Cidades

Viva, mas morta pela segunda vez

Em 2002, para retirar o seguro-desemprego na Caixa Econômica Federal, Benta Pereira Lima teve de provar que não havia morrido. O episódio rendeu até um pedido de desculpas do então ministro da Previdência Social. Porém, sete anos depois, o drama se repete

postado em 14/08/2009 07:55

Benta descobriu que continua A desempregada Benta Pereira Lima, 42 anos, nunca esteve tão cheia de vida. Ela cuida sozinha da casa onde mora, na Estrutural, fica de olho no único filho e garante estar disposta a chegar aos 100 anos de idade. Espanta uma pessoa ativa ter sido dada como morta há tanto tempo: a data do óbito de Benta é 17 de junho de 1994. Registros do Ministério do Trabalho e Ministério da Previdência Social mostram que ela bateu as botas, apesar das provas contrárias: a mulher respira, anda e tinha emprego fixo até março deste ano.

A dor de cabeça começou quando Benta deu entrada no seguro-desemprego, em junho. O dinheiro estaria disponível um mês depois, em 13 de julho. O dia chegou e nada da primeira parcela do benefício entrar ; ela teria direito a quatro quotas de R$ 480. Na manhã da última terça-feira, Benta esteve na Superintendência Regional do Trabalho (SRT) para questionar a demora no depósito e recebeu a notícia: o cadastro havia sido cancelado por conta do ;falecimento do segurado;.

O problema de Benta se arrasta desde 2002, quando ela descobriu que constava como morta nos bancos de dados do governo. No dia 4 de março daquele ano, tentou sacar o seguro-desemprego em uma agência da Caixa Econômica Federal e soube que não teria direito ao dinheiro porque estava morta. Na época, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) informou que se tratava de um caso raro de homônimo. Uma mulher com o mesmo nome de Benta morreu em 1994 e os dados teriam sido trocados por engano.

O então ministro da Previdência, José Cechin, recebeu a desempregada no gabinete para pedir desculpas e garantir a solução do problema. ;Eu achei que eles tinham resolvido tudo daquela vez. E agora, se eu morrer, como meu filho vai me enterrar?;, reclamou. Depois do evento, Benta apareceu nos jornais e na televisão e teve de aguentar o apelido de Morta-viva. ;Tem gente que até hoje me chama assim. Até a minha mãe me ligou desesperada querendo saber se eu estava viva;, lembrou.


Em 1994, Benta tirou 10 meses de auxílio-doença. Ela acredita que a confusão tenha sido feita quando pediu para voltar ao trabalho e deixar o benefício da Previdência. Dois anos depois, surgiu a primeira pista do engano: a desempregada ficou viúva e deu entrada na pensão para o filho, mas o dinheiro nunca chegou. Ela não questionou porque estava em uma situação financeira confortável e nem deu falta do dinheiro. Treze anos se passaram do primeiro incidente e Benta continua morta para o governo. Ela acumula dívidas desde que parou de trabalhar como operadora de caixa, em março deste ano. A desempregada vive com o que economizou do fundo de garantia e quer limpar o nome para ser contratada novamente. ;Ainda bem que não pago aluguel. Só espero que não demorem muito para resolver isso, porque já chega;, disse.

Documento da DRT atesta que o seguro-desemprego foi cancelado porque a beneficiária estaria mortaBenta é tida como morta nos registros do Ministério da Previdência Social desde 1994. O mesmo banco de dados mostra que a desempregada manteve vínculos empregatícios posteriores à data da suposta morte. Ou seja, ela continuou a trabalhar e contribuir para a Previdência depois de passar desta para melhor. A assessoria do ministério confirmou que Benta recebeu o auxílio-doença em 1994 e teve empregos nos anos seguintes.

A desempregada entrou com um recurso na SRT para provar que está viva. Levou cópias de todos os documentos e foi orientada a aguardar de 30 a 40 dias. A superintendência não pode mudar o registro, mas encaminhará o pedido ao Ministério do Trabalho. ;A pessoa deve nos procurar para que seja feita a correção desse erro, que é uma coisa possível. Deve ter havido algum erro de digitação, algo normal em um universo extenso como o do seguro-desemprego, ou pode ser um homônimo;, explicou o superintendente Jackson Machado. Ele ressalta que o sistema dispõe de alta segurança para barrar quem tenta retirar benefício em nome de pessoas mortas, e que há um constante aprimoramento para evitar que outras pessoas sejam afetadas indevidamente.

Registros
Os cartórios repassam os registros das mortes à Previdência Social por meio do Sistema de Controle de Óbitos (Sisobi). Até o dia 10 de cada mês, os estabelecimentos precisam enviar os dados do mês anterior. Os 12 cartórios que fazem registro civil no Distrito Federal (nascimentos, casamentos e óbitos) contabilizam, ao todo, média de 900 mortes a cada 30 dias.

O sistema é alimentado com uma série de dados pessoais do falecido para evitar confusões entre homônimos (pessoas com o mesmo nome). O cartório informa a data do óbito, data do registro da morte, nome do falecido, nome da mãe, data de nascimento e naturalidade. Além disso, é obrigatória a inclusão de um dos seguintes documentos: carteira de identidade, CPF, título de eleitor, certidão de nascimento, certidão de casamento, número de benefício no INSS, PIS ou carteira de trabalho. ;É um sistema informatizado, mandamos tudo por meio eletrônico e cada cartório tem uma senha. Esse envio é fiscalizado. Se um cartório errar e não mandar, o INSS cobra;, explicou o diretor da Associação dos Notários e Registradores do DF (Anoreg/DF), Allan Guerra.

Na edição de 12 de março de 2002, o Correio revelou o primeiro capítulo do drama vivido por Benta

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