postado em 05/07/2009 08:30
Oscar NiemeyerEu nasci e morei, em toda a minha juventude, em Laranjeiras, na casa de meus avós Ribeiro de Almeida. Família católica, vinda de Maricá, que para o Rio se transferiu para sempre. Era uma residência de dois andares, com uma varanda a segui-la até o fim do terreno. No andar térreo, era o hall de entrada ; de um lado, a sala de visitas; no meio, a escada e o gabinete do meu avô; do outro lado, a sala de jantar e um grande corredor, onde ficavam localizados os quartos de meus tios e de meus avós.
Em seguida, eram a copa, a sala de almoço, banheiros, cozinha, quarto de empregada etc. Em cima, os quartos de meus pais, irmãos e de nossa prima Milota, uma senhora que sempre morou com os meus avós. A sala de visitas tinha cinco janelas ; três dando para a rua, duas para os lados. Numa destas, minha avó embutiu um oratório, que, aos domingos, abrindo para a sala, permitia que a missa fosse rezada em casa, tão religiosa era a nossa família.
É claro que nada disso veio a influir na minha maneira de pensar: com pouco mais de 20 anos, atuava no Socorro Vermelho, onde um grupo de comunistas recolhia roupas e donativos para distribuir entre os mais pobres da redondeza. E, mais adiante, já formado e arquiteto, lá estava eu, comunista, a participar da luta e das passeatas que o partido de Prestes organizava.
A ideia de um Deus todo-poderoso, criador de todas as coisas, havia desaparecido do meu pensamento. Mas a visão de um ser humano tão frágil e desprotegido, diante deste universo fantástico que o cerca, levava-me a acompanhar as conquistas da ciência, empenhada em desvendar os mistérios do cosmo e de nossa própria existência.
Contudo, a lembrança daqueles velhos tempos, dos amigos ; em sua maioria católicos ; que nos frequentavam deixou-me a ideia de que se tratava de gente boa e bem intencionada, que manifestava uma atitude generosa diante da pobreza, sem a revolta que em mim passou a dominar. Ah, como é importante para mim recordar que o meu avô, ministro do Supremo Tribunal Federal por vários anos, morreu pobre, obrigando-nos a deixar a casa hipotecada para morar numa casa modesta em Ipanema!
Tudo isso explica a minha postura compreensiva e quase indulgente em relação aos que creem num Deus invisível e onipotente, aceitando, conforme tem acontecido, projetar uma igreja, uma catedral ou uma simples capela como a que acabo de desenhar, a pedido de meu amigo Roberto Irineu Marinho.
Por outro lado, ao desenhar uma igreja, o arquiteto sente, surpreso, como esta é generosa como tema arquitetural. Com que prazer desenhei as colunas da Catedral de Brasília, a subirem em círculo, criando a forma desejada! E lembro os contrastes de luz que adotei, tão importantes no interior de uma catedral.
Quando projeto uma catedral, reconheço que o prazer que sinto em ver uma obra bem realizada é muito menor do que a importância que lhe dão aqueles que vão frequentá-la, pois é ali que acreditam estarem perto de Deus. Para eles, o ser supremo que, onipotente, tudo criou.Eis como eu posso justificar essa contradição que alguns levantam entre a minha posição de comunista e o meu interesse em desenhar obras de caráter religioso.
Patrimônio
Inaugurada em 1970 e hoje tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Catedral de Brasília é uma obra do arquiteto Oscar Niemeyer. A igreja possui um rico acervo de obras de artistas como Ceschiatti, Di Cavalcanti e Athos Bulcão. Atualmente, o monumento está passando por uma reforma, mas continua aberto à visitação.