postado em 18/09/2009 08:56
Quando o policial civil Sinésio Lira Falcão recebeu pessoalmente o convite do então presidente da República Juscelino Kubitschek para liderar a equipe de seguranças do chefe de Estado, em 1960, não imaginava o que estava por vir. Brasília acabara de ser inaugurada e Juscelino precisava de um homem de confiança para mantê-lo fora de perigo. Honrado com a missão, Sinésio, à época com 51 anos, fez as malas e veio para a Cidade Livre, como era chamado o Núcleo Bandeirante. Durante quase uma década, ele foi o responsável por cuidar da integridade do presidente. Em janeiro de 2009, Sinésio completou 100 anos e se tornou o profissional mais antigo do quadro de funcionários da Polícia Civil do Distrito Federal. Em comemoração, o agente aposentado recebeu ontem, na Câmara Legislativa, o título de Cidadão Honorário de Brasília.Sinésio era amigo de JK. O chamado para chefiar a segurança do presidente ocorreu em um baile em um clube de Goiânia (GO), cidade onde Sinésio ministrava aulas de português, além de fazer parte da polícia civil do estado. ;Ele (JK) se aproximou de mim e perguntou se eu tinha interesse em ir para Brasília. Eu não sabia bem o que isso significava, mas vim na hora. Conhecia JK desde os tempos de Belo Horizonte e confiava muito nele. Ele me ensinou boa parte do que sei, inclusive a ser muito namorador;, brinca o policial aposentado. Conviver com JK não era difícil, segundo Sinésio. ;Só se falava em trabalho em Brasília. E JK não era neurótico com essas coisas de segurança. Na verdade, ele não gostava de ser monitorado;, lembra.
Sinésio nasceu em Araçatiba (ES). Com 13 anos, mudou-se para a capital do estado, Vitória. Ainda jovem foi para Goiânia, onde virou sargento do Exército, e de lá só saiu para conhecer o Planalto Central, terra onde viveu durante 35 anos, até se mudar para Carmo do Paranaíba (MG). No total, prestou serviço na Polícia Civil por 20 anos. Em metade desse tempo, ele trabalhou como agente e até como delegado substituto em delegacias do Guará, Cruzeiro, Taguatinga e na Delegacia Geral de Investigações (DGI).
O policial fazia parte do quadro de funcionários de um setor que se assemelhava ao que hoje é a Delegacia da Criança e do Adolescente. Seu maior prazer era percorrer as ruas da cidade em busca de menores abandonados, para tentar salvá-los. ;Eu os levava para a minha casa. Lá eles tomavam banho, eu cortava o cabelo deles, eles comiam e conviviam com os meus filhos para tentar se ressocializar;, lembra Sinésio. ;Se deixasse as meninas soltas, os candangos engravidavam todas elas. Você precisava ver o que acontecia com essas meninas de rua;, lembra o policial. ;A única coisa que dava canseira era vigiar a zona do baixo meretrício. Eram 300 mulheres da vida. Todo domingo, ali era o lugar mais movimentado da cidade.;
A atividade, porém, teve de ser interrompida, mesmo que a contragosto. Em uma tarde ensolarada, quando esperava na Comercial Norte de Taguatinga pela viatura que o levaria de volta para a DP, um carro invadiu a calçada e o atropelou. As fraturas causadas pelo acidente não permitiram que ele voltasse ao trabalho. Desgostoso, Sinésio se aposentou. Depois disso, voltou a dar aulas de português. Dedicou-se também aos estudos, formou-se em jornalismo e fez curso de espanhol, há cinco anos. Nas horas vagas, ele escreve uma coluna ; na máquina de datilografar ; e artigos para um jornal de Carmo do Parnaíba (MG).
Namorador
Grande parte da família e dos amigos de Sinésio prestigiou a cerimônia de ontem. São 10 filhos, 14 netos, três bisnetos e cinco ex-mulheres. Aumentar a prole nunca foi problema para o policial. Ele teve seis esposas, além do que chama de ;concubinatos;. Uma das mulheres, Judite Falcão, permaneceu casada com Sinésio durante 34 anos, de 1950 a 1984. Até que se cansou do que chama de ;casinhos; do marido. ;Você sabe como são esses policiais, não podem ter uma brecha. Eu insisti durante muito tempo, até que os casos dele ficaram insustentáveis para mim. Mas hoje somos muito amigos. Por isso estou aqui para homenagear o pai dos meus cinco filhos;, afirmou Judite. Para os filhos, Sinésio é um exemplo de vida. ;Meu pai sempre foi preocupado em aprender sobre a vida e sempre passou isso para a gente. Isso só nos fez bem;, diz o filho Carlos Falcão, 56 anos, técnico em eletricidade.
A atual mulher de Sinésio, Clarice Rocha do Amaral, 63 anos, conheceu-o há 15 anos, quando ele tinha 85 e ela 48. Clarice morava em Carmo do Parnaíba e ligou para a Rádio Nacional para tentar localizar um irmão desaparecido. Clarice pediu no ar ao locutor que divulgasse seu número de telefone. Mesmo sem ter nenhuma informação sobre o paradeiro do parente da mulher, Sinésio se encantou pela voz de moça de Clarice e foi atrás dela. ;Ele me ligou e marcamos um encontro. Sinésio saiu de Brasília e foi até Minas para me conhecer. Depois nunca mais foi embora. Ele chegou determinado a me conquistar e conseguiu;, lembra a esposa. A persistência e a solidariedade são duas das características ressaltadas por quem conhece Sinésio. ;Ele é um homem de ferro, com coração de diamante;, definiu o vice-presidente da Associação dos Policiais Civis Aposentados e Pensionistas do DF, João Ferreira Pimenta.
A receita para viver saudável e lúcido até depois dos 100 anos? Sinésio garante que não existe nada melhor do que jogar futebol, torcer pelo Corinthians, não ficar bebendo em festas até o dia amanhecer e namorar bastante. ;Sempre tive muito amor por esse tronco velho aqui. Nunca fui de viver na farra e comer mal. Gosto do meu arroz com feijão e bife. Mas nunca fui de abusos;, explica. ;Há oito meses, fiquei de cama. Antes disso, ainda batia um bolão no futebol;, garante.