Helena Mader
postado em 28/07/2009 08:44
Depois da prisão de seis pessoas ligadas à máfia da casa própria em Brasília, a Polícia Civil instaurou cinco inquéritos para investigar a atuação de outras entidades, como cooperativas e associações habitacionais. Os envolvidos com essas organizações podem responder por estelionato e formação de quadrilha. Se não houver novas prisões em flagrantes, os agentes usarão documentos, como comprovantes de inscrição, para pedir o indiciamento dos envolvidos. No fim de semana, o grupo ligado à ONG Viva Vida ; que havia sido preso na sexta-feira ; foi liberado por decisão da Justiça. Mas o processo contra a organização não governamental de Planaltina vai prosseguir.Como o Correio mostrou na semana passada, as entidades habitacionais prometem imóveis subsidiados ou financiados pela Caixa Econômica Federal e usam indevidamente o nome do projeto Minha Casa, Minha Vida ; lançado pelo governo federal em março. Mas a Caixa e o Ministério das Cidades alertam que não têm convênio com nenhuma entidade do Distrito Federal para a execução do programa. Apenas a Secretaria de Habitação, por meio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab), pode cadastrar pessoas e indicar participantes para a Caixa Econômica Federal.
Além dos inquéritos abertos pela Polícia Civil do DF, a Polícia Legislativa do Senado Federal também deve investigar os golpes da casa própria. Isso porque uma das entidades envolvidas em irregularidades funciona dentro da casa. A Cooperativa Habitacional dos Empregados, Prestadores de Serviço e Funcionários do Congresso Nacional (Coopercongresso) também fez propaganda do lançamento do Minha Casa, Minha Vida e divulgou a existência de um suposto convênio com a Caixa Econômica Federal para cadastrar pessoas. Dessa forma, centenas de interessados procuraram a entidade e pagaram a taxa de R$ 20 cobrada pela cooperativa.
O diretor da Polícia do Senado, Pedro Ricardo Araújo, explica que vai procurar a equipe da Delegacia de Defraudação e Falsificação da Polícia Civil do DF para conversar sobre o caso. ;Se houve crime, aconteceu dentro das dependências do Senado. Então, a competência para investigar é nossa. Antes, precisamos saber se há indício de crime;, explica Pedro Ricardo. ; Se constatarmos algum problema, vamos abrir inquérito e os responsáveis podem responder por estelionato;, finaliza o diretor da Polícia do Senado.
Ontem, a Cooperativa do Congresso Nacional começou a devolver a taxa de inscrição de R$ 20 para quem desistiu de se associar. A doméstica Sílvia (nome fictício), 50 anos, é uma das que foram ludibriadas pela Coopercongresso. ;Eles garantiram que os apartamentos de Cidade Ocidental sairiam até o fim do ano, pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Disseram que já tinham um convênio e que dariam casa para umas duas mil pessoas;, contou. Na manhã de ontem, Sílvia conseguiu recuperar o dinheiro pago à entidade.
A Coopercongresso foi fundada em novembro de 2005 e hoje reúne cerca de 900 associados. A direção do Senado cedeu um espaço para o funcionamento da entidade porque a cooperativa tinha uma proposta de facilitar o acesso à casa própria para os funcionários, especialmente os de baixa renda ; como os prestadores de serviço da área de limpeza, por exemplo.
A presidente da entidade, Eunice Aparecida Gomes, garante que 80% dos associados são de baixa renda. ;Nosso intuito sempre foi atender prioritariamente a essa demanda;, diz. Na sede da associação, há cartazes e comunicados sobre o programa do governo federal. Até mesmo no site da Coopercongresso, havia chamados para os servidores se inscreverem no Minha Casa, Minha Vida por meio da entidade. Eunice, entretanto, reconhece que não tinha nenhum convênio com o governo federal. ;Talvez devêssemos ter esperado um pouco até que os convênios estivessem fechados. Mas nossa ideia não era ludibriar ninguém, tínhamos certeza de que conseguiríamos concretizar esses acordos;, justifica-se.
Apesar dos argumentos, o uso indevido do programa Minha Casa, Minha Vida pode custar caro para a Coopercongresso. O secretário de Habitação do DF, Paulo Roriz, anunciou ontem que vai descredenciar a entidade do programa habitacional do governo. Segundo ele, a partir da semana que vem, a cooperativa ficará impedida de receber qualquer lote do GDF. ;Vamos descredenciar todas as entidades que foram denunciadas. Além da Coopercongresso, outras duas cooperativas não poderão mais participar do programa habitacional;, disse o secretário, sem especificar os nomes das entidades. A Coopercongresso tinha ficado fora da lista de cooperativas habilitadas a receber lotes do governo quando a secretaria começou a fazer o pente fino nas entidades. Só conseguiu se habilitar depois de receber mais prazo para entregar documentos.
INSCRIÇÃO
A Codhab vai reabrir a lista de inscrição nos projetos habitacionais do governo a partir do dia 1; de agosto. A expectativa é de que cerca de 30 mil pessoas façam o cadastro na companhia. A medida só foi possível por causa de uma limpa que o GDF vai fazer nessa lista, que hoje tem 85 mil pessoas.
Inquérito mesmo sem flagrante
As pessoas lesadas por cooperativas e associações podem procurar a Delegacia de Defraudação e Falsificação ou o Ministério Público do DF para denunciar. A pena para o crime de estelionato é de um a cinco anos de detenção. No caso da formação de quadrilha, os responsáveis podem pegar de um a três anos de cadeia. Se o acusado responder pelos dois crimes, as penas se somam. Ou seja, os envolvidos com o golpe da casa própria podem ser condenados a até oito anos de prisão.
O delegado-chefe da Delegacia de Defraudação e Falsificação, Márcio Salgado, explica que as equipes continuam agindo. ;Mesmo se não conseguirmos efetuar prisões em flagrante, haverá instauração de inquérito, com eventuais indiciamentos;, explica. Se não há flagrante, comprovantes de inscrição ou até mesmo o depoimento de vítimas podem servir como provas. ;A cobrança de taxa de inscrição não é crime. O valor é previsto no estatuto de cada cooperativa. O que é ilegal é prometer vantagens indevidamente;, destaca.
O promotor de Defesa do Consumidor Leonardo Bessa explica que os lesados pelo golpe da casa própria também podem procurar o MP. Ele alerta as pessoas a buscarem informações sobre a entidade antes de pagarem a taxa de inscrição. ;As associações que divulgam informações falsas para conseguir associados cometem crime de estelionato. As pessoas lesadas podem fazer uma representação e apresentá-la à promotoria;, orienta o promotor.