Cidades

Rapaz que tem a doença de ossos de vidro dá os primeiros passos

Um mês após o Correio publicar uma reportagem sobre o rapaz que tem a doença dos ossos de vidro, a vida dele mudou radicalmente. Passou a realizar palestras motivacionais e, esta semana, estreou a nova cadeira de rodas, motorizada - seu sonho mais antigo

postado em 18/09/2009 08:46
Aos 30 anos, pela primeira vez na vida, ele se sentiu livre. E, ao perceber essa sensação, se emocionou. O homem de 1,20m e 30kg chorou como menino. ;É como nascer de novo. Me senti como se tivesse minhas pernas. Depois, olhei pros lados e vi que Deus estava ali, me amparando, me sustentando. Não tive como não chorar.; A declaração, emocionada, é de Alexandre Ferreira Abade, o rapaz de Sobradinho que teve sua história contada pela primeira vez há um mês nas páginas do Correio. Na manhã de ontem, porém, no quarto onde construiu seu mundo, ele preferiu sorrir. E o riso tem sentido de vida. Gota de esperança. Tem motivos de sobra pra isso.

A cadeira de rodas motorizada com a qual sonhou a vida inteira chegou. Veio novinha. Foi doação de uma leitora que leu as duas reportagens, sensibilizou-se com o drama do rapaz e, com mais duas pessoas, comprou as pernas emprestadas de Alexandre. ;Quando li a história dele no jornal, fiquei muito emocionada. Era preciso fazer alguma coisa por esse rapaz;, disse, por telefone, a mulher de 65 anos, moradora da Asa Sul e voluntária do Hospital de Base. [SAIBAMAIS]

Por razões muito pessoais e perfeitamente compreensíveis, ela explica, usando metáforas e citações bíblicas, o porquê do anonimato: ;O que a mão direita faz a esquerda não deve saber;. É verdade. Solidariedade não precisa de nome. Muito menos estardalhaço. Quem ajuda sem segundas intenções o faz apenas pelo prazer de servir ao outro. Assim deveria ser. A cadeira de rodas irá para a oficina do Sarah, a fim de passar por pequenas adaptações, como altura e controle dos itens de segurança.

Independência
Ainda na manhã de ontem, com os olhos marejados, uma das irmãs de Alexandre, a professora Glória de Lourdes Ferreira, de 32 anos, contou ao Correio: ;Quando cheguei em casa e encontrei ele na garagem testando a nova cadeira, vi ali uma criança. Era como se estivesse no andador. Ela estava sozinho, independente, como nunca tinha ficado antes, sem ninguém empurrando sua cadeira. Aí percebi que ele tava dando os primeiros passos da sua vida;.

A mãe, Maria Ferreira, 55 anos, ficou atarantadinha com a novidade. Nunca tinha visto o filho de 30 anos tão independente. ;Tive medo de ele cair. Não dei conta de ver;, ela admite. Quatro dias depois, o medo vem sendo substituído por coragem. ;Meu coração não tá aguentando de tanta felicidade;, confessa. Outra irmã, a também professora Andréia Abade, 37, emenda: ;Ele merecia todas estas coisas boas;.

No quarto, o telefone celular dele toca. É mais um amigo. Na tela do computador ligado, chegam mensagens pelo MSN. Alexandre consegue mexer apenas a mão direita, e, ainda assim, com dificuldade. Para usar o computador, por exemplo, precisa de sensores adaptados. Mas nada lhe foi impedimento. Vence, dia a dia, as barreiras. E revela, com sinceridade impressionante: ;Aprendi que limitação é superação. É assim que procuro vencer os obstáculos, que são muitos, e realizar meus sonhos;.

Depois das reportagens, passou a ser reconhecido em qualquer lugar. Não param de chegar convites para palestras sobre motivação e superação. Essas palestras, agora, têm ajudado a suprir suas necessidades básicas. Mês passado, realizou várias, para plateias lotadas e uma gente em lágrimas. E tem outras tantas marcadas (ver quadro). ;Quando acabava, as pessoas vinham me dizer que eu havia mudado a vida delas. O que tento dizer pra elas é que nenhuma imperfeição impede a gente de contemplar aquilo que Deus tem pra cada um de nós;, explica.

Segunda faculdade
Alexandre tem uma rara e incurável doença genética. É portador de osteogênese imperfeita. O nome é complicado e as consequências que ela causa são ainda piores. Ele nasceu sem uma proteína (colágeno), que é importante componente estrutural dos ossos. Sem essa proteína, estes se tornam anormalmente quebradiços. Ao nascer, Alexandre chorou desesperadamente. Era choro de dor. Logo no parto, alguns ossos já se quebraram. Era o primeiro sinal do que o acompanharia para sempre.

Viveu assim até os 17 anos. Passou a entender que sua deficiência tinha outro nome, mais popular: a doença dos ossos de vidro. Pulou de médico em médico. Sofreu mais de 300 fraturas ao longo de toda a adolescência. Viveu a maior parte de sua vida internado e engessado. Estava condenado a ficar daquela forma pelo resto da vida. Fez ; e ainda faz ; acompanhamento na Rede Sarah do Aparelho Locomotor.

Aos 17 anos, começou um tratamento homeopático com um clínico de Sobradinho. Seus ossos ficaram mais resistentes. E ele, mais confiante. Ainda aos 17 anos, pisou pela primeira vez numa escola, empurrado pelo pai na velha cadeira de rodas. Terminou o ensino fundamental e médio. Prestou vestibular para gestão de marketing de pequenas e médias empresas, na Uniderp Interativa, em Sobradinho. Concluiu o curso em agosto. Vestiu beca e fez um discurso comovente no dia da formatura. Agradeceu a Deus e ao pai, o grande companheiro, o incentivador e seu herói, morto há um ano e nove meses.

Parou por aí? Imagina. Danadinho, prestou outro vestibular, na mesma faculdade, para administração de empresas. Começará a estudar à noite. Enfrentará mais dois anos e meio de aulas. Com a cadeira motorizada, ninguém o deterá. ;Tenho sede pelo novo;, diz. Não cabendo em si de felicidade, ele reflete: ;Deus está presente em toda a minha vida. Das dificuldades, surgiu a superação. E da superação aconteceu o milagre. Eu creio em milagres.;.

Amanhã, no Hallel ; evento católico que reúne todos os anos milhares de fiéis no Pavilhão de Exposição do Parque da Cidade ;, Alexandre estará lá, com sua turma da igreja. ;Vou me apresentar com o grupo de dança;, conta. Dança? ;Sim, danço sentado na minha cadeira;, ele responde. É assim, não há limites. Depois de conhecer o miudinho Alexandre, uma coisa ficou muito clara: nem a fragilidade dos seus ossos de vidro afugentou o gigante que vive dentro dele. É uma lição pra nunca mais esquecer.

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