O estudante Lucas Murilo da Silva Fernandes, 16 anos, nasceu para o futebol. Habilidoso e dedicado, o garoto criado em Planaltina se preparava para dar rumo profissional à carreira. O próximo passo seria em Portugal, onde tentaria alcançar o estrelato em campos internacionais. O sonho acabou interrompido por causa da violência. O menino levou um tiro nas costas, confundido com um rival do assassino. O revólver calibre .38 que lhe tirou a vida estava nas mãos de um jovem de 16 anos. Chegou ao algoz depois de roubada ou comprada no mercado clandestino.
[SAIBAMAIS]O crime ocorreu em maio de 2008, ano em que aumentaram as apreensões de revólveres, pistolas e espingardas com adolescentes brasilienses. Os flagrantes estão em ascensão desde 2007, quando policiais militares e civis recolheram 466 armas em poder dos mais jovens. A média mensal, de 38 por mês, cresceu no ano seguinte para 50, segundo dados da Polícia Civil do Distrito Federal ; houve 605 registros entre garotos e garotas menores de 18 anos.Um aumento de 31,5% . Considerando os adultos, houve uma redução de 9,2% na quantidade de flagrantes: 2.731 em 2007 contra 2.478 no ano passado.
Policiais e promotores de Justiça acreditam que a concentração de armamentos com a juventude da capital do país pode ser explicada por característica comum em quadrilhas de traficantes e de assaltantes: adultos deixam as armas com os mais jovens para escapar das punições de um crime inafiançável. ;Alguns bandidos mais velhos colocam armas nas mãos de adolescentes, pois muitos entendem que as punições do ECA são mais brandas;, afirmou a titular da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), Eliana Clemente.
[SAIBAMAIS]Para o promotor Railson Barbosa de Oliveira, da Promotoria Infracional da Infância e da Juventude, a violência entre gangues de cidades como São Sebastião, Santa Maria e Ceilândia também contribui para o crescimento das apreensões. ;O que se percebe é que ocorre com frequência a liberação pela Justiça de jovens armados, o que gera a sensação de impunidade. Para os adultos, a punição é pior. Faz com que pensem duas vezes;, disse. Segundo ele, muitos adolescentes surpreendidos pela polícia inventam que compram revólveres e pistolas em feiras populares de Ceilândia, de Samambaia e do Entorno.
A maioria das apreensões no ano passado ocorreu com meninos de 16 e 17 anos, de acordo com levantamento da Polícia Civil do DF (veja quadro acima).
Outras vítimas
O caso do jogador de futebol Lucas Murilo chama a atenção pela impunidade. Nem mesmo o revólver usado no homicídio saiu de circulação. O acusado, identificado pela 31; DP (Planaltina) como um adolescente de 16 anos, passou pelo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Mas sumiu depois de beneficiado pelo saidão do Dia das Mães. Também não estava apreendido pela morte do atleta. O histórico de violência dele tem tráfico de drogas, porte de arma, roubo, ameaça, lesão corporal, latrocínio e assassinato.
A investigação da morte de Murilo está sob responsabilidade da DCA. Mas policiais civis de Planaltina descobriram que o assassinato ocorreu por engano. Ele acabou confundido com um rival do assassino. Testemunhas disseram que, após o tiro nas costas, o atirador se mostrou surpreso. Teria dito: ;Ih, acertei o jogador;. O estudante sofreu o ataque às 15h nas proximidades de casa. Voltava de bicicleta do dentista. O pai, o funcionário público Pedro Fernandes, de 51 anos, correu para tentar salvar a vida do filho. Encontrou-o na rua agonizando e o encaminhou ao hospital.
O jogador ainda lutou mais de duas semanas pela vida. Ficou internado por 19 dias na UTI do Hospital de Base. A família agora luta por justiça. ;Vamos brigar para que ele (o acusado) seja punido e não tire a vida de outros filhos;, afirmou a mãe de Murilo, a também servidora pública Maria do Carmo, 48. Além das lembranças do garoto, ficaram para trás medalhas e troféus conquistados como jogador de futebol. Jogava em campeonatos amadores e viajava pelo país a cada seis meses.
A mãe do menino procurou neste ano apoio na Subsecretaria de Proteção às Vítimas de Violência, o Pró-Vítima. Para a subsecretária Valéria de Velasco, tragédias como a vivida pela família de Planaltina poderiam ser evitadas caso houvesse mais controle das armas em circulação no Brasil. ;É cada vez mais fácil comprar uma arma no mercado clandestino, que também chega pelas mãos do contrabando. Os armamentos mais comuns são os revólveres calibre .38, de fabricação nacional. É preciso redobrar a política de controle;, avaliou.
Direitos
O Estatuto da Criança e do Adolescente ; Lei Federal n ; 8.069 ; regulamentou os direitos da criança e do adolescente em 13 de julho de 1990. A norma determina que menores de 18 anos devem ser considerados pessoas em desenvolvimento. As penas para qualquer crime, inclusive homicídio, não podem passar de três anos de internação e devem ser cumpridas em instituição especializada.
Orientação
O Pró-Vítima é vinculado à Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do Distrito Federal. Começou a atender a população em 15 de abril deste ano.
Presta assistências psicológica e jurídica a vítimas de violência e familiares. Além da sede no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), há um núcleo no Paranoá. A equipe conta com 43 pessoas.