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Das 261 obras de Athos Bulcão pela cidade, seis foram danificadas desde a morte do mestre, há um ano

postado em 31/07/2009 08:00

Igrejinha-307/308 Sul Um incêndio, em 9 de janeiro deste ano, destruiu pelo menos 60 peças criadas por Athos Bulcão. Monumento passa por restauraçãoSe Athos Bulcão estivesse vivo, não estaria nada satisfeito com o cuidado dispensado à sua obra, responsável por dar vida às curvas do concreto projetadas por Oscar Niemeyer. Hoje completa um ano da morte do artista plástico, que lutou 10 anos contra o mal de Parkinson. E, apenas 365 dias depois do fim da vida de Athos, seis obras dele foram gravemente danificadas. Duas delas estão sendo restauradas, mas as intervenções, segundo avaliação da Fundação Athos Bulcão, resultaram na total destruição de quatro painéis, três de azulejos e um de gesso, que embelezavam prédios de Brasília desde a inauguração da capital.

Athos Bulcão nasceu no Rio de Janeiro, mas trocou a capital carioca por Brasília, em 1958, e nunca mais saiu daqui. O artista deixou 261 obras de arte espalhadas pela cidade (em locais públicos e particulares), segundo levantamento inédito feito pelo Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). São os azulejos em azul e branco que revestem a parede da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 307/308 Sul, os blocos de concreto que brincam com o sol na fachada do Teatro Nacional e as peças que alegram os banheiros do Parque da Cidade e as paredes frias da Rodoferroviária.

Parque da Cidade As 16 estações equipadas com banheiros estampam nas paredes externas azulejos de Athos, que se mostram em bom estado de conservaçãoO desrespeito à memória do artista começou menos de seis meses após a sua morte e atingiu justamente as duas obras mais grandiosas dele na capital federal: a Igrejinha e o Teatro Nacional. O incêndio no templo da 307/308 Sul ocorreu em 9 de janeiro deste ano e destruiu pelo menos 60 das peças características da Igrejinha ; os azulejos que representam a pomba do Espírito Santo e a Estrela da Natividade. Dois meses depois, as paredes do Teatro Nacional ; que está sem os 3.391 cubos de concreto projetados por Athos desde abril de 2007 ; amanheceram pichadas e ainda hoje é possível ver as marcas do vandalismo na fachada do cartão-postal.

O descaso mais grave ocorreu com a demolição da antiga sede social do Clube do Congresso, na 902 Sul, que destruiu três obras ; dois painéis de azulejos que enfeitavam a sauna e outro com uma montagem com blocos de gesso em autorelevo que ficava no hall de entrada.

Teatro Nacional Cubos de concreto foram desgastados pelo tempo e, por isto, retirados da fachada. Em março, a parede foi alvo de pichação e passa por reformaA outra destruição ainda é polêmica. Para Valéria Cabral, diretora executiva da Fundação Athos Bulcão, o trabalho do artista no Palácio do Planalto, que passa por uma reforma, está perdido. Ela acredita que a decisão do escritório de Niemeyer de remover os azulejos desvirtua a obra. Mas representantes do escritório e o superintendente regional do Iphan, Alfredo Gastal, discordam. ;Só uma pessoa fora do seu juízo poderia falar que a obra foi destruída. O próprio Niemeyer projetou uma parede especial para a colocação dos azulejos;, defende Gastal.

; Um museu a céu aberto

De 10 das principais obras do artista Athos Bulcão visitadas pelo Correio, apenas duas estão totalmente preservadas

Athos Bulcão fez de Brasília um museu a céu aberto. Ao integrar a arte com a arquitetura, optou por fazer trabalhos ao ar livre e colorir locais frequentados no cotidiano dos brasilienses. Apesar de acumular admiradores, o legado do artista clama por cuidados. Durante todo o dia de ontem, o Correio visitou 10 das obras do artista mais conhecidas na cidade. Dessas, quatro encontram-se em mau estado de conservação, duas não existem mais e dois painéis estão em processo de restauração. Apenas em dois locais ; no Salão Verde do Congresso Nacional e no Parque da Cidade;, os azulejos mantêm-se preservados.

[SAIBAMAIS];Gosto das obras do Athos Bulcão, as considero democráticas. Fico encantada com a ideia de deixá-las à vista, para qualquer um ter acesso;, define a engenheira Rosimar Fernandes de Mello, 51 anos, acostumada a fazer exercícios no Parque da Cidade. Os painéis montados ao redor das estações que abrigam os banheiros do parque aparecem entre as obras bem conservadas. A fachada principal da Rodoferroviária deixa à mostra a argamassa usada para prender os azulejos de Athos à parede. Algumas peças têm rachaduras e sujeira. No mezanino do prédio, há placas de metal fosco penduradas, dispostas em diferentes direções ; muitas delas amassadas, com acúmulo de poeira e teias de aranha.

A situação piora na mureta central do Mercado das Flores, na Asa Sul. O cinza original dos azulejos cedeu espaço a um verde-musgo, por conta da ação do tempo. Apesar do cuidado da administração do local e de floristas em lavar o painel, faltam pedaços de diversas peças, enquanto outras têm trincos. Maria Fausta Moura, 69 anos, trabalha por 13 horas numa floricultura, de onde avista os azulejos de Athos Bulcão. ;Acho lindo. Até que, pela idade, não está tão estragado. Mas, na verdade, o lugar todo precisa de reparação;, reconhece.

A agressão à obra do artista estende-se à Escola Classe 407 Norte. Embora sirva de tema para trabalhos escolares e receba visitas de estudantes de outras instituições, o painel de azulejos azuis e brancos perdeu a vivacidade das cores. Marcas de ferrugem, rachaduras e buracos podem ser avistados, além de vestígios de pichação e um desenho com giz de cera. ;Eu acho que está faltando um projeto de preservação da cidade como um todo. As pessoas precisam começar a pensar a respeito do legado patrimonial que é Brasília e que a gente tem que deixar para outras gerações;, diz a diretora executiva da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral.

Falta manutenção
De acordo com Valéria, de uma maneira geral, as obras que ficam no interior de edifícios, públicos ou privados, estão em melhor estado. ;Cada um toma conta da sua com muito cuidado e carinho. No Congresso Nacional, na Escola Francesa, na Torre de TV, no Tribunal de Contas da União, tudo é bem cuidado;, exemplifica. ;O Teatro Nacional deveria ser tomado como uma lição, de uma obra grandiosa que nunca teve manutenção. Se o governo promovesse uma ação conjunta para fazer a restauração dos painéis, já que não existe manutenção, a gente seria mais feliz do que só consertar quando chega no estado do Teatro;, completa.

Um dos maiores detentores de obras do artista, o Congresso Nacional abriga um painel que se estende por dois andares ao longo do Senado e da Câmara dos Deputados. Considerado bem conservado, apesar de uma ou outra rachadura, atrai a atenção de quem entra no Salão Verde. ;A obra dele é fantástica, impressionante;, comenta o pernambucano Estevão Coimbra, 53 anos, em visita à capital com a mulher. ;Esses e outros trabalhos artísticos precisam de atenção do governo;, completa.

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