Cidades

Consumo de crack avança em Brasília

Guilherme Goulart
postado em 27/07/2009 08:23
As apreensões de drogas realizadas pela polícia nos últimos três anos revelam uma mudança de cenário na capital do país. Apesar de a maconha, a cocaína e a merla continuarem como as substâncias que mais circulam no Distrito Federal, o crack ganha espaço entre usuários e traficantes a cada mês. O consumo do entorpecente, derivado do pó branco e de alto poder de destruição, se espalha pelas ruas das cidades brasilienses. Pode ser visto a qualquer hora do dia nas áreas mais centrais do Plano Piloto e, mais recentemente, em pelo menos três pontos de Ceilândia.[SAIBAMAIS] Dados da Polícia Civil do Distrito Federal mostram o avanço do crack no DF. Houve o recolhimento de 0,5kg da droga em 2007, 4,3kg em 2008 e 2,7 kg entre janeiro e maio deste ano (veja quadro). Só o levantamento dos primeiros cinco meses supera a metade do total apreendido por policiais civis e militares no ano passado. Maconha e cocaína se mantêm na média nos três últimos anos. Mas fica evidente a diminuição da preferência pela merla, outra substância derivada da cocaína e criada em Ceilândia nos anos 1980. O crack vicia ao experimentar. O tráfico e o consumo das pedras em Brasília chegaram ao ponto de transformar áreas da Ceilândia em cracolândias parecidas às de São Paulo. Nas QNNs 3, 11 e 13, em Ceilândia Norte, a cena de dezenas de jovens a fumar crack se tornou parte da paisagem urbana. O Correio acompanhou a rotina dos grupos na última quinta-feira. O movimento começou no início da tarde e foi até as primeiras horas da manhã do dia seguinte. Às 14h, 18 homens e duas mulheres consumiam a droga livremente. Os frequentadores carregavam o próprio cachimbo. Quem não tinha, improvisava com latinha de alumínio. Ao lado dos trilhos Na nova cracolândia brasiliense, usuários e traficantes dividem o mesmo espaço. Enquanto a maioria dos viciados se reúne próximo aos trilhos do Metrô-DF, uma jovem se encarrega de abastecer consumidores em trânsito. A reportagem acompanhou o momento em que a moça de blusa preta e saia verde deixou a porta de uma casa e se aproximou de uma Saveiro para garantir a entrega do entorpecente. Um carro da Polícia Militar passou pelo local no momento do negócio, mas não interrompeu a transação. Logo em seguida, a mesma garota se juntou ao grupo maior. A movimentação diária no lugar incomoda e atrapalha a vizinhança. Da janela de um apartamento próximo dali, uma moradora se assusta com o que vê todos os dias. Teme que a violência se aproxime da família dela. "É muito complicado morar aqui. De um tempo para cá, quando chegou esse tal de crack, a situação piorou. Estou de mudança para Águas Claras", avisou a dona de casa, de 49 anos. A entrevista acabou interrompida por conta de uma briga na cracolândia. Alguns homens expulsaram outro a pontapés e pauladas. Além do ponto de drogas perto do trilho do metrô, há pelo menos outros dois parecidos na região. Um deles fica no ginásio poliesportivo de Ceilândia, onde também se abriga Rosália Maria de Jesus, 38. "Eu usei maconha, cocaína e agora uso pedra. Quero sair dessa, mas não consigo", contou a mulher, que abandonou os três filhos por causa do vício. A Polícia Militar reconheceu a dificuldade para o combate ao tráfico nos três locais. "O traficante se mistura ao usuário. Quando a gente pega, tem pouca quantidade", afirmou o comandante do 8ª BPM (Ceilândia), tenente-coronel Adauto Amorim. Estado fragilizado O professor George Felipe Dantas, consultor em segurança pública, avaliou os dados obtidos pelo Correio. Fez uma análise proporcional e em projeção dos números (os de 2009 são dos cinco primeiros meses), mas com a ressalva de que não devem ser entendidos como "verdade absoluta". "Fazendo um paralelo das drogas lícitas, especificamente facilidade de uso e efetividade, o crack pode substituir a merla com vantagem. E, em relação à cocaína, em termos de rapidez de assimilação. Talvez aí estejam as razões para a multiplicação de suas apreensões no Distrito Federal entre 2007 e 2009", explicou. Segundo o especialista, as características básicas de consumo e produção das pedras as colocam na condição de epidemia nacional. Deixou de ser taxada, por exemplo, como droga de pobre para também ser usada pelos mais ricos. "Tal situação vem mudando e o crack passou a ser usado e abusado, já agora, também por dependentes químicos de classes sociais diferenciadas", comentou. O baixo custo do entorpecente, tanto para o traficante quanto ao dependente, facilita a indústria ilegal. "Para obter crack, é necessário misturar a pasta-base apenas ao bicarbonato de sódio." Para o secretário de Segurança Pública do DF, Valmir Lemos, a nova legislação antidrogas interfere no trabalho de repressão. A norma, aprovada em 2006, descriminalizou o uso e tornou mais difícil o flagrante para os traficantes. Limita-se a punições que vão de advertência a participação em programas educativos. "A nova lei que trata das drogas ilícitas representou um avanço sob o ponto de vista da necessidade de tratamento dos usuários, porém fragilizou a ação do Estado no tocante à repressão", afirmou. Duas perguntas para Valmir Lemos, secretário de Segurança Pública do DF O senhor assumiu a Secretaria de Segurança preocupado com a questão das drogas no DF. Que avaliação se pode fazer às vésperas de completar um ano à frente do cargo? A nova lei que trata das drogas ilícitas representou um avanço sob o ponto de vista da necessidade de tratamento dos usuários, porém fragilizou a ação do Estado no tocante à repressão. A prática tem demonstrado que muitos usuários contribuem diretamente para o aumento do tráfico. São usados em determinados momentos para confundir os órgãos estatais e estão gerando o aumento de crimes relacionados à vida e ao patrimônio, sem que os órgãos responsáveis pelo tratamento e prevenção em todo o país estejam devidamente estruturados para cumprir com suas finalidades. O crack avança na capital desde 2006 e sua presença se tornou mais agressiva nos últimos meses. O que tem sido feito? Desde o início do ano, foram intensificadas as ações em torno dos consumidores de drogas, como forma de identificá-los e demonstrar à sociedade que jovens de ambos os sexos e de todas as classes sociais estão sendo atingidos. Em razão da legislação, caso não haja um envolvimento direto da família, de entidades religiosas ou grupos especializados que consigam ser ouvidos por essas pessoas, dificilmente conseguiremos conter o crescimento das drogas, especialmente do crack, dada a velocidade com que ele causa dependência.

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