encravada em uma das áreas ecologicamente mais importantes para o Distrito Federal.

O Parque Nacional é a maior unidade de preservação do DF. Está no meio de uma mancha urbana que cresce a cada dia. Tem área de 42.389,01 hectares(1) e é quase 10 vezes maior que o Plano Piloto. A entrada do parque fica às margens da Estrada Parque Indústria Abastecimento (Epia), mas os limites dele se estendem da Via Estrutural até o Lago Oeste. Para dar a volta no perímetro do parque, é preciso percorrer 90km. Já a distância entre uma ponta e outra do DF é de 120km.

Menos de 1% dessa imensidão verde é aberta à população. O parque é subdividido em zonas e a de uso público tem apenas 144 hectares. Nessa área, os visitantes podem mergulhar nas duas piscinas ou caminhar em duas trilhas. A menor delas, a da Capivara, tem 1,3km e fica bem perto das piscinas. Quem quiser se afastar um pouco mais pode percorrer os 5km da trilha Cristal Água. Também é possível relaxar e contemplar a natureza na Ilha da Meditação, no meio da Lagoa da Anta, um espelho d;água construído ao lado da administração.

3 mil por dia
Atualmente, o acesso ao parque é restrito a 3 mil pessoas por dia. Quando o público passa disso, os portões se fecham. O Instituto Chico Mendes estuda ampliar a área de lazer e abrir novas trilhas, mas teme os impactos da atividade humana na área de preservação. ;A recreação é a atividade menos nobre que exercemos. Muita gente que vem aqui acha que a Água Mineral é meramente um clube. Assim, entram em locais proibidos, deixam lixo espalhado e alimentam os animais;, afirma a analista ambiental do parque, Diana Tollstadius.

Os maiores tesouros estão justamente na área de proteção, onde somente pesquisadores autorizados e funcionários do Instituto Chico Mendes têm acesso. As trilhas são povoadas por tamanduás, antas, capivaras, macacos e tatus. Com sorte, pode-se passar por alguns deles durante as caminhadas. Mas os bichos maiores e mais selvagens mantêm distância das pessoas e habitam as regiões mais afastadas do parque. Encontrá-los não é tarefa fácil, pois a maioria tem hábitos noturnos.

Risco de extinção
A bióloga Keila Mac Sadem, 41 anos, é privilegiada. Entre 2006 e 2008, ela conseguiu registrar a presença de vários animais em extinção no Parque Nacional, entre eles a onça parda, ou sussuarana, um dos maiores mamíferos carnívoros da América do Sul. O animal era recorrente no cerrado, mas os pesquisadores acreditavam que havia desaparecido da região por causa do crescimento das cidades. ;O grande problema é que os animais ficaram ilhados no meio da área urbana. Com isso, as populações não conseguem se locomover e vão se reduzindo aos poucos;, diz a pesquisadora.

A onça e os demais animais ; ela registrou 15 espécies ; foram flagrados por meio de armadilhas fotográficas. Durante dois anos, Keila instalou quase 2 mil máquinas fotográficas todos os dias na reserva. Elas possuíam um sensor acionado pelo calor do bicho. Além da onça, o parque abriga outra espécie ameaçada: a queixada, um tipo de porco do mato. No estado, só foi encontrado um animal do gênero.


1- COMPENSAÇÃO AMBIENTAL
A área do Parque Nacional de Brasília foi ampliada de 30 mil para os atuais 42 mil hectares em 2006, como forma de compensação ambiental pela criação da Cidade Digital. O Ibama cedeu 123 hectares do parque, próximo à Granja do Torto, para a construção do polo tecnológico, mas pediu em troca a expansão da unidade. O Projeto de Lei n; 4.186/2004 causou polêmica devido à pressão dos donos das terras que foram transformadas em reserva. Só se tornou lei em março de 2006.


Sítios históricos
O Parque Nacional de Brasília também guarda relíquias históricas e culturais. O historiador Wilson Vieira Júnior identificou 13 sítios históricos dos séculos 18, 19 e até a metade do século 20. São vestígios de antigos moradores que habitavam a região, quando ela ainda era formada por fazendas. O historiador encontrou utensílios de ferro, selas de cavalos, pedaços de engenhos e até restos de estruturas de casas de pau a pique. Vieira Júnior trabalha agora com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para que os sítios sejam reconhecidos.

Uma das descobertas de Wilson mais interessantes é um trecho da antiga Estrada Real da Bahia, feita em 1736. A estrada ligava o centro do Brasil até os portos da Bahia e servia para o escoamento do ouro garimpado em Goiás Velho, Corumbá, Pirenópolis e Luziânia. O historiador também encontrou um cruzeiro de madeira datado de 1942 que pode indicar a presença de um antigo cemitério no parque. No ano passado, a cruz acabou destruída por invasores. ;Cada vez que olho a imagem do parque no satélite, vejo que tenho mais o que estudar aqui dentro;, diz Wilson.


Visitas e cursos
A Água Mineral é aberta à população diariamente, das 8h às 16h. Alunos de escolas públicas e particulares podem aproveitar ainda mais o lugar, pois o Centro de Visitantes do Parque Nacional oferece cursos quinzenais para capacitar os professores a fazerem visitas guiadas com suas turmas. O curso, de um dia, custa R$ 10. Nele, os docentes aprendem as diferentes espécies da fauna e da flora do cerrado. Os passeios também valem para creches e entidades filantrópicas. Já os professores universitários podem conseguir autorizações para levar seus estudantes além da área de uso público.

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