Cidades

Instituições insistem em recorrer à prática ilegal ao exigir que o cliente pague pela emissão das faturas

postado em 20/07/2009 08:41
Uma prática ilegal continua a fazer parte do dia a dia dos consumidores de todo o país que pagam suas contas por meio de boleto bancário (1). Cobrar pela emissão do boleto fere o Código de Defesa do Consumidor e é considerada abusiva. No entanto, ainda hoje, várias instituições e empresas insistem no procedimento. Geralmente, a taxa varia entre R$ 2 e R$ 5. Os mais desatentos não percebem a diferença e pagam sem questioná-la. Outros acreditam não valer a pena o trabalho de reclamar pelos seus direitos porque a quantia é pequena. Assim, mensalmente, as empresas ou instituições financeiras repassam aos seus clientes o ônus que deveria ser delas, o que leva a prática a ser considerada abusiva.

Essa cobrança é indevida porque já está inserida nos custos de atividade do negócio, que não podem ser repassados ao consumidor. Mesmo porque quem escolhe as formas de pagamento que irá aceitar é a empresa e não o cliente, explica a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Maíra Feltrin.

Antes de decidir reclamar pelos seus direitos, o funcionário Sérgio Ferreira Louredo dos Reis, 29 anos, pagou a taxa por emissão de boleto bancário em 15 parcelas do financiamento do seu carro. Recorri ao Procon e até fiquei surpreso com a atitude da instituição financeira, que decidiu me ressarcir por todas as taxas, as já cobradas e as futuras, conta Sérgio.

Como justificativa, o banco alegou o bom relacionamento com o cliente e também a existência da Resolução n; 3.518 do Banco Central (BC), em vigor desde 30 de abril do ano passado, que disciplina a cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras ou demais autorizadas a funcionar pelo BC. Além dessa resolução, o BC foi ainda mais claro em relação a boletos bancários na Resolução n; 3.693, em vigor a partir de março deste ano, que veda a cobrança de despesas por emissão de boletos, carnês e assemelhados.

Hierarquia

Embora as instituições financeiras só se sintam obrigadas a seguir essa regra recentemente, após a publicação das resoluções do BC, os órgãos de defesa do consumidor entendem que essa prática é ilegal desde a criação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990. Existe uma hierarquia de normas. Resoluções e portarias não podem trazer nada de diferente da lei. No caso, as resoluções que permitiam a cobrança contrariavam o Código de Defesa do Consumidor, que é uma lei federal, explica a advogada Maíra Feltrin.

O diretor de Atendimento do Procon-DF, Oswaldo Morais, justifica a irregularidade com base nos artigos 39 e 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). No inciso V, do artigo 39, é prática abusiva exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Mesmo que a cobrança esteja prevista no contrato, ela é arbitrária. O artigo 51 do CDC, que trata sobre cláusulas contratuais abusivas, considera nulas de pleno direito obrigações abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade. Também é sem validade, de acordo com inciso XV do artigo 51, tudo o que estiver em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.

Nenhuma relação de consumo escapa a essa regra, desde instituições financeiras e operadoras de cartão até faculdades, escolas, operadoras de telefonia e, principalmente, as empresas de TV por assinatura. No caso dessa última, seguindo orientações dos órgãos de defesa do consumidor, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) baixou um ofício proibindo as empresas de TV por Assinatura de cobrarem pela emissão do boleto bancário. A Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) recorreu à Justiça, que, em 27 de maio, decidiu em favor dos assinantes pelo não pagamento do boleto.

O consumidor tem 90 dias para reclamar. No caso de financiamentos, esse prazo será contado a partir da quitação do carnê. Dessa forma, será exigido o ressarcimento de todas as taxas já pagas bem como o estorno das tarifas futuras, explica Oswaldo Morais. Caso a reclamação seja considerada procedente e não seja possível acordo com a reclamada, o caso será encaminhado ao departamento jurídico do órgão para a aplicação das sanções administrativas. A multa varia de R$ 212 a R$ 3,19 milhões.


1 - BOLETO BANCÁRIO
Essa forma de pagamento é adotada por boa parte das empresas. É mais prática porque permite ao consumidor efetuar o pagamento em toda a rede bancária, diretamente nos caixas ou nos terminais automáticos.

Denuncie

A cobrança por emissão de boleto bancário pode ser confundida com outras taxas, como as chamadas cobrança do custo de manutenção de conta (CMC) ou tarifa de manutenção, muito comuns em faturas de cartões de crédito, supermercados, lojas e livrarias. Essas tarifas devem estar previstas nos contratos e sua legalidade dependerá de cada caso.

O estudante Maurício Pereira, 33 anos, paga taxas de R$ 2,99, do seu cartão Carrefour, e de R$ 3,99, do seu cartão do Ponto Frio PontoCred. Ele tem dúvidas sobre a legalidade da cobrança. taxas são baixas e, por isso, muita gente se sente desmotivada a correr atrás dos seus direitos, ir ao Procon ou até mesmo à Justiça. E as empresas acabam ganhando muito dinheiro com isso", analisa Maurício.

No caso de Maurício, as duas empresas responderam, por meio de suas assessorias de imprensa, que as taxas cobradas são referentes à manutenção da conta. Em vez de cobrar anuidade, que seria devida independentemente da utilização do cartão, a tarifa é cobrada apenas quando os serviços são utilizados, o que pode ser mais vantajoso para o cliente.

Segundo a advogada do Idec, Maíra Feltrin, essas taxas podem ser cobradas, desde que previstas no contrato e com a respectiva justificativa. Isso, no entanto, não impede que a tarifa seja abusiva. depender de cada caso. Há empresas que vendem o cartão para o cliente anunciando a vantagem de que ele não pagará anuidade. No entanto, cobram uma taxa todos os meses em que ele usa o cartão, o que poderá sair mais caro que uma mensalidade anual", observa.

Esses casos também devem ser levados ao órgão de defesa do consumidor. analisar os contratos e, caso seja identificado algum abuso, iremos acionar os responsáveis", explica o diretor de atendimento do Procon-DF, Oswaldo Morais.


O que diz a lei

Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990)
Art. 6; ; São direitos básicos do consumidor:
(;) IV ; a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços;
Art. 39 ; É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(;) V ; exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Art. 51 ; São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(;) IV ; estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade;
(;) XV ; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;


Para saber mais

No Distrito Federal, além do CDC, a Lei n; 4.083/2008 proíbe a exigência de pagamento pela emissão de boleto bancário por parte de imobiliárias, escolas, academias, clubes, condomínios e prestadoras dos serviços de energia, água e telefonia. Na Câmara Federal, tramita o Projeto de Lei n; 3.574/2008, do senador Gerson Camata (PMDB-ES), que proíbe a cobrança pela emissão de carnê de pagamento ou boleto bancário. Antes de seguir para o plenário, o projeto será apreciado pelas comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, de Defesa do Consumidor, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. da existência de outras leis, a reclamação sempre deve estar embasada no CDC", alerta o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin. as taxas são muito pequenas na Justiça, o caminho são as ações coletivas", completa.

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