Cidades

MP recorrerá da decisão do TJ, que entendeu que Timponi não deve responder por homicídio com dolo eventual

A acusação espera reverter a qualificação do crime e mandar o acusado a júri popular

Helena Mader
postado em 19/09/2009 08:00
O destino do ex-professor de educação física Paulo César Timponi ; acusado de provocar, em 2007, o acidente da Ponte JK no qual três mulheres morreram ; será decidido pelo Superior Tribunal de Justiça. Em no máximo 15 dias, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) vai recorrer contra a decisão da 1; Turma Criminal do Tribunal de Justiça (TJDFT) que livrou o réu do júri popular. A corte superior tem sido mais rigorosa em relação aos delitos no trânsito. Na maioria dos casos semelhantes que chegaram recentemente ao STJ, os ministros acataram a tese de dolo eventual e mandaram os acusados para o Tribunal do Júri. O grande problema é que esses processos são longos e a decisão final pode levar quase uma década. Timponi foi solto na última quinta-feira e deixou o Complexo Penitenciário da Papuda às 23h40, depois de 17 meses detido.

A liberação do réu ocorreu poucas horas depois de a 1; Turma Criminal do TJDFT determinar que ele deve ser julgado por homicídio culposo ; quando não há intenção de matar. A decisão de quinta-feira foi favorável à defesa do acusado, que recorreu contra o posicionamento da primeira instância do TJ, segundo a qual havia dolo (quando o acusado assume o risco de matar). O processo será remetido à Vara de Trânsito de Brasília e ; caso não haja novas mudanças ; Timponi poderá ser condenado à pena máxima de quatro anos de reclusão.

Para o promotor do Tribunal do Júri Maurício Miranda, a chance de conseguir reverter esse resultado no STJ é grande. ;Mas, infelizmente, no nosso sistema Judiciário, a quantidade de recursos protela demais os julgamentos. No caso Cadu, que é muito semelhante ao processo do Timponi, o pai da vítima entrou na faculdade de direito, formou-se advogado e ainda teve tempo de atuar como assistente de acusação no júri dos acusados;, destaca Miranda. ;Mas, ao final, os responsáveis foram para o banco dos réus por decisão do STJ e acabaram condenados;, acrescentou o promotor.

O caso a que Maurício Miranda se refere ocorreu em 1999. Carlos Augusto Dias Lins, o Cadu, andava de bicicleta no acostamento da pista do Lago Norte, quando foi atropelado e morto por um motorista que participava de um racha. O garoto tinha 17 anos. O trâmite desse processo foi idêntico ao caso Timponi: um juiz de primeira instância mandou os acusados a júri popular, mas os desembargadores da segunda instância desclassificaram a denúncia. O MP recorreu ao STJ e os ministros concordaram com a tese de que os motoristas Paulo Rogério Veras e Rodrigo de Lima Padilha assumiram o risco de matar ao participarem do pega. Em 2006, o júri decretou pena de seis anos em regime semiaberto para cada um.

O juiz federal aposentado Pedro Paulo Castelo Branco, professor de direito penal da Universidade de Brasília, discorda do posicionamento da 1; Turma Criminal do TJDFT. ;Um motorista que pratica racha ou dirige em altíssima velocidade pode não querer matar, mas assume o risco. Por isso, nesses casos, deve-se falar em homicídio doloso. Essa corrente está arraigada no Brasil, inclusive no STJ;, explica.

Pioneirismo
O Superior Tribunal de Justiça foi a primeira corte do Brasil a mandar um motorista envolvido em acidente de trânsito para o banco dos réus. A colisão ocorreu em 1996, na rodovia MG-126.

O médico Ademar Pessoa Cardoso e o industrial Ismael Kller Loth disputavam um racha quando o carro de um deles atingiu um fusca. Cinco pessoas da mesma família morreram na hora.

Os ministros do STJ entenderam que houve dolo eventual e os acusados foram a júri popular em maio de 2005. A pena: 12 anos e nove meses de prisão para cada um, em regime fechado. Antes da apelação à corte superior, a primeira instância havia mandado o processo para o Tribunal do Júri, mas depois os desembargadores do TJMG reclassificaram o crime como homicídio culposo.

Apesar desses resultados, os ministros do STJ não são unânimes sobre o assunto. Em maio de 2006, a 6; Turma do STJ livrou desse tipo de julgamento um homem acusado de provocar um acidente quando estava embriagado e sob efeitos de medicamentos. O crime ocorreu em Florianópolis e o réu conduzia a 130km/h quando se chocou contra o veículo das duas vítimas.

Segundo o ministro relator do caso, Paulo Medina, não se deve decidir contra o réu se há dúvidas consistentes. ;A existência de dolo eventual não se limita à previsão do resultado. Na culpa consciente, o agente pode até prever o resultado, mas acredita, sinceramente, que o evento lesivo não ocorrerá.;

Sobre a possibilidade de recurso ao STJ, Ticiano Figueiredo, um dos advogados de Paulo César Timponi, diz que o Ministério Público deveria atender antes as recomendações do Tribunal de Justiça. A desembargadora Sandra de Santis, presidente da 1; Turma Criminal e que votou favoravelmente ao réu, determinou que o MP apure supostas falhas na investigação. A defesa questiona o laudo produzido pelo Instituto de Criminalística e a informação da polícia de que Timponi estaria a 130km/h no instante do acidente. ;Antes de pensar em recurso, o MP deveria se preocupar em apurar as graves irregularidades do processo;, destacou Figueiredo.

; O protesto das famílias

Ontem de manhã, familiares das três mulheres que morreram no acidente provocado por Timponi ; Cyntia Cysneiros de Assis, 34, e as irmãs Altair Barreto de Paiva, 53, e Antônia Maria Vasconcelos, 49 ; fizeram um protesto na Ponte JK contra a decisão da 1; Turma Criminal do TJDFT. Eles contaram com a presença de parentes de vítimas de outras tragédias de trânsito. ;Quem perde com esse resultado não somos apenas nós, familiares, mas toda a sociedade. Três vidas valem muito mais do que meia dúzia de cestas básicas;, lamentou o viúvo de Antônia, Luiz Cláudio Vasconcelos.

; Outros casos

Veja processos semelhantes ao do acidente da Ponte JK

Caso Cadu
Em 1999, Carlos Augusto Dias Lins, 17, voltava para casa de bicicleta no Lago Norte, quando foi morto por um motorista que participava de racha. O STJ mandou os envolvidos no pega a júri popular, que os condenou a seis anos de cadeia em regime semiaberto.

Caso Gutão
Em 2004, Francisco Augusto Nora Teixeira, 29, o Gutão, trafegava pela Ponte JK, quando uma Mercedes colidiu contra seu carro. Ele morreu na hora. O TJ decidiu mandar o acusado a júri popular. MP e defesa apelaram ao STJ ; um pelo agravamento da qualificação; a outra, pelo contrário. Os recursos ainda têm de ser analisados.

; Sem permissão para dirigir

A carteira de motorista de Timponi está apreendida desde abril de 2008. Em outro caso, o acusado de provocar o primeiro acidente fatal na Ponte JK teve negado o pedido para voltar a conduzir carros

Helena Mader e Adriana Bernardes

Apesar de ter garantido o direito de responder em liberdade, Paulo César Timponi ainda não poderá voltar a dirigir. A carteira de habilitação do ex-professor de educação física foi apreendida pelo Departamento de Trânsito em abril do ano passado. O Detran se baseou no artigo 160 do Código de Trânsito Brasileiro (leia O que diz a lei) para aplicar a medida administrativa. De acordo com a legislação, os agentes podem apreender o documento do motorista envolvido em acidente grave até que ele realize novos exames. (1)Nesses casos, as provas e os testes são os mesmos aplicadas aos candidatos à primeira habilitação. Antes disso, porém, o motorista tem amplo direito à defesa.

O diretor de Controle de Veículos e Condutores do Detran, coronel Admir Santana, informou que Timponi ainda não entregou nenhum recurso ao Detran. Enquanto isso não acontecer, o documento continua apreendido. ;Da nossa parte fica como está. Se houver decisão judicial suspendendo ou cassando o direito de dirigir, prevalece a decisão judicial;, disse.

Segundo Ticiano Figueiredo ; que, com Eduardo Toledo, advoga para T;mponi ;, seu cliente ainda não discutiu esse assunto. ;De qualquer forma, a carteira dele está vencida. Será preciso fazer os exames de renovação antes de ele poder fazer qualquer requisição ao Detran para voltar a dirigir;, afirmou o defensor. Timponi está em casa, no Lago Sul, desde que foi solto. Ele é acusado de provocar um acidente em 6 de outubro de 2007 na Ponte JK. Conduzia um Golf e bateu em um Corolla. Três mulheres que estavam no segundo carro perderam a vida.

Ir e vir
Outro réu envolvido em acidente de trânsito que está proibido de dirigir até hoje é o estudante Rodolpho Félix Grande Ladeira. Em janeiro de 2004, ele se envolveu na primeira colisão com morte na Ponte JK. De acordo com a perícia da Polícia Civil, Ladeira conduzia a Mercedes Benz a 165km/h. Também há indícios de que participava de um pega antes de atingir a traseira do veículo de Francisco Augusto Nora Teixeira, o Gutão, que morreu na hora.

Rodolpho está com a carteira de habilitação suspensa por tempo indeterminado por decisão da Justiça. Ele recorreu ao Superior Tribunal de Justiça para reaver o documento. A defesa alegou que a medida fere seu direito de ir e vir. Ontem, o STJ negou o pedido. O relator do caso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, disse que a defesa de Rodolpho não procura garantir o direito de locomoção do acusado,apenas o de dirigir.

O acusado de provocar o acidente que matou Francisco Augusto não perdeu o direito de conduzir por causa da colisão na Ponte JK. Ele tinha um longo histórico de imprudências. Treze dias após a morte do advogado, o estudante dirigia um Honda Civic e bateu em dois carros parados na W4 Sul. Em 2003, Rodolpho já havia destruído um poste de iluminação pública ao atingi-lo com um Marea. No ano anterior, o motorista arrebentou uma BMW ao atingir um Fiesta estacionado no Pier 21 ; a motorista do veículo quebrou as costelas.

[SAIBAMAIS]O irmão de Francisco, Carlos Henrique Teixeira, trabalha como assistente de acusação no caso. Ele ficou decepcionado com o andamento do caso Timponi. ;É inconcebível que uma pessoa que participa de um racha pegue penas irrisórias. Espero que no caso do meu irmão, o acusado vá a júri popular;, comentou Teixeira. No caso de Gutão, advogado que tinha 29 anos quando morreu, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) decidiu, em primeira e segunda instâncias, mandar o acusado a júri popular. O MP apelou ao STJ pedindo que o caso fosse classificado como homicídio doloso qualificado. A defesa recorreu e os ministros ainda têm de julgar os recursos.

1 - Testes e aulas
Para obter a carteira nacional de habilitação, o candidato precisa fazer exame de sanidade física e mental, além de avaliação psicológica. Depois, é necessário seguir as aulas teóricas no Centro de Formação de Condutores do Detran. Se aprovado nessa etapa, o candidato faz as provas práticas de direção.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação