Cidades

Crime da 113 Sul: sem impressões suspeitas

postado em 18/09/2009 08:00
Edson Luiz
Ary Filgueira
Raphael Velleda



A Polícia Civil recebeu novos laudos das perícias realizadas no apartamento 601/602 do Bloco C da 113 Sul, onde foram assassinados o casal de advogados José Guilherme Villela, 73 anos, e Maria Carvalho Mendes Villela, 69; e a empregada deles Francisca Nascimento da Silva, 58. Mas o resultado não ajuda a investigação. Análises de impressões digitais revelaram que não havia sinais de que outras pessoas tenham tocado em objetos retirados do imóvel. Ontem, a delegada da 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul), Martha Vargas, responsável pela apuração do caso, ouviu mais testemunhas, principalmente para checar álibis de pessoas ouvidas anteriormente.

O laudo de impressão digital entregue ontem à delegada é o segundo preparado pelo Instituto de Identificação(1) (II). O primeiro chegou no início da semana, mas também não apresentou dados novos que pudessem ajudar na elucidação do triplo homicídio. Os resultados dos exames vêm sendo entregues de forma fragmentada e por tipo de objeto. Os recebidos ontem por Martha Vargas se referem a 10 caixas de papelão coletadas no apartamento da 113 Sul. O crime é investigado desde a noite de 31 de agosto, quando os corpos foram descobertos. Mas a primeira perícia feita no local estimou que as mortes ocorreram no início da noite da sexta-feira anterior.

Além dos depoimentos tomados durante o dia, inclusive fora da 1; DP, os investigadores continuaram ontem a fazer várias diligências pelo Distrito Federal. ;Não estamos concentrando nossos trabalhos apenas em uma região ou no Entorno, mas em diversos locais, inclusive em Brasília;, afirmou um investigador que atua no caso. Segundo ele, durante as buscas, outras pessoas também são ouvidas.

Filmagens
Desde o início da semana, os agentes fazem checagem dos álibis de quem já prestou depoimento à polícia. O trabalho inclui a verificação de filmagens de prédios comerciais e residenciais, além de testemunhas apontadas pelos depoentes. Ontem, havia a possibilidade de a delegada Martha Vargas voltar ao local do crime para mais uma vistoria para checar informações sobre objetos, como fez há três dias, depois de ouvir alguns depoimentos. Mas a delegada ; que prefere não dar muitos detalhes sobre o inquérito ; afirmou não ter ido ao cenário da tragédia. Ela chegou ao distrito policial às 14h10, saindo às 16h20. Às 20h40, retornou à 1; DP, onde permanecia até o fechamento desta edição, às 22h30.

A polícia continua com as teses de que o triplo homicídio tenha ocorrido por encomenda ou mesmo que o crime seja latrocínio ; roubo com morte. No entanto, os investigadores não descartam também a hipótese de que os assassinos tenham planejado meticulosamente matar o casal e a empregada e depois tenham se aproveitado da situação para roubar algum objeto de valor.

José Guilherme Villela era ministro aposentado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e administrava, com a mulher, Maria Carvalho, um dos mais conceituados escritórios de advocacia da capital federal, o Villela Advogados Associados. O casal e a principal empregada da residência foram brutalmente mortos com 73 facadas, no total. José Guilherme, o mais atingido, recebeu 38 perfurações.

1 - O Trabalho
Subordinado ao Departamento de Polícia Técnica da Polícia Civil do Distrito Federal, o Instituto de Identificação (II) realiza identificação civil, criminal, perícias papiloscópicas (coleta de impressões digitais) e necropapiloscópicas (método de identificação de cadáveres a partir das impressões digitais) em locais de crime e laboratório e perícias de representação facial humana. O II também é responsável pela emissão de carteiras de identidade.


; Investigadores vêm recebendo de forma periódica os resultados das perícias feitas no imóvel do Bloco C

Renato Alves

Moradores de Santa Maria, os familiares da doméstica Francisca Nascimento da Silva, 58 anos, uma das três vítimas do crime da 113 Sul, vivem sob o medo, a desconfiança e o desamparo. Ninguém os informa sobre o andamento das investigações do brutal assassinato da empregada e dos patrões, os advogados José Guilherme Villela, 73, e Maria Carvalho Villela, 69. Três semanas após o triplo homicídio, os parentes nem sequer receberam os documentos pessoais da mulher que trabalhava para o casal havia 32 anos. Não sabem se Francisca ; morta com 23 facadas, durante o serviço ; tinha um seguro de vida, poupança, dinheiro a receber ou contas a pagar. Têm receio de procurar a polícia. Evitam conversas com vizinhos e a exposição pública.

O crime ocorrido na noite de 28 agosto só começou a ser investigado três dias depois, com a descoberta dos corpos esfaqueados no apartamento 601/602 do Bloco C da 113 Sul. No fim da noite daquela segunda-feira, 31 de agosto, policiais comunicaram o crime a Maria Nascimento da Silva, 52, uma das duas irmãs com quem Francisca vivia em uma casa da QR 313 de Santa Maria. Maria foi à 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul), onde, segundo ela, fizeram-lhe poucas perguntas. ;Fiquei meia hora;, contou. Foi a primeira e única vez, até ontem, que alguém da família de Francisca esteve na delegacia responsável pela apuração. Nenhum agente visitou a casa da empregada, de acordo com a irmã, ou ligou para falar sobre o caso. ;O que sabemos é o que passa na televisão. O que esperamos é justiça.;

O Correio encontrou Maria e a outra irmã com quem Francisca morava, de 42 anos (pediu para não ter o nome publicado), ontem, na lanchonete de uma delegacia do Distrito Federal. Ambas cuidam do pequeno comércio, com venda restrita ao trabalhadores da unidade policial. À reportagem, demonstraram receio, mas não se negaram a dar entrevista. Responderam às perguntas de forma lacônica, de cabeça baixa. Maria tentou disfarçar as lágrimas ao ser questionada sobre o momento em que mais sentia falta da irmã, com quem dividia uma casa havia 30 anos. ;Sinto muita falta dela aos domingos, quando a gente almoçava junto. Era a Francisca quem unia a família;, comentou.

Francisca foi a primeira de 10 filhos de um casal de cearenses a deixar a casa dos pais. Desembarcou em Brasília em 1975. Logo arrumou emprego de doméstica. Trabalhou em casas de outras famílias, antes de conhecer os Villela. Estabelecida na capital do país, Francisca convenceu as duas irmãs a se mudar para Brasília. Deu-lhes abrigo, comida e roupa até arranjar serviço remunerado para ambas. Com as três trabalhando, elas começaram a concretizar o sonho da casa própria. Juntaram dinheiro e construíram o imóvel bem acabado de três quartos em Santa Maria. Sem marido e filhos, ela ajudou a criar os dois sobrinhos, filhos de Maria, atualmente com 22 e 24 anos.

Necessidade
Ainda na delegacia onde trabalha, Maria fez questão de explicar que estava ali, atrás do balcão, desde o dia seguinte ao enterro da irmã (o funeral ocorreu em 2 de setembro), por necessidade. ;O coração dói muito. Mas esse aqui é nosso único ganha-pão (dela e da irmã mais nova).; Ela afirmou desconhecer o salário de Francisca, mas ressaltou que era o suficiente para a irmã ;ter as coisas que gostava e fazer suas viagens;. Nascida no litoral, Francisca não abria mão de curtir a praia ao menos uma vez por ano. Planejava ir a João Pessoa (PB) em dezembro. Além de praia, a católica Francisca gostava de ir às missas na Igreja Santa Mãe de Deus, na QR 215 de Santa Maria. ;Ela não era de sair muito nem de ficar de conversa com os vizinhos. A Francisca era muito séria, muito trabalhadora;, lembrou Maria.

Francisca estudou apenas até a quarta série do ensino fundamental. Tentava compensar a falta de aprendizado nos bancos escolares com as viagens. ;Ela sempre voltava contando histórias. Gostava de conhecer gente, de saber como era a vida em outros lugares;, comentou uma das irmãs. Quando não estava em férias, Francisca fazia questão de passar o fim de semana com a família. Trabalhava de segunda-feira a sábado no apartamento dos Villela. Quando saía, às 12h, ia direto para casa. Rotina quebrada há três semanas. Por volta das 16h de 29 de agosto, um sábado, familiares estranharam a demora da empregada e iniciaram uma busca por telefone. Ligaram até para amigos distantes, mas ninguém soube dizer o paradeiro de Francisca. Somente dois dias depois é que descobriram sua morte.

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