Cidades

Encontro de ossada reforça suspeita de ação de grupo de extermínio

Renato Alves
postado em 18/09/2009 15:32
[SAIBAMAIS]O Instituto Médico Legal (IML) de Formosa deve terminar, até o fim do dia (18/9), o exame da ossada resgatada em um poço abandonado em terreno baldio, com 12m de profundidade, na periferia do município de 90 mil habitantes a 79km de Brasília. Ontem, policiais e bombeiros retiraram o tronco e os membros inferiores. Na manhã de hoje, eles localizaram o crânio e os membros superiores. Os investigadores acrediram que os restos mortais são de um fazendeiro da cidade desaparecido há seis meses.

O local foi apontado por um dos acusados de envolvimento no caso, preso há três meses. Ele confessou o sequestro da vítima. Diz ter feito isso a mando de outra pessoa e com participação de um segundo homem, o autor dos disparos que teriam matado o produtor rural. As identidades são mantidas sob sigilo, mas agentes e delegados trabalham com a hipótese de participação de policiais militares suspeitos de integrar um grupo de extermínio.

José Eduardo Ferreira, 56 anos, que também é médico veterinário, foi visto pela última vez em 10 de março, quando saiu de casa pela manhã para visitar duas lojas de produtos agropecuários em Cabeceiras de Goiás, a 70km de Formosa. Retornaria à sua fazenda no mesmo dia. Desde então, os parentes não têm mais notícias dele. Policiais civis encontraram o carro de José Eduardo abandonado perto do Setor Vale do Amanhecer, área rural de Formosa.

O Fiat Uno estava com as portas abertas, sem ninguém dentro. Moradores afirmaram à polícia ter visto um Fox e um Astra, ambos brancos, perto do Uno. Nenhum Fox ainda foi apreendido. No entanto, um Astra igual ao usado no rapto foi encontrado em poder de um soldado da PM goiana. Ele alega ter comprado o veículo de João Batista Brandão Amerces, 36 anos, o homem preso sob acusação de participação no sumiço e provável assassinato do fazendeiro.

Em depoimento, testemunhas contaram ter presenciado José Eduardo reagir à abordagem de quatro homens e saído do bagageiro do Astra em uma tentativa de fuga. Elas reconheceram João Batista como o motorista do veículo. Contaram que João correu atrás de José Eduardo. João agrediu o fazendeiro e o colocou de volta no Astra, ainda segundo testemunhas.

Com base nas informações, a Polícia Civil de Formosa prendeu João e América Cristina Gontijo de Sousa, 29, em 24 de março, por ordem da Justiça goiana. Os dois estão no cárcere da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), em Goiânia, desde 25 de março. No boletim de ocorrência, o filho caçula do fazendeiro, Fernando Henrique Ferreira, 25, disse que o pai esteve no dia do desaparecimento em um bar de Cabeceiras bebendo com amigos. Lá, o fazendeiro teria recebido a ligação de uma mulher e combinado de se encontrar com ela em Formosa. Para a polícia, trata-se de América de Sousa, que se apresentava como policial civil, sem nunca ter sido.

Escavações
No fim da tarde de quinta-feira (17/9), policiais da Deic, agentes da delegacia de Formosa e bombeiros militares foram ao Parque União, bairro afastado do centro da cidade, conferir a informação passada por João após uma série de interrogatórios. O poço fica perto da casa de João. Como se tratava de local ermo, o delegado Douglas Pedrosa, titular da Deic, suspendeu a escavação assim que escureceu, após retirada do tronco e membros inferiores que ele têm certeza se tratar do fazendeiro desaparecido. "Além se tratar do local exato apontado por João (o acusado), familiares da vítima estiveram no local e reconheceram a bota encontrada no poço como sendo a que ele usava", contou.

João segundo o delegado, confessou a participação no sequestro e desova do corpo do fazendeiro, mas nega que tenha cometido assassinato. "Ele fala em um mandante, mas ainda não disse quem é. Vamos ouvi-lo hoje, aqui em Goiânia, mas não acreditamos que assuma mais nada, pois está orientado por advogado", afirmou Douglas Pedrosa. O delegado disse ainda que João e América foram indiciados por homicídio qualificado e sequestro. "A denúncia já está com o Ministério Público de Goiás", informou. América nega qualquer envolvimento no caso. "O mais importante, nesse momento, é o corpo, pois sem corpo não há crime. Eles não poderiam ser condenados nem por sequestro, pois o sequestro estaria em andamento", destacou o delegado.

Agora, a polícia goaina se concentra na busca aos demais envolvidos no sumiço e provável assassinato de José Eduardo, principalmente o mandante. Os agentes têm certeza que o Astra branco apreednido com um PM lotado em Formosa e retido na Deic, em Goiânia, é o mesmo usado no crime. A fechadura do porta-malas do veículo tinha sinais de arrombamento no lado interno, o que, para os investigadores, indica que a vítima começou a bater para tentar fugir, antes de ser executada.

Mortes em série
Conforme revelou série de reportagens publicadas pelo Correio Braziliense em maio deste ano, policiais militares são responsáveis por 20% dos homicídios registrados em Formosa. Eles admitem ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas no ano passado. Outros cinco casos ocorreram no segundo semestre de 2007. Os PMs alegam confrontos com bandidos armados. A maioria das vítimas não respondia por delitos graves e morru com ao menos um tiro na cabeça.

Em quase nenhuma suposta troca de tiros houve moradores como testemunhas. Nenhum dos casos em que os PMs aparecem como autores é investigado por agentes do município. O Ministério Público goiano (MPGO) e a Polícia Civil abriram investigações sigilosas na capital do estado.

Na mesma época das seis mortes assumidas pelos PMs, jovens e adolescentes acabaram executados com tiros na cabeça por homens encapuzados. Outro caso igual ocorreu em fevereiro último. Em todos, os autores agiram em dupla. Vestidos de preto, usaram pistolas, armas idênticas às restritas à polícia e às Forças Armadas. Esses assassinatos também não chegaram a ser investigados em Formosa.

Até o major Ricardo Rocha Batista assumir o batalhão de Formosa em agosto de 2007, o município não registrava mais que uma morte cometida por PM por ano. Nem havia presenciado ação de encapuzados. Antes de Formosa, o major esteve em Rio Verde (GO), onde é acusado de executar cinco condenados que haviam fugido da cadeia e de matar com cinco tiros um homem desarmado.

O motivo do sumiço de José Eduardo é um mistério. Agentes de Formosa descobriram apenas que a vítima tinha uma dívida de R$ 35 com outro fazendeiro da cidade, rica por causa da atividade agrícola. Há três meses, grandes produtores rurais lideraram uma manifestação em favor da PM e do secretário de Segurança Pública de Goiás, Ernesto Roller. Deputado estadual pelo PP, ele se recusa a dar entrevista sobre a matança em Formosa, sua terra natal e base eleitoral.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação