Guilherme Goulart
postado em 09/08/2009 09:48
O relógio marca 20h53 na última quarta-feira. O ônibus da linha 372.2 alcança a altura das quadras 200, em Samambaia. Falta iluminação pública. A escuridão toma conta da via, a poucos quilômetros do terminal norte da cidade. O cobrador Daivid Paulo de Souza, 23 anos, se mantém em silêncio por alguns instantes. Encurva o corpo para a frente e se entrega a uma oração. "Daqui para a frente, a coisa começa a ficar tensa. Podemos ser vítimas de um assalto a qualquer momento. Nessas horas, levo comigo a fé em Deus", afirmou o rodoviário.
[SAIBAMAIS]Daivid trabalha como trocador há pouco mais de seis meses. Tempo suficiente para sofrer um assalto e quatro tentativas. Começou na função na mesma época em que os assaltos a ônibus e micro-ônibus quase dobraram na comparação dos primeiros semestres de 2008 e 2009, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do DF. Os casos aumentaram de 377 para 685 no período. Fizeram com que a média mensal subisse de 31 para 57 na capital do país. A estatística colocou o crime como um dos que mais cresceu no DF. E deixou mais tensa a rotina dos passageiros brasilienses.
O Correio escolheu na última semana duas rotas visadas pelos bandidos especializados, de acordo com levantamento do Sindicato dos Rodoviários do Distrito Federal, para seguir viagem. Repórter e fotógrafa subiram em ônibus para Samambaia e Ceilândia nos horários de retorno para casa de milhares de trabalhadores. A experiência serviu para viver a sensação de insegurança de quem depende de transporte coletivo na capital do Brasil. A reportagem ouviu histórias de vítimas dos ladrões, de pessoas que viveram o drama de ter uma arma apontada para cabeça após um dia de labuta.
Coronhada
Os dois deslocamentos se deram a partir da Rodoviária do Plano Piloto. O primeiro teve início às 17h26 pela linha 343.1. O itinerário cumpre o trajeto Eixo Monumental-Estrutural-Avenida Hélio Prates -P Norte-QNQs=Expansão do Setor O. Sempre abarrotado de gente. Logo na saída o cobrador João Lima Alves, 45, pede a Deus para iluminar o caminho. Tem 24 anos de profissão. E 15 assaltos sofridos, a maioria nos últimos cinco anos. "Levei uma coronhada na cabeça no mais violento deles. Foram quatro pontos. O bandido ainda atirou em direção ao motorista mesmo depois de darmos o dinheiro", disse.
A tensão na rota para o terminal do Setor O começa na chegada ao P Norte, em Ceilândia. E aumenta assim que o veículo se aproxima das QNQs. O semblante dos passageiros muda. Entre invasões e condomínios recentes, a infraestrutura precária se revela propícia para fuga e esconderijo de assaltantes. É nesse ponto que a operadora de caixa Ana Paula Fernandes Pereira, 27, se prepara para descer. Não carrega bolsa. Apenas uma sacola. "Se escapo de um assalto no ônibus, ainda tem o perigo de ser atacada a caminho de casa. Por isso, deixo documentos, celular e dinheiro escondidos na roupa".
O estudante Jeferson Rodrigues Moura, 20, segue quase até o fim da linha, no Setor O. Nunca sofreu um roubo no percurso até em casa. Mas a tia, que pega a mesma 343.1, passou pelo perigo três vezes. A experiência dela serviu para o sobrinho ter mais cautela e atenção. Mantém o celular e a carteira no bolso. Nada fica exposto. "Tenho mais medo quando o veículo está cheio. É a hora em que eles (assaltantes) escolhem para recolher os objetos de valor de todos", explicou. A viagem até a rodoviária da Expansão durou uma hora e 40 minutos. Sem maiores sustos.
Santinha
A segunda saída do dia se inicia às 20h01. O terminal rodoviário do Plano Piloto mantém o movimento intenso. A linha da vez é a de número 372.2, com destino a Samambaia Norte. Sai da Esplanada dos Ministérios e segue pelo Eixinho Sul, Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB) e BR-060 antes de alcançar o ponto final. A entrada na cidade faz com que alguns passageiros fiquem mais tensos. Entre eles, o cobrador Daivid de Souza. O caminho se dará pelas quadras 200, onde há trechos de escuridão, paradas de ônibus com aspecto de abandono e matagal alto.
O motorista José Eldo da Silva está ao volante. São 17 anos como rodoviário no DF. E oito assaltos sofridos entre 2007 e 2009. Todos em rotas de Samambaia. Ele dirige atento a todos os detalhes, principalmente à movimentação do lado de fora. Tenta ficar com o veículo parado o menor tempo possível. Na última segunda-feira, o estado de alerta o salvou de mais um ataque. Quatro bandidos encapuzados apareceram na altura de um quebra-mola. José percebeu a presença do grupo e acelerou sem reduzir perto do obstáculo. "Ando sempre com a minha santinha na carteira. Ela me ajuda".
O ônibus se aproxima do terminal de Samambaia Norte quase sem passageiros. O técnico em manutenção Paulo Roberto dos Santos, 49, vai até o fim da linha. Sabe do risco, pois tem três histórias de roubos para contar. "Se ficam dois caras nos bancos traseiros do ônibus e um perto do cobrador, é assalto na certa%u201D" avisou. O percurso levou pouco mais de uma hora para ser cumprido. Os rodoviários Daivid e José Aldo ainda teriam pela frente mais um trecho perigoso antes de encerrarem o expediente. Seguiriam em outra rota, pelas quadras 400, itinerário tão visado quanto o das 200.