Cidades

Estelionatário promete vaga em gabinete de distrital em troca de até R$ 20 mil

postado em 26/08/2009 08:24

A proposta parecia tentadora e pelo menos 10 pessoas embarcaram sem desconfiar de que se tratava de um golpe. Com uma conversa recheada de argumentos convincentes, um homem oferecia 40 empregos no gabinete do deputado distrital Cristiano Araújo (PTB), com salário de R$ 5 mil, sem que o candidato tenha algum tipo de habilidade específica. O mais incrível, o empregado nem precisa aparecer no serviço. A contrapartida para conseguir o emprego era dividir o salário com o ;patrão;. Como o contrato é anual, dos R$ 65 mil recebidos em 12 meses, além do 13; terceiro, R$ 20 mil são para o ;deputado;. Mas o pagamento tem de ser adiantado em cheques pré-datados. Resultado: acabaram vítimas de estelionato.

;Você foi abençoada;, apregoou a mulher que convenceu Zalira José Abadia, 48 anos, a entrar nessa roubada. Mãe de três filhas, uma com necessidades especiais, outra que enfrenta problemas na gravidez e uma terceira na pré-adolescência, a faxineira desempregada e cheia de dívidas não duvidou: ;Era coisa de Deus. Imagina só um emprego bom desses que você nem precisa de trabalhar. Eu falei, é pra mim mesmo. Porque a minha filha de 28 anos é totalmente dependente e como eu tomo conta dela não posso ter serviço fixo;.

Cheques em branco
Iludida com a oportunidade, Zalira aceitou dar sete cheques em branco para que a irmã garantisse sua inscrição na suposta vaga de emprego aberta no gabinete de Cristiano Araújo. Os cheques assinados em branco não estavam nominais e foram entregues a uma pessoa que se apresentava como Gleice e dizia agir em nome de Elcimar. Meses depois, o emprego não veio. Zalira desconfiou da armação. Mas foi novamente convencida por amigas, as mesmas que também acreditaram na história, de que a nomeação estava para acontecer. Zalira desistiu de prestar queixa na delegacia de Ceilândia, onde mora. Como a oportunidade realmente não se confirmou, a dona de casa sustou os cheques (um no valor de R$ 5 mil e os outros de R$ 1.667), que em seguida foram protestados por uma factoring, Desde então, Zalira está com o nome sujo nos órgãos de proteção ao crédito.

Assim como Zalira, outras nove pessoas procuraram a polícia para denunciar o golpe. Prestaram depoimento na Divisão Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco). Mas antes disso, o ímpeto do grupo foi o de bater à porta do gabinete de Cristiano Araújo em busca de explicações. Ao tomar conhecimento do caso, assessores do distrital marcaram uma reunião para tratar do assunto reservadamente. O grupo foi orientado a manter discrição sobre o episódio até a polícia concluir as investigações. As vítimas do golpe insistem na versão de que foram enganadas por gente de dentro do gabinete do distrital.

;Boa índole;

Segundo as denunciantes, Elcimar teria se apresentado como assessor do deputado e convencido o grupo das oportunidades de emprego no gabinete. A história ganhou força pela quantidade de detalhes sobre a rotina de trabalho na Câmara Legislativa que o estelionatário demonstrou saber. Um dos argumentos do golpista era de que as vagas surgiram com o fim do nepotismo, o que teria obrigado o deputado a demitir parentes. ;Eu fiquei sabendo dessa oportunidade por uma pessoa de boa índole, que dizia conhecer esse tal de Elcimar;, lamenta Célia Regina Campos, 52 anos. Ela emitiu 10 cheques de R$ 1.724,81. Quatro deles foram descontados e, da mesma forma como nos outros casos, as quantias estão sendo cobradas.

Servidora aposentada, Célia Regina foi convencida por colegas de uma igreja evangélica a comprar o emprego no gabinete de Cristiano. Tão tentadora parecia a proposta, que ela negociou logo duas vagas. Para os dois filhos, um de 26 anos e o outro de 28. ;Fiz isso porque não é nada fácil arrumar emprego, mesmo quando a pessoa é formada. Um dos meus filhos é biólogo, mas só consegue serviço de segurança;, lamenta. Como as outras colegas, o nome da aposentada está negativado: ;Não consigo comprar nem um ferro de passar em prestações;. Na tentativa de resolver o problema, ela procurou o Juizado Especial Cível de Taguatinga, em março. Mas até hoje a Justiça ainda não conseguiu intimar as duas pessoas acusadas de aplicarem o golpe do emprego fácil.

O QUE DIZ A LEI

O estelionato é considerado um crime contra o patrimônio, especificado no artigo 171 do Código Penal. De acordo com a definição jurídica, para que seja configurado crime de estelionato são necessários alguns pré-requisitos. Entre eles o de que o ato tenha sido cometido para obter vantagem em prejuízo financeiro de uma outra pessoa. Em geral, a vítima é induzida ao erro por meio fraudulento. Um dos golpes de estelionato mais comuns é o do bilhete premiado, no qual as vítimas são levadas a acreditar que têm a oportunidade de comprar a própria sorte. Ludibriadas, elas pagam uma quantia alta para o golpista, mas baixa para quem acredita que ganhará milhões com a sequência de números. A pena varia de um a cinco anos de reclusão, mais multa.

Deputado fala em armação
O distrital Cristiano Araújo se sente tão vítima quanto as pessoas que foram enganadas em seu nome. O deputado não descarta que o golpe tenha a participação de algum ex-funcionário do grupo de empresas comandado por sua família, a Fiança. Nem ele nem seus assessores mais próximos, no entanto, identificaram as pessoas conhecidas por Elcimar e Gleice, apontadas pelo grupo de senhoras enganadas como os responsáveis pelo estelionato. ;Nós orientamos todos que vieram em busca de informações a procurar a polícia e estamos colaborando para as investigações. Ainda não tenho como afirmar, mas acho que pode ter sido uma armação para me prejudicar politicamente;, desconfia Cristiano.

As investigações são conduzidas pela Divisão Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco), onde foi aberto o inquérito 8/2009 para apurar o suposto crime de estelionato. O Correio entrou em contato com a Deco para saber sobre o andamento das investigações. Mas o delegado Érico Vinícius Mendes, que iniciou a investigação, saiu da Deco e o delegado que o substituiu, Gean Carlos, afirmou que o inquérito está na Justiça para avaliação rotineira e que, por isso, não saberia detalhar a evolução do caso. Elcimar e Glice não foram encontrados nos endereços fornecidos pelas vítimas. (LT)

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