Helena Mader
postado em 15/09/2009 09:55
A votação de um projeto de lei na Câmara Municipal de Valparaíso virou motivo de guerra entre os moradores e a prefeitura da cidade. No mês passado, a prefeita Leda Borges de Moura (PSDB) enviou ao Legislativo uma proposta para transformar uma rua do município em um lote com registro imobiliário. Se o projeto for aprovado, parte da avenida vai virar um terreno, que posteriormente poderá ser vendido. Com o mercado aquecido, o metro quadrado dos imóveis na região chega a R$ 250. Como a rua da polêmica tem área de 2,5 mil metros quadrados, a prefeitura pode lucrar mais de R$ 620 mil com a desafetação (1)desse espaço público.
O principal prejudicado com a aprovação do projeto de lei seria o Shopping Sul - o maior centro comercial do Entorno Sul do Distrito Federal. A rua a ser desafetada pelo projeto de lei é usada para acesso à área de carga e descarga do estabelecimento. Se a avenida deixar de existir, várias lojas do shopping não teriam como receber os produtos e fechariam as portas.
Os moradores de condomínios e quadras vizinhas também protestam contra o projeto de lei e pedem aos vereadores da Câmara Municipal que o texto seja retirado da pauta. A proposta já foi aprovada em duas votações anteriores e voltará à pauta do plenário amanhã para uma terceira e última análise. Se obtiver novamente maioria, o projeto já poderá ir para a sanção da prefeita. Na primeira vez em que foi analisado, o texto foi aprovado por unanimidade. Na última votação, o placar foi mais apertado: sete vereadores foram a favor da desafetação da rua e quatro se posicionaram contrários à proposta.
O Projeto de Lei nº 64/09 foi protocolado na Câmara Municipal de Valparaíso em 17 de agosto. A desafetação refere-se à parte da Rua Espanha, entre as ruas Portugal e Grécia, no bairro Parque Esplanada III. Essa avenida incluída na proposta divide o Shopping Sul de um terreno de propriedade particular. Por suas características - a rua é estreita, tem apenas 20m de largura -, a avenida a ser desafetada provavelmente só poderá ser incorporada ou ao shopping ou ao imóvel vazio que fica ao lado. "Daria para fazer, no máximo, um prédio de quitinetes", garante o corretor de imóveis Cassiano Franco, que atua no município de Valparaíso.
Na justificativa encaminhada à Câmara Municipal, a prefeita Leda Borges de Moura argumenta que a Lei nº 747/08 autorizou a utilização de terrenos para fins de dação - quando o comprador troca o pagamento em dinheiro pela realização de benfeitorias coletivas no município, por exemplo. O presidente da Câmara Municipal de Valparaíso, Walter Mattos (PP), confirma essa possibilidade. "A prefeitura nos informou que, depois da desafetação, o terreno seria usado como troca para a construção de infraestrutura pública. Essa foi a justificativa", contou Walter. "A última votação será nesta quarta-feira. Se o projeto passar, só vai faltar a sanção", acrescentou.
Duas versões
A justificativa assinada pela prefeita diz que o motivo da desafetação seria destinar espaço para uma possível expansão do centro comercial vizinho. "Esta administração, visando ao desenvolvimento de nosso município, no que concerne o crescimento econômico e dos postos de trabalho que seriam gerados com a expansão do Shopping Sul, propõe a desafetação da área pública", diz o texto da mensagem enviada à Câmara.
Quando tomou conhecimento sobre o assunto e viu o conteúdo da justificativa do projeto, a superintendente do Shopping Sul, Rosana Rodrigues, imediatamente entrou em contato com a presidência da Câmara de Valparaíso. "A prefeitura usou o nome do shopping indevidamente, não temos nenhum interesse na desafetação da área da rua. Pelo contrário, se isso acontecer, seremos os maiores prejudicados, já que não haverá mais acesso à área das docas", explicou Rosana. "O Shopping Sul, como envolvido direto na questão, em nenhum momento foi consultado sobre a mencionada desafetação", diz o texto assinado pela superintendente do centro comercial e enviado ao vereador Walter Mattos.
A prefeita de Valparaíso, Leda Borges de Moura, garante que realizou duas audiências públicas, como exigido por lei. "Nas audiências, não apareceu quase ninguém. Me surpreende que essas pessoas agora estejam reclamando", diz a prefeita. Sobre o porquê de a área estar sendo desafetada, Leda Borges não deu detalhes. "Ninguém desafeta uma área com interesses pré-definidos. De qualquer forma, a prefeitura não faz nada de maneira escusa, tudo está sendo devidamente discutido na Câmara", acrescentou.
O líder comunitário Alexandre Varela mora em um condomínio na Rua Portugal, que é perpendicular à rua da polêmica. Ele está lutando contra a desafetação da área e garante que, se o projeto passar no Legislativo local, os danos para a comunidade serão grandes. "Fomos surpreendidos com esse projeto que, para nós, é totalmente ilegal. As duas audiências públicas realizadas até agora foram organizadas pela Câmara, não pelo Executivo, como deveria", reclama Varela. "O fim da rua vai atrapalhar a comunidade e tornar difícil o acesso de bombeiros, caso seja necessário", reclama.
1 - Alteração
Desafetação de área pública é o ato de transformar um espaço de uso coletivo - como áreas verdes, ruas ou praças - em um lote registrado em cartório. Apenas o Poder Executivo tem a prerrogativa de propor esse tipo de iniciativa. Posteriormente, o projeto precisa ser aprovado pelo Legislativo. Assim como nos casos de alteração de uso, é preciso realizar audiências públicas e ouvir a comunidade. Depois de desafetado, o terreno continua sendo uma área pública, mas que pode ser vendida posteriormente.