Dos 1.322 carros com placas azuis em circulação no Distrito Federal, menos da metade ; 606 veículos ou 45,8% do total ; está registrada no Departamento de Trânsito (Detran), conforme prevê a legislação, e sujeita a multas por infrações cometidas nas vias. De janeiro a agosto deste ano, foram emitidas 1.358 notificações para carros diplomáticos incluídos no Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam) ; pouco mais de duas por automóvel enquadrado nas novas regras. Algumas delas, segundo o Detran, já foram pagas. Outras estão em fase de recurso, que pode demorar até um ano para ser analisado.
É a primeira vez que os proprietários de veículos de placas azuis pagam multas de trânsito. A mudança foi estabelecida pela Resolução n; 286/08, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que tornou obrigatórios o licenciamento, o registro e o emplacamento desses carros (veja O que diz a lei). A medida tira do limbo uma frota até então invisível aos olhos das autoridades de trânsito de todo o país. De quebra, coíbe abusos cometidos por condutores dos veículos diplomáticos.
Um diplomata da Embaixada do Reino Unido ; que pediu para ter o nome preservado ; confirma que há abusos por parte de algumas pessoas. ;Muitos (motoristas) não são brasileiros e desrespeitam as regras do país;, afirma. Segundo ele, foi feita uma reunião na Embaixada do Reino Unido para orientar os condutores sobre as novas regras, que começaram a valer em janeiro, e as consequências do desrespeito a elas.
Ainda é cedo para afirmar que houve uma queda no número de infrações cometidas por donos de carros com placas azuis. Mas o diretor de Controle de Veículos e Condutores do Detran, coronel Admir Santana, acredita que os motoristas desse tipo de veículo estão mais cautelosos. ;Tínhamos o caso de um carro que era multado quatro vezes no mesmo dia. Não vou dizer de qual embaixada, mas isso acontecia. Hoje, não temos casos assim. Então, seguramente, eles estão mais cautelosos;, afirma.
Excesso de velocidade
O Correio apurou que, no ano passado, eram emitidos pelo menos 30 autos de infração por mês para carros diplomáticos, a maioria por excesso de velocidade. Mas eles nem sequer viravam multas. Eram encaminhados ao Ministério das Relações Exteriores, que os entregava para os respectivos órgãos diplomáticos com a recomendação para que cumprissem a lei de trânsito brasileira. Motorista da embaixada do Reino Unido, Djalma Francisco Costa já trafega pelas ruas com a placa nova ; que tem três letras e não duas. Ele diz tomar vários cuidados para não cometer infrações, mas nem sempre isso é possível. ;Muitas vezes, os motoristas são obrigados a correr para chegar no horário certo;, explica. Djalma nunca foi multado, mas diz conhecer casos de colegas notificados que são obrigados a pagar a multa.
Apesar dos avanços, a mudança na legislação não significa o fim dos privilégios para estrangeiros em missão oficial no país. Na hora de cadastrar os carros eles têm atendimento exclusivo e, portanto, não pegam fila. Os donos dos veículos estão isentos do pagamento das taxas de transferência e de vistoria ; R$ 133 no total; e também não desembolsam o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). A única taxa a que têm de se submeter é a do Seguro Obrigatório (Dpvat).
O carro também segue inviolável e, portanto, em uma blitz do Detran ou da Polícia Militar, os condutores não são obrigados a permitir a revista do veículo, mesmo que ela seja solicitada. As regalias são fruto da Convenção de Viena (leia Para saber mais), que dá aos brasileiros em missão no exterior os mesmos benefícios. Foi graças a ela que o filho de um diplomata envolvido em um acidente de trânsito sem vítimas no DF, há cerca de um ano, saiu impune, apesar de apresentar sinais de embriaguez.
Prazo vai até dezembro
O prazo para que os proprietários de carros com placas azuis cumpram as exigências da Resolução n; 286/08 vence em 31 de dezembro deste ano. Atualmente, uma das preocupações do Detran é concluir o registro do restante da frota no prazo estipulado pelo Contran. Em reunião com representantes do Itamaraty, na última segunda-feira, o diretor-geral do Detran, coronel Cezar Caldas, decidiu reforçar o atendimento no posto de registro de veículos, montado no depósito do órgão, atrás do autódromo.
O coronel Admir Santana, do Detran, reconhece que a falta de vistoriadores deixou o procedimento mais demorado. Além disso, nem sempre os proprietários dos veículos aparecem nos horários marcados. ;O mais importante é que agora teremos dois vistoriadores e não apenas um. E, há pelo menos um mês, ampliamos o atendimento para todos os dias da semana, e não apenas na terça e quinta-feira, como era no começo do ano;, cita.
De acordo com o coronel Admir, a vistoria desses carros é mais complicada. Muitos deles são fabricados em outro país e nem sempre é fácil identificar onde está, por exemplo, o número do motor. ;Isso atrasa o processo;, ressalta. Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério das Relações Exteriores informou que no Brasil existem 2.460 veículos diplomáticos, dos quais 963 circulam com a nova placa. E disse não ter recebido queixas por parte dos representantes das embaixadas sobre possíveis dificuldades para registrar o veículo. (AB)
O que diz a lei
Desde janeiro deste ano, os veículos com placas azuis são registrados, emplacados e licenciados pelos órgãos de trânsito em conformidade com o Renavam. O registro do automóvel, a expedição do Certificado de Registro e a designação da combinação alfanumérica da placa de identificação são feitos pelos órgãos executivos de trânsito dos estados e do Distrito Federal e dependem de autorização do cerimonial do Ministério das Relações Exteriores.
Os veículos registrados deverão ser licenciados anualmente, observando-se os casos de imunidade e isenções previstas na legislação. O licenciamento anual somente será efetivado quando não houver restrição por parte do cerimonial. O cadastro dos veículos em circulação deve ser feito até 31 de dezembro de 2009. As regras são automáticas para os carros comprados a partir de 1; de janeiro deste ano.
Para saber mais
Acordo entre os países
O Brasil aderiu à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas em abril de 1965. Está inserida na legislação brasileira por meio do Decreto n; 56.435, de 8 de junho do mesmo ano. De acordo com o artigo 29 da convenção, o agente diplomático é inviolável e não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão.
O artigo 31 é o que trata da imunidade de jurisdição penal, civil e administrativa, salvo algumas exceções. O artigo 37 estende aos membros da família de um agente diplomático os privilégios e a imunidade. Todos os temas são tratados de forma recíproca. Isso quer dizer que um representante do governo brasileiro no exterior será tratado da mesma forma. Em se tratando de infrações de trânsito, a recomendação do Itamaraty é que os diplomatas brasileiros respeitem as leis do país anfitrião e paguem as multas.