Para sustentar a tese de crime encomendado no caso do triplo assassinato da 113 Sul, os investigadores precisam levantar o patrimônio de duas vítimas, os advogados José Guilherme Villela, 73 anos, e Maria Carvalho Mendes Villela, 69, proprietários do apartamento 601/602 do Bloco C. Os corpos do casal e da empregada deles, Francisca Nascimento da Silva, 58, foram encontrados no local no último dia 31. Além de imóveis e carros, marido e mulher tinham uma pequena fortuna em ações pessoais contra a União e honorários por defender clientes famosos e de posses, como governadores, ex-presidentes da República e multinacionais. Muitos desses processos mexiam com interesses comerciais e políticos.
Além dos dois apartamentos unificados no Bloco C da 113 Sul, que valem ao menos R$ 1,6 milhão, os Villela têm outros imóveis. Ainda na 113 Sul, eles são donos de um apartamento no Bloco F e outro no Bloco K. No Lago Sul, têm três casas e uma chácara. Somado, o patrimônio imobiliário no Distrito Federal chegaria a R$ 12 milhões.[SAIBAMAIS]
Na capital paulista, há dois apartamentos em nome deles. Outro fica na Barra, área nobre de Salvador. Em São Borja, interior do Rio Grande do Sul, o casal possui uma casa. Em depoimento, um dos familiares revelou que José Guilherme Villela havia ganhado, cinco anos atrás, uma ação pessoal de R$ 5 milhões contra a União. Ele recebeu o valor por meio de precatórios. No entanto, a polícia apura a informação de que o advogado vinha recebendo, a cada três meses, parcelas de R$ 6 milhões, também por meio de precatórios.
Apesar da riqueza, o casal não era de ostentações. O advogado dirigia um Passat importado, mas com 10 anos de uso. A mulher circulava em um Corsa Sedan também com alguns anos. As joias supostamente roubadas pelos assassinos só eram usadas em ocasiões especiais. Maria guardava brincos, colares e anéis em uma caixa no closet. Avisava aos familiares a localização dos bens, para que fossem entregues a bandidos em caso de assalto. Ela temia reagir e sofrer algum tipo de retaliação.
Referência pioneira
José Guilherme e Maria eram donos da Villela Advogados Associados ; a divisão societária era meio a meio. Fundado em 1993, o escritório é considerado um dos mais prestigiados da capital do país. Tendo ainda como advogado o único filho homem do casal, Augusto Villela, o escritório trabalha com advocacia empresarial nas áreas de direito público ; constitucional, administrativo, tributário, eleitoral e trabalhista ; e privado ; civil e comercial. Há 10 anos, desenvolve sistema de apoio a firmas de advocacia e departamentos jurídicos de empresas.
Com atuação de destaque nos tribunais superiores sediados em Brasília, além de do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a Villela Advogados Associados representa 35 escritórios de oito estados. A maioria encaminha ações movidas por ou contra pessoas e empresas de fora do DF, as quais chegaram a um tribunal superior após uma das partes perder em primeira instância, na Justiça de seus estados. É o caso de um complexo processo envolvendo uma disputa societária que dura mais de 10 anos.
O julgamento, ocorrido há pouco mais de um mês, foi o último em que José Guilherme fez sua sustentação oral de um recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na ocasião, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, iniciou o voto elogiando a conduta do advogado. ;Faço um elogio, de público, à veemência ; e troco a veemência pelo idealismo ; desse ilustre advogado, que conheço há mais de 30 anos aqui em Brasília. É bonito de se ver um advogado, com tantos anos de experiência, ainda ter essa fleuma de um jovem advogado;, ressaltou a ministra.
Grandes disputas
Somente no STJ, José Guilherme atuava como advogado em 63 processos ainda em andamento. O mais antigo, de 9 de junho de 1989, tem origem no Rio de Janeiro e envolve duas multinacionais. No mais recente, com entrada no tribunal superior em 14 de abril último, ele defendia a Federação Brasileira de Hospitais contra a União. No STJ, José Guilherme advogou em favor, entre outros, de empresas petrolíferas, instituições de ensino superior, grandes bancos públicos e privados, além do deputado federal Paulo Maluf e de Newton Cardoso, ex-governador de Minas Gerais.
José Guilherme ficou conhecido nacionalmente por defender o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello, no processo de impeachment em 1992. Mas sua trajetória foi muito mais ampla do que esse episódio. Defendeu, por exemplo, o também ex-presidente Juscelino Kubitschek, o atual presidente do Senado Federal, José Sarney, e o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto. Villela também atuou no caso do mensalão, na defesa de uma corretora de valores.
Foram quase 50 anos advogando em Brasília. José Guilherme Villela foi ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 1980 a 1986 e procurador do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Prestígio à parte, ele é descrito como uma pessoa tranquila e reservada. Pela manhã, ao lado da mulher, fazia caminhadas ao redor da 113 Sul e comprava pães para o café na padaria Bellini. Depois, ficava em casa, onde despachava com um funcionário de seu escritório. À tarde, seguia com a esposa para a sede da empresa, no Edifício Denasa, no Setor Comercial Sul (SCS). Ambos costumavam retornar somente à noite, não raro após as 21h.
Pagamento
Precatórios são ordens de pagamento provenientes de sentenças judiciais contra a Fazenda Pública nacional, estadual ou municipal. Ao se esgotarem as possibilidades de recursos, a ação é transformada em precatório. A partir daí, a Fazenda é obrigada a quitar a dívida com o credor.
Homenagens na praça e no IADF
GIZELLA RODRIGUES
RAPHAEL VELEDA
O advogado José Guilherme Villela será homenageado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A Praça da Cidadania, que fica em frente ao prédio da entidade no Setor de Autarquias Sul, será rebatizada e receberá o nome do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assassinado dentro de casa no último dia 28. O presidente do Conselho Federal da Ordem, Cezar Britto, apresentou a proposta ao governador José Roberto Arruda e recebeu apoio imediato. ;É uma proposta que vamos submeter à Câmara Legislativa. Mas é uma boa ideia;, disse o governador.
A praça, construída pela OAB em parceria com o GDF, foi inaugurada ontem. Agora, o Executivo vai enviar um projeto de lei para os deputados distritais aprovarem a homenagem. Arruda participou da cerimônia, assim como a filha mais velha do advogado, Adriana Villela, que não quis dar entrevistas. Disse apenas ;que a família recebeu com alegria; a sugestão de dar ao espaço o nome do pai.
Arruda plantou uma muda de árvore e comentou a apuração do crime que vem sendo feita pela 1; DP (Asa Sul). O governador disse que nem ele sabe detalhes das investigações. ;Eu não pergunto porque não sei guardar segredo. Se a polícia me disser qualquer coisa, acabo falando e atrapalho as investigações.; Arruda afirmou confiar na elucidação do caso: ;A polícia de Brasília é competente, é um caso complicado, mas será elucidado;.
A OAB acompanha o caso e o presidente da entidade cobrou mais rapidez dos investigadores para descobrirem os culpados. ;É um crime grave e não pode ficar impune, porque isso estimula criminalidade. A apuração tem que ser rápida;, defendeu. Britto explicou que decidiu dar o nome de Villela à praça porque ele foi um exemplo no exercício da advocacia. ;Ele representou a atuação do advogado destemido, que às vezes enfrentou a opinião pública pela defesa do direito. Foi um grande defensor da Ordem dos Advogados do Brasil.;
Com área de 3.120 metros quadrados, a praça é um espaço de convivência situado entre a L2 Sul e o Setor de Autarquias Sul, em frente à sede nacional da OAB. No local, foi instalado o Painel da Cidadania ; um visor eletrônico projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A tela veiculará notícias sobre assuntos de interesse público e de caráter institucional.
Sessão especial
José Guilherme Villela e a mulher, Maria, também foram homenageados pelo Instituto dos Advogados do Distrito Federal (IADF). Houve sessão especial ontem à noite na sede da entidade, na 516 Norte. O advogado Pedro Gordilho, amigo de Villela por 48 anos, foi o orador na solenidade que durou uma hora e lotou o auditório. Compareceram diversas personalidades do meio jurídico, além dos filhos e da neta do casal assassinado, respectivamente Adriana, Augusto e Carolina. Os parentes dos Villella não falaram com a imprensa e ganharam uma placa em memória do casal.
;É doloroso falar de um amigo de tantas décadas. Ele é um dos guias da atual geração de advogados;, disse Gordilho, que lembrou o casamento de José Guilherme e Maria. ;Foi a mais bonita história de amor que testemunhei.; O presidente do IADF, Luiz Antônio Guerra, também prestou respeito ao advogado: ;Esta é uma homenagem àquele que foi amigo de todos e deixou saudades em nossos corações;. Criado em 1979, o instituto teve Villela como um de seus fundadores.