Guilherme Goulart
postado em 05/07/2009 08:01
Garotos e garotas de feições adolescentes exibem revólveres e pistolas. Revelam-se diante da câmera fotográfica em poses desafiantes e olhares orgulhosos. Mostram-se para o fotógrafo em cenários que lembram casas de família. As imagens poderiam ser de atores mirins em cartazes para divulgação de filme rodado em favelas do Rio de Janeiro. Mas estão na internet, publicadas no site de relacionamentos Orkut. E expõem o rosto de jovens de gangues de São Sebastião, distante 26km do Plano Piloto.Os grupos talvez não passem de 15 ou 20 moradores de cada bairro rival da localidade. Reforçam, porém, a facilidade com que até menores de 18 anos têm acesso aos mais diferentes tipos de revólveres na capital do país. Armas de menor porte são as mais comuns. ;Eles dizem sempre que compram essas armas em feiras populares, como a Feira do Rolo, em Ceilândia. Mas isso não passa de um discurso. As origens podem ser várias;, explicou a titular da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), Eliana Clemente.
O titular da Delegacia de Repressão a Roubos (DRR), Adval Cardoso de Matos, revelou dois caminhos principais para a chegada de armamentos às mãos de bandidos no DF. Uma das possibilidades passa pelo contrabando, vindos de outros estados brasileiros e do Paraguai. A outra se faz pelo roubo e furto contra policiais e cidadãos com permissão para porte de arma (leia arte acima). ;As apreensões mais comuns são de revólveres e pistolas;, disse.
Segundo Matos, não existe em Brasília esquema de corrupção policial para venda de armas. Portanto, não há chance de o revólver, a pistola ou a espingarda recolhida voltar às ruas depois de entregue às delegacias brasilienses ; a maioria é apreendida em abordagens feitas por policiais militares e em operações e investigações da Polícia Civil. ;Se chega a uma delegacia, é 100% de certeza que não volta para a criminalidade. O destino é a destruição. A não ser que a consulta ao sistema de armas indique a propriedade de alguém. Será, assim, restituída ao dono;, explicou o delegado.
Ameaças virtuais
Em poder da criminalidade, os armamentos acabam usados para assaltos, intimidações, ameaças e acertos de contas. No caso de São Sebastião, jovens as empunham para se vingar de desafetos. A cidade, por exemplo, ficou marcada em 2008 por série de assassinatos. Só entre fevereiro e março do ano passado seis garotos perderam a vida nas disputas territoriais entre moradores dos bairros João Cândido e Vila São José. Onze acabaram presos na época. A polícia recolheu oito armas. ;Está mais tranquilo agora. Mas só porque não paramos com as prisões;, contou o delegado-chefe da 30; DP, João Lóssio.
[SAIBAMAIS]Apesar da repressão policial, as mortes entre a juventude local não tiveram fim. Em fevereiro deste ano, um garoto de 18 anos perdeu a vida depois de atraído para uma emboscada perto de casa. Levou seis tiros na cabeça e no peito. A vítima nasceu e viveu em São Sebastião. Seguiu a rotina familiar até os 16, quando passou a participar de uma gangue da cidade. Tráfico e uso de drogas, porte de armas e pequenos assaltos faziam parte do cotidiano da garotada. O rapaz ficou agressivo, largou os estudos e deixou a violência tomar conta da adolescência. Morreu em menos de dois anos.
A investigação do caso deu a entender que o homicídio ocorreu por desavenças dentro da própria galera. A família se sentiu ameaçada. Mudou de cidade. Também não quis conversar com a reportagem. O Correio, porém, identificou o perfil criado no Orkut por integrantes de gangue dos bairros Vila São José e Vila Nova. Aparece no local da foto de apresentação imagem de placa de trânsito ; acesso a São Sebastião a 500m ; crivada de balas. As poucas informações do domínio virtual revelam que ;são seba e nois matam os 200;. O grupo é da Quadra 5. Os rivais moram na Quadra 200, em outra vizinhança.
Meninos e meninas com os mais diferentes apelidos estão ligados ao perfil, com referências ao Comando Vermelho e a favelas cariocas. As fotografias mostram adolescentes em poses desafiantes. Se não estão armados, simulam revólveres e pistolas com as próprias mãos. As comunidades vinculadas ao site também dão a dimensão do problema. Algumas são de colegas mortos. E outra do tipo: ;Tá no inferno? Abraça o capeta;. Os recados deixados em perfis alheios também revelam ameaças. A 30; DP investiga quem são os responsáveis pelas páginas.
Origem política
A organização criminosa comanda o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Especula-se que a criação do grupo ocorreu entre 1969 e 1975, quando presos políticos e detentos comuns dividiram a Galeria B do presídio de Ilha Grande. Por trás do lucro com a venda de drogas, estão violência e morte.
; O que diz a lei
A restrição do direito de andar armado existe desde 2003, quando foi aprovado o Estatuto do Desarmamento. A Lei Federal n; 10.826 garantiu porte de arma funcional para policiais civis, militares e federais, servidores das Forças Armadas e guardas municipais. Podem se manter armados 24 horas por dia. Há também o porte para quem trabalha como segurança privado, agentes e guardas prisionais, escoltas de preso e agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
A lei deixou a posse mais difícil. Quem quiser manter uma arma em casa precisa ter mais de 25 anos, declarar efetiva necessidade, não ter antecedentes criminais, ter ocupação lícita e residência certa, passar em testes de capacidade técnica e aptidão psicológica e renovar o registro a cada três anos.
Quem descumprir a lei e andar com arma de uso permitido sem o porte poderá ficar preso por até quatro anos e pagar multa. O crime é inafiançável se a arma não for registrada. Já o porte ilegal de arma de uso restrito pode render reclusão de até seis anos.