Naira Trindade
postado em 26/08/2009 08:15
Motorista há 21 anos, o técnico em eletrônica Airton Miguel Wendt, 40, não pode mais dirigir pelas ruas do Distrito Federal. A habilitação conquistada na juventude foi cassada depois de um criterioso exame oftalmológico no Departamento de Trânsito do DF (Detran). Durante a avaliação, a junta médica do órgão teria detectado uma disfunção na identificação das cores vermelha e verde. Airton Wendt é portador de daltonismo(1), problema que aflige 7% dos habitantes do Brasil. E, como ele, milhares de pessoas correm o risco de não poder mais conduzir veículos por não conseguirem distinguir as cores ; como determina a Resolução 267/2008 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran).A legislação, publicada em 25 de fevereiro de 2008, dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas do Código de Trânsito Brasileiro. Nela, consta o teste de visão cromática, no anexo II da avaliação oftalmológica, que prevê que os candidatos à direção de veículos devem ser capazes de identificar as cores verde, amarela e vermelha (as do semáforo de trânsito). Antes da resolução, já havia restrições para que daltônicos assumissem o volante. Mas muitos, como Airton, conseguiam ser aprovados nos testes.
Ao passar pelo semáforo, o técnico em eletrônica aponta o sinal vermelho aceso. A consciência de distinção das cores é usada também no trabalho. Airton conserta fontes de energia de computador. As ligações elétricas são feitas pelos fios coloridos. Um erro poderia danificar o equipamento. Mas, com a rotina do dia a dia, ele aprendeu a identificar e reconhecer cada fio e sua cor. ;Pessoas de vários lugares de Brasília e Entorno trazem aparelhos para eu consertar. Nunca errei em nenhum equipamento. O daltonismo não me atrapalha;, explica ele, que afirma ter sido caminhoneiro por 10 anos e nunca haver recebido multas por avanço de sinal.
A deficiência de Airton, segundo o oftalmolista Matta Machado, acomete cerca de 7% da população brasileira. ;E a maioria desconhece que tem o problema;, destaca. É o caso do motoboy Demetrio Júnior Lima Porto, 26 anos. Antes de ser reprovado no teste de visão da Clínica do Detran cinco meses atrás, ele nem sequer sabia o significado da doença. ;Seria a minha segunda renovação da carteira. Na primeira, um ano depois do vencimento da permissão (em 2004), fiz todo o processo e não tive problema nenhum. Agora, não sei o que fazer, pois dependo da moto para trabalhar;, desabafa o motoqueiro que pilota há seis anos.
Riscos de acidente
Apesar da deficiência, Demetrio Lima garante que consegue decifrar as cores dos semáforos. A ordem padronizada das luzes ; assim como a mudança de intensidade das emissões ; também auxilia na identificação. ;Tenho um laudo de um médico de Taguatinga que diz que posso dirigir. Entrei na Justiça para que o Detran me devolva o direito à habilitação;, diz. A Defensoria Pública do DF move ações para ajudar os dois motoristas que perderam a habilitação por serem portadores de daltonismo.
A Resolução 267/08 altera a de número 80, de 20 novembro de 1998. Segundo o técnico da Divisão de Habilitação e Controle de Condutores do Departamento de Trânsito do DF, Raimundo Lago, a resolução traz critérios mais rigorosos na hora do exame. ;Hoje, existe uma bateria de exames que antes não existia;, resume. A medida, segundo Lago, visa diminuir os riscos de acidentes, como colisões em cruzamentos e próximas a semáforos, por exemplo. O Detran frisou, por meio da assessoria de imprensa, que apenas executa o que manda a lei. ;A resolução antiga tinha restrições precárias. A 267 dá novas limitações. Ela vai dar mais segurança aos motoristas;, acrescenta o técnico do órgão.
O advogado da Defensoria Pública do Distrito Federal André de Moura Soares é contra a medida. ;Ela é no mínimo preconceituosa porque veda, de forma ilegal, a renovação da Carteira Nacional de Habilitação aos portadores de daltonismo, sem averiguar a real incapacidade de distinção de cores pelo condutor daltônico;, defende.
Enquanto os processos caminham na Justiça, os condutores se queixam de terem de deixar o carro ou a moto na garagem. ;Não tenho filhos e minha esposa não dirige. Ficar sem carteira, em Brasília, é um transtorno, estamos dependendo de favores de amigos para ir e vir;, comenta o técnico em eletrônica, que veio do Rio Grande do Sul há 22 anos e mora na Asa Norte. Para ele, outras pessoas oferecem mais risco na direção do que um daltônico. ;Não fumo nem uso drogas. Parei de beber em respeito à lei seca, tudo para estar conforme as leis e agora me vejo fora da lei por causa de uma resolução que me impede de fazer o que mais sei: dirigir;.(2) O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) não retornou as ligações para comentar o caso.
1 - O que é?
O daltonismo ou dicomatropsia é uma doença que provoca a confusão na percepção das cores, principalmente entre o verde e o vermelho. Trata-se de uma condição transmitida geneticamente num padrão recessivo. As mulheres são, na maior parte dos casos, as portadoras do daltonismo, mas conseguem enxergar normalmente. Seus filhos homens, porém, têm mais chances de serem daltônicos.
2 - Proposta
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n; 4.937/09, do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que altera os formatos das lentes de semáforos para beneficiar os daltônicos, incapazes de discriminar alguns tipos de cores. Segundo a proposta, as com foco vermelho serão quadradas; as amarelas, triangulares; e as verdes, circulares. Atualmente, o Código de Trânsito Brasileiro determina que todas as lentes sejam circulares.
O EXAME
As clínicas de exames de visão do Distrito Federal trabalham com imagens como essas para identificar casos de daltonismo. Nelas, as pessoas portadoras de daltonismo não conseguem decifrar os números 2, 6, 8 e 42, presentes nos círculos, entre as cores verdes e vermelhas.