Cidades

Financeiras questionam validade de registro cobrado pelo Detran

Financeiras questionam a validade do registro de contrato de financiamento e anotação do gravame pelo Detran, que custa ao consumidor R$ 208,40. Para elas, é necessária a chancela dos cartórios

Adriana Bernardes
postado em 25/09/2009 07:15

Paulo César se surpreendeu ao saber que pagaria mais uma taxa para o Detran, na compra de um carro zeroEsta semana, o policial militar Paulo César Neres, 32 anos, comemorou a compra de um carro zero. Financiou o veículo em 60 meses e, ao assinar o contrato, foi surpreendido com uma taxa de R$ 208,40. ;Me explicaram que é uma taxa nova do governo e perguntei: Mais uma?; A taxa não é nova. A diferença é que, anteriormente, era paga aos cartórios. Agora, vai direto para o caixa do Departamento de Trânsito (Detran) e refere-se ao registro do contrato de financiamento do carro e à anotação do gravame (1)no Certificado de Registro do Veículo (CRV). Geralmente, o valor é incluído no bolo de despesas com despachante e o consumidor nem percebe. Mas uma mudança na legislação tem provocado polêmica e pode acabar em gasto extra para o consumidor (leia Entenda o caso).

Em reunião no auditório do Detran na semana passada, representantes dos agentes financeiros questionaram a validade do registro do contrato de alienação pelo Detran em caso de ação judicial para retomada do bem. ;Para nos resguardarmos, teremos que fazer dois registros: o do Detran e outro no cartório. É despesa em dobro. Ou bancaremos o custo ou repassaremos para o comprador;, comentou um dos representantes que alegou ao Correio que não poderia dar entrevista sobre o assunto. Outro empresário completou. ;Temos que ter garantias de que o registro do Detran tem o mesmo valor jurídico do que era feito pelos cartórios. Do contrário, não se justifica a cobrança desse valor cobrado pelo Detran.;

O diretor de Controle de Veículos e Condutores do Detran, coronel Admir Santana, rebateu a crítica dos agentes financeiros. Garantiu que o órgão realiza, agora, o mesmo serviço antes feito apenas pelos cartórios.;É o mesmo serviço. Se vocês pagavam para os cartórios, não entendo porque estão reclamando de pagar para o Detran. Não pedimos para fazer esse serviço. Estamos apenas cumprindo uma resolução do Contran. Se os senhores discordam, deverão questionar e propor mudanças junto ao Denatran;, sugeriu.

Controvérsia
O assunto é controverso até no meio jurídico. A dúvida sobre a obrigatoriedade de registro do contrato é provocada por duas leis federais em vigor: a de n;. 10. 406/02 e a de n; 11.882/08 (leia O que diz a lei). Advogados ouvidos pelo Correio têm opiniões diferentes. Para Diogo Machado de Melo, mestre e doutorando em Direito Civil pela PUC de São Paulo, a Lei n; 11.882/08 acabou com a obrigatoriedade de registro do contrato. Sob esse ponto de vista, o consumidor estaria tendo um gasto desnecessário. ;O registro do contrato é um cuidado extra. Mas não é obrigatório. Se a opção é pelo registro, os interessados devem entrar num acordo sobre quem arca com a despesa ;, sugere.

Na opinião de Jacque Veloso, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Distrito Federal, os contratos de alienação devem, sim, ser registrados. Para ele a obrigatorieade está no Código Civil (Lei Federal n; 10.406). Segundo ele, as leis tratam de coisas diferentes. O Código Civil diz respeito ao contrato em si. Ou seja, da relação entre a instituição financeira e o cliente. A Lei 11.882 fixa que basta a anotação no certificado para que ninguém possa ignorar a existência da alienação do bem. ;Resumindo, o contrato deve ser registrado para gerar efeito entre as partes contratantes. E a anotação do gravame gera efeito perante terceiros;, diz.

Por meio da assessoria de imprensa, a Coordenação Jurídica do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), ao qual o Contran está subordinado, informou que a Resolução 320 refere-se ao registro exigido pelo Código Civil. A previsão de registro de contrato está no parágrafo 1; do artigo 1.361 (veja o que diz a lei). Explicou ainda que o registro do contrato de veículos pelos órgãos de trânsito não é o registro público, conforme previsto na Constituição Federal e que garante publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. O registro feito nos departamentos de trânsito serve apenas para garantir a existência de um contrato, pelo qual o veículo foi dado em garantia.

Durante dois dias o Correio tentou entrevistar a direção da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef). No fim da tarde de ontem, a assessoria de imprensa da entidade informou que nenhum dos seus diretores comentaria o assunto. O argumento é que a resolução do Contran é recente e todos os seus pontos ainda estão sendo discutidos com os associados.

Só um aviso
Gravame é a anotação, no campo de observação do CRV e do CRLV, de que o veículo é financiado.



Consumidor paga a conta
Polêmicas à parte, o fato é que o consumidor continua arcando com os custos do registro do contrato de finaciamento de veículos alienados. O dinheiro cai direto nos cofres do Departamento de Trânsito (Detran). O órgão não informou quanto arrecadou com a taxa desde que assumiu o serviço, antes feito pelos cartórios. Mas o Correio apurou que o valor pode chegar a R$ 40 milhões entre 18 de abril e agosto deste ano. O órgão de trânsito não confirma o valor e nem informa quanto desse total já entrou para os cofres da autarquia.

Uma fonte garantiu que a maioria das financeiras não pagou os registros feitos entre 18 de abril e 23 de agosto, apesar de o valor ter sido cobrado do cliente. Isso teria ocorrido porque nesse período o Detran não tinha um sistema que emitisse os boletos para pagamentos. ;As financeiras ficaram quietas. Mas temos controle de todos os registros. É só cobrar;, garantiu.

Os boletos só começaram a ser emitidos a partir de 24 de agosto. Para cada pedido de registro era emitida uma cobrança. As empresas alegaram que a cobrança por serviço era inviável. ;Atendendo aos pedidos, vamos juntar os serviços feitos durante o mês e emitir um único boleto. As financeiras fazem o pagamento até o quinto dia útil do mês subsequente;, explicou o diretor de Controle de Veículos e Condutores do Detran, coronel Admir Santana.

Na reunião da semana passada, em que o Detran explicou as regras da Instrução de Serviço 218/09(1), um dos representantes das financeiras chegou a dizer que apresentaria um pedido conjunto para que o Detran não cobrasse o serviço realizado entre 18 de abril e 23 de agosto, quando ainda não era emitido o boleto. ;Isso está fora de questão. Fizemos o serviço e vamos cobrar por ele. Vocês sempre paragaram para os cartórios. Não há porque não pagar agora;, afirmou Admir Santana.


A regra
A Instrução de Serviço (IS) 218/09 foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal no dia 9 deste mês. A instrução obriga a financeira a se cadastrar no Detran até o fim de outubro. Ao fazer o cadastro, elas recebem um código de acesso ao sistema do Detran que possibilita o pedido de registro do veículo e lançamento do gravame em tempo real. Quem não se recadastrar até o fim de outubro, não receberá o documento do veículo financiando, não podendo entregá-lo ao cliente. O mesmo vale para as financeiras que não pagarem ao Detran pelo serviço prestado.


ENTENDA O CASO
No DF, todos os contratos de financiamento de veículos e o lançamento do gravame no sistema nacional eram feitos pelos cartórios, por meio de um convênio com o Departamento de Trânsito (Detran). Mas a Lei Federal 11.882/08, em vigor desde 23 de dezembro, anulou todos os convênios entre cartórios e os órgãos de trânsito competentes para o licenciamento de veículos. Os cartórios de Brasília conseguiram uma liminar que garantiu a manuntenção do convênio até 17 de abril último. A partir de 18 de abril, o Detran assumiu o serviço e manteve o mesmo valor cobrado pelos cartórios. O registro de contrato de financiamento de veículos de quatro rodas custa R$ 208,40 e, para os de duas rodas, a taxa é de R$ 103,50.


O QUE DIZ A LEI
O artigo 6; da Lei Federal n; 11.882/08 estabelece que anotar no certificado de registro de veículo que ele está alienado tem efeito probatório contra terceiros e dispensa qualquer outro registro. Mas o texto do parágrafo 1; do artigo 1.361 do Código Civil Brasileiro, de 2002, define que constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento. É com base nesse parágrafo que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou a Resolução 320, que normatiza o registro do contrato de veículos alienados e o lançamento do gravame no Certificado de Registro de Veículo (CRV) por parte dos órgaos executivos de trânsito.



FRASE
"Se vocês pagavam para os cartórios, não entendo porque estão reclamando de pagar para o Detran. Não pedimos para fazer esse serviço. Estamos apenas cumprindo uma resolução do Contran"

Coronel Admir Santana, diretor de Controle de Veículos e Condutores do Detran

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação