Cidades

Após assassinato, motoristas de micro-ônibus pedem segurança

Polícia suspeita de vingança. Condutores protestam e pedem segurança

postado em 15/07/2009 09:07
;Eu tenho medo de ir trabalhar. Tenho 39 anos e nunca tinha ido a um psicólogo. Agora estou fazendo tratamento para os nervos.; A frase é de um motorista de micro-ônibus(1) que faz a linha Gama-Santa Maria e já foi assaltado seis vezes em menos de um ano. Ele também teme se identificar ou mostrar o rosto. ;Corro o risco de ter o mesmo destino do meu colega, que foi marcado pelos bandidos;, justifica. O colega é Ricardo Henrique Leite, 25, assassinado ontem, por volta das 14h30, na Quadra 4 do Setor Sul do Gama, em frente a um movimentado comércio. Seus companheiros de trabalho, que protestaram muito pedindo mais segurança, acreditam em crime premeditado. Há duas semanas, a vítima avisou à polícia que havia pessoas armadas dentro de seu veículo. Os policiais, porém, deixaram um dos criminosos fugir.

[SAIBAMAIS];Pela descrição que fizeram, é o mesmo cara;, aponta a cobradora Poliane Pimenta, 24, colega de Henrique, como era chamado, na empresa Cootarde(2), que tem quase mil funcionários. ;Ele viu que tinha duas pessoas com uma arma, avisou para os policiais discretamente, mas eles pediram a ele que reconhecesse os dois;, narra. ;Na hora em que foram sair do ônibus, um estava algemado e o outro, seguro pelo braço. Ele conseguiu se desvencilhar e fugiu correndo;, complementa um dos diretores da empresa, Elson Fernandes Sena, que engrossa o coro por mais segurança. ;Está difícil de trabalhar. Os funcionários estão assustados. O ideal seria mais policiamento nas ruas mesmo;, avalia.

Polícia suspeita de vingança. Condutores protestam e pedem segurançaSão, em média, três assaltos a micro-ônibus por dia na região, de acordo com o presidente do sindicato da categoria, Diógenes dos Santos. ;No DF todo, são 10 por dia. Não dá para trabalhar assim, sendo refém do medo, sendo alvo de tiros;, protesta. ;Já nos reunimos com o secretário de Segurança Pública, mas não deu resultado. Queremos polícia na rua;, completa.

Henrique entrou no serviço às 13h20, mas não chegou ao final do expediente, que seria às 21h. Acabou baleado com três tiros na cabeça durante a primeira viagem. Cinco passageiros estavam no veículo e viram quando um rapaz entrou no micro-ônibus de cabeça baixa. Ele pulou a roleta e anunciou o assalto. Não esperou, porém, que o motorista lhe desse o dinheiro. Abriu fogo contra o homem que, trabalhando atrás do volante desde os 21 anos, sustentava a mãe e dois irmãos menores. ;Um monstro! Um monstro que acabou com a vida do meu sobrinho e com a harmonia da família. Como é que isso pôde acontecer?;, desespera-se a estudante Elisa de Oliveira Mendes, 28, tia do rapaz.

A vítima, na base do reflexo, ainda fechou a porta do veículo, que voltou pela pista de ré por cerca de 30 metros, parando em cima da calçada depois que um passageiro puxou o freio de mão. O assassino quebrou uma das janelas do micro-ônibus para fugir. Machucou-se com os cacos, deixando sangue na lataria, e perdeu um dos chinelos enquanto corria. De acordo com informações da Polícia Militar, ainda tentou entrar em uma casa da vizinhança durante a fuga. Não havia sido preso até o fechamento desta edição.

A possibilidade de vingança, por causa da ocorrência duas semanas antes, é tratada como a principal linha de investigação na 20; Delegacia de Polícia, de acordo com o delegado Francisco Duarte. ;Não podemos, porém, descartar outras possibilidades, como latrocínio (roubo seguido de morte);, afirma ele. ;Até agora temos poucas informações para determinar qualquer coisa;, avisa.


1 - MICRO-ÔNIBUS
Uma frota inicial de 350 micro-ônibus foi colocada em circulação no Distrito Federal em junho do ano passado para substituir as vans, que foram consideradas irregulares e banidas do sistema de transporte. Seu objetivo é fazer os trajetos circulares dentro das cidades.


2 - COOTARDE
A Cooperativa de Transporte Alternativo do Recanto das Emas foi formada, principalmente, por antigos permissionários das antigas vans para participar da licitação do novo sistema. Ganhou linhas em várias cidades do DF e gera quase mil empregos.

Revista nos passageiros
Os micro-ônibus pararam no Gama após o crime. Os motoristas estacionaram os veículos nas proximidades da praça da Quadra 4 e se reuniram para observar o trabalho da polícia, ao lado da família de Henrique. Muitos choravam e todos eram unânimes em reclamar das condições de trabalho.

Cerca de 100 deles improvisaram um protesto quando o comando da PM na área chegou ao local. Bateram palmas e gritaram palavras de ordem como ;Queremos segurança;. Para a categoria, a polícia deveria fazer revistas nos passageiros para desencorajar os assaltantes. ;Há uns quatro anos, faziam isso. Paravam alguns ônibus e revistavam todo mundo. Com isso, acredito que o bandido ficava com um pouco mais de medo;, avalia a cobradora Fabiane Cristina Alvarenga, 28, que está em licença de dois meses para se recuperar do susto de ter uma arma apontada para a cabeça. ;Se andassem policiais à paisana nos ônibus também seria ótimo, mas eles só ficam dentro desses postinhos;, critica.

Ao longo da tarde, funcionários das duas empresas que atendem a região de Gama e Santa Maria relembraram histórias de assaltos, um tema que já é o principal nas conversas informais da categoria. ;Eu fui assaltado por cinco indivíduos lá em Santa Maria, na (quadra) 404;, conta um motorista que se identificou apenas como Cabral. Ele se lembra de cada detalhe. ;Foi no dia 22 de abril, às 10h27. Na parada só tinha um, bem vestido, que fez sinal para que eu parasse.; Quando abriu a porta, Cabral viu os outros quatro saírem de trás da parada e entrarem anunciando o assalto. Mas teve sorte. ;Na hora passou uma viatura e eu dei sinal de luz. Dois foram presos;, lembra.

Os motoristas e cobradores prometem continuar protestando nos próximos dias. Hoje deve haver paralisações no serviço e, desde ontem, os veículos estão circulando com sinais de luto. São panos pretos amarrados nos retrovisores e palavras de protesto escritas nas janelas.

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