Cidades

Seguradora investiga vida de cliente com intuito de negar prêmio pela perda total de carro acidentado

postado em 27/07/2009 08:48

Seguro de automóvel, certamente, está entre os serviços prestados no Brasil que os consumidores pagam, mas torcem para não usar. Além do transtorno inicial pelo dano ao bem assegurado, há também o risco de a companhia não querer pagar a indenização pelo sinistro. Quitar as parcelas em dia e ter o contrato aprovado não são garantias de que seus documentos e perfil serão aceitos pela empresa na hora da necessidade. ;As seguradoras fazem de tudo para não ressarcir. Por isso, toda vez em que tiver um pedido negado, não se deve aceitar passivamente. Antes, é preciso submetê-lo à apreciação de um advogado;, alerta o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin.

Gustavo*, 25 anos, tem aprendido a lição. Ele é protagonista de um história que reúne, segundo especialistas em direito do consumidor, elementos para ações judiciais por danos materiais e morais. Na madrugada de 14 para 15 de junho, Gustavo, casado por contrato de união estável, disse a sua companheira que sairia com amigos. No entanto, o encontro seria com uma outra mulher. A noite poderia ter sido agradável, se no caminho para a casa da outra ele não tivesse sofrido um acidente. ;Não houve vítimas. Mas o prejuízo pelo dano caracterizou perda total do veículo, um Stilo (2006);, arrepende-se Gustavo, que desde então briga com a HDI Seguros para receber a indenização a que tem direito.

;Isso me causou um problema grande. Agora, estou sem o carro e corro o risco de perder minha mulher. É muita invasão de privacidade. Por mais que a gente brigasse, isso nunca tinha nos acontecido;, reclama Gustavo.

Para justificar o não cumprimento de suas obrigações, a HDI alega divergências de dados cadastrais. ;Afinal, se o senhor é casado, como pode ter namorada?;, questionou o perito da seguradora a Gustavo. A informação de que Gustavo é casado ou reside com uma companheira consta no questionário de risco, respondido por ele no momento da contratação do serviço, e foi confirmada por meio de Escritura Pública Declatória feita, em 2005, no 2; Tabelião de Notas e Protestos de Brasília. Essa escritura tem validade até que seja cancelada por ambas as partes, o que, até então, não ocorreu.

Desconfiado, o perito procurou a companheira de Gustavo. ;Como nos mudamos para um local de difícil acesso, durante a semana, tenho ficado na casa do meu irmão, na Candangolândia. Eu estava saindo para o trabalho quando o perito chegou. Ele perguntou se eu era casada com Gustavo. Respondi que sim e ele quis saber por que não morava com ele. Expliquei a situação e ele prontamente questionou-me se eu sabia o que ele fazia no momento do acidente;, conta Mariana*, 29 anos, que ficou sabendo sobre a traição pelo perito da HDI. ;Essa situação chata não é justificativa para a seguradora não autorizar o serviço. Uma coisa é meu relacionamento com o Gustavo, outra é o contrato que ele tem com a HDI;, avalia a moça.

Agora, Gustavo está com dificuldades para conseguir a indenização pelo carro e ainda corre o risco de ficar sem a mulher. Ao ser questionado pelo Correio, a HDI, inicialmente, confirmou a versão de Gustavo e acrescentou entender que a ;irregularidade no perfil do segurado, relativamente ao estado civil, gerou prejuízo financeiro para a empresa;. Quanto à alegação de que a seguradora teria informado à companheira de Gustavo sobre o seu outro relacionamento, a HDI Seguros confirmou que ;entrevistou a ex-companheira, assim como seu irmão, e ambos confirmaram que a mesma namorou com o segurado há algum tempo, mas não é a situação atual;. Mais tarde, ao saber que o jornal também teria entrevistado Mariana e que ela teria desmentido essa versão, a companhia recuou e garantiu que ;estava analisando o caso;.

* Os nomes dos personagens são fictícios

Fique atento

# Contratar ou renovar seguro requer cuidados. Para evitar prejuízos, o primeiro passo é se informar.

# Cheque se o corretor e a seguradora possuem registros na Susep. Isso pode ser feito por meio do site www.susep.gov.br, no link Fale Conosco. Em Brasília, a Susep fica no SBS, Qd. 1, Bl. K, 13; andar, Edifício Seguradora.

# Leia com atenção a minuta da proposta e as condições gerais antes de contratar o serviço.

# As exclusões de cobertura devem estar em destaque nas condições gerais. É bom saber, por exemplo, se danos provocados por enchente estão incluídos. Se não estiverem, isso pode ser negociado.

# O questionário de risco tem que ser objetivo. A seguradora não pode recusar a indenização a partir de critério subjetivo ou que possua múltipla interpretação.

# Faça uma análise do questionário de avaliação de risco e confira o que é levado em consideração para o cálculo do prêmio. Todas as informações prestadas devem ser verdadeiras, mesmo que isso signifique um aumento de custo. A falta de exatidão nas respostas pode prejudicar o segurado.

# A empresa tem liberdade para decidir sobre o prêmio (valor que será pago pelo seguro do bem), franquia (valor não coberto pela apólice do seguro em caso de acidente) e bônus (desconto especial dado ao segurado no valor do prêmio). Por isso, pesquise diferentes propostas.

# O prazo para aceitação do seguro deve estar especificado na proposta e não pode superar 15 dias, contados da data do seu recebimento. Havendo recusa, o valor pago deverá ser devolvido com atualização monetária. Em caso de contrato assinado fora de estabelecimento comercial, o consumidor tem direito de arrependimento, no prazo de sete dias, previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.

# Cuidado ao pagar o seguro. Caso seja necessário pagar em cheque direto ao corretor, faça isso somente na primeira parcela. Para as demais, a seguradora enviará boleto bancário. O cheque deve ser nominal à companhia seguradora, cruzado e contendo no verso a finalidade que se destina, bem como o registro do número da proposta de seguro.

# Será considerada como início da cobertura de risco a data indicada na proposta de seguro. Na falta desta, valerá a data do recebimento da proposta pela seguradora. Por isso, é importante que o segurado exija o preenchimento correto do dia de assinatura do contrato.

# O seguro só pode ser cancelado com a notificação do segurado.

# O prazo para liquidação do sinistro (dano ao bem) não pode ultrapassar 30 dias, contados do cumprimento das exigências por parte do segurado. Esse prazo será interrompido toda vez em que for solicitada alguma documentação complementar, desde que prevista no contrato. É importante relacionar e protocolar os documentos entregues. Isso servirá como prova em descumprimento de prazo.

# O prazo para comunicação de sinistro é de um ano, de acordo com o Código Civil.

Fonte: Fundação Procon-SP e Ibedec

Instituto condena a discriminação

O Ibedec entende que cláusulas como essas configuram abuso e discriminação contra o consumidor. ;O fator de risco, usado para o cálculo do prêmio, deve ter relação direta com o bem assegurado, como a existência de garagem em casa ou no trabalho, de dispositivo de segurança, a potência do veículo (se corre muito ou não), se é atrativo para o roubo, entre outros. Não se pode elaborar um perfil de risco baseado em características físicas, sexo, idade do motorista, local onde o consumidor mora, estado civil, cor. Isso é discriminação;, explica Geraldo Tardin.

Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), as seguradoras têm liberdade para elaborar o questionário de avaliação de risco de acordo com a política da empresa. A restrição fica apenas para perguntas subjetivas, de duplo sentido ou mal formuladas. Ainda de acordo com a superintendência, a seguradora tem o direito de realizar as investigações necessárias para apurar responsabilidades ou possíveis fraudes. Mas as normas vigentes não disciplinam os limites para essa sindicância. Apenas preveem os documentos que podem ser pedidos (aqueles que constam no contrato), o prazo para liquidação da indenização (data do pagamento) e o que fazer com o que restou do bem assegurado.

Segundo o Ibedec, a maioria das reclamações recebidas no instituto estão relacionadas à recusa de cobertura. Geralmente, as informações prestadas ao preencher o questionário de risco costumam ser usadas contra o cliente na hora de justificar o não pagamento. Por isso, todo cuidado é pouco na hora de fazer o perfil. A negativa de indenização devido ao perfil também está entre os principais problemas registrados na Susep, seguida por não aceitação de proposta, reclamações de terceiros prejudicados, demora na realização de consertos pelas oficinas, entre outros.

Gláucia Gisele de Oliveira Campos de Menezes, 44 anos, é cliente da Bradesco Seguros há quase dois anos. Na hora de contratar o serviço, a facilidade conquistou a cliente. ;Viemos de uma outra companhia e, mesmo fora do prazo da vigência, a seguradora dispensou a vistoria;, conta o filho dela, Otávio Alberto Campos de Menezes, 27 anos. Ele é o dono do carro, um Ford Ka Gl (2007), mas a segurada é a sua mãe, a motorista do carro. Essas informações foram prestadas corretamente na hora da contratação do seguro. A proposta foi aceita. Mas somente há um mês, quando precisaram acionar o serviço, é que eles souberam que havia divergência nas informações prestadas, pois o proprietário do veículo não era o mesmo segurado. ;Não agimos de má-fé. Se eles tivessem feito a vistoria, poderiam ter identificado o erro no perfil e teríamos corrigido;, defende-se Otávio.

A Bradesco Seguros mostrou-se irredutível na negociação e informou que o ;presente seguro foi emitido em conformidade com as informações prestadas pela corretora de seguros escolhida pela segurada, dentre elas a que se referia à propriedade do veículo;. A corretora, por sua vez, argumenta que a Bradesco dispensou a vistoria e por isso assumiu o risco pelos erros não identificados.

Independentemente de quem está com a razão, se a Bradesco Seguros ou a corretora, Geraldo Tardin explica que a relação de consumo se estabelece entre o cliente e a seguradora. ;Por isso, a companhia deve prestar o serviço ao consumidor. E, caso se sinta prejudicada, deve entrar com uma ação regressiva contra a corretora;, orienta.

Cláusulas abusivas

# Não vender seguro para quem está negativado no SPC e Serasa, mesmo que o pagamento seja à vista.

# Recusa de pagamento de indenização para casos de acidente com motorista não habitual (mecânico, pai, mãe, parente etc).

# Cláusulas subjetivas ou discriminatórias no questionário de avaliação de risco, tais como idade, sexo, local de moradia ou estado civil.

Fonte: Ibedec

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