Jornal Correio Braziliense

Cidades

Um drible na fiscalização dos lotes

Lote é ocupado por casa erguida em apenas sete dias para tentar escapar da operação do GDF de retomada de áreas não construídas

Mais de um ano de lote cercado, porém, vazio. Nada de construção de casa. Mas o que não foi realizado em meses, como passe de mágica, ergue-se em oito dias. Uma residência construída com solidez, que não lembra nem um pouco um barraco improvisado. O impulso para a obra foi o aviso de que haveria a retomada de terrenos não construídos na região. Correria para driblar a notificação que estava por chegar. Assim funciona a especulação de imóveis que deveriam ter como destino a moradia de famílias carentes. Mas que acabam virando moeda para vantagem financeira.[SAIBAMAIS]

O lote fica na QC 04, Conjunto 25. O flagrante foi feito pela própria Secretaria de Habitação. A primeira foto é de 20 de julho e a outra, de ontem, mesmo dia em que foi pedido à Secretaria de Ordem Pública a desapropriação da área. O governo está fazendo nesta semana uma operação de retomada de terrenos no Riacho Fundo II. O número de lotes chega a 500. Foram entregues por meio de programas habitacionais do GDF, mas não estão devidamente ocupados. Há três situações: os não construídos no prazo de 120 dias, os abandonados e invadidos e os vendidos. A estimativa é de que cerca de 20 mil terrenos em todo o DF estejam entre esses casos. E devem ser retomados.

O Correio mostrou ontem outra situação. Um lote invadido, a casa sendo construída a todo vapor, a fiscalização vê, manda derrubar, mas a determinação não é cumprida. E a obra continua tranquilamente. O pedido de demolição nunca chegou ao órgão responsável. A reportagem apurou que, desde março do ano passado, a Secretaria de Habitação identificou o problema e pediu providências. Mas o documento oficial com o pedido não saiu da própria secretaria. Perdeu-se nos trâmites burocráticos ou foi esquecido em alguma gaveta. O lote na QNE 16, Conjunto 13, no Riacho Fundo II, está em terreno público, que jamais foi doado e acabou alvo de grilagem. O fato é que casos como esse não são únicos e estão por trás de denúncias de conivência de funcionários da própria secretaria.

Sindicância

Denúncias também recaem no setor de atendimento às cooperativas. Há relatos de atenção preferencial a determinadas entidades, que ficam sabendo de forma antecipada as datas e condições em que editais para terrenos serão lançados. Têm tempo extra para agilizar documentações e processos. Diante das denúncias, o secretário de Habitação, Paulo Roriz, decidiu restringir o acesso ao sistema da Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab). Os servidores deverão estar credenciados, com autorização direta da diretoria responsável. Também pediu à Procuradoria Jurídica para investigar e instaurar sindicância na Codhab. ;Temos combatido todo e qualquer tipo de ilegalidade encontrada na pasta;, diz Paulo Roriz.

A obra do lote invadido no Riacho Fundo II não foi incomodada durante meses. Os ocupantes tinham a segurança de que não seriam importunados. Promessa de quem se apresenta para fazer negócios com terrenos públicos dizendo ter ;contatos; na Secretaria de Habitação. ;Disseram que, aqui, não mexeriam, que a gente não teria problema, que teríamos proteção de gente lá do governo;, conta um morador de um lote invadido, que pediu para não ser identificado.

O terreno do Riacho Fundo II foi retomado ontem pelo GDF, numa operação da Secretaria de Habitação e da Codhab. A obra não sobreviveu à varredura realizada para identificar a situação dos terrenos entregues nos últimos anos.

O número
20 mil
Número estimado de terrenos doados pelo GDF, mas que não foram devidamente ocupados