Os templos religiosos do Distrito Federal terão que diminuir o volume de cultos e missas. Assim como bares e casas noturnas, as igrejas que usarem música ou som altos deverão contar com isolamento acústico adequado. Fiscais do governo local poderão multar ou embargar os equipamentos de som dos templos que não tiverem adequados às regras. As multas variam de R$ 200 a R$ 20 mil. No DF, existem pelo menos cinco mil igrejas.
A Lei Distrital n; 4.092, que vale desde o ano passado e trata sobre a poluição sonora no DF, abria uma brecha para as igrejas. A norma exige que ambientes internos, em caso de atividade sonora potencialmente poluidora, precisam de tratamento acústico, ;exceto os de natureza religiosa;. Em fevereiro deste ano, porém, o Ministério Público do DF (MPDFT) entrou na Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) pedindo a retirada da expressão que dispensava os templos religiosos do isolamento de som. Na última terça-feira, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF (TJDFT) julgou procedente a Adin. Por maioria de votos, os desembargadores decidiram que esse trecho da lei é inconstitucional.
O MP alegou que a exceção da lei distrital fere o princípio da igualdade exigido pela Constituição. Ela contraria ainda a Lei Orgânica do DF, que diz que as normas de preservação ambiental quanto à poluição sonora serão estabelecidas de acordo com o local e a duração da fonte, independentemente da atividade desenvolvida pelo estabelecimento. A Câmara Legislativa, autora da lei, e o GDF ainda podem recorrer da decisão do TJDFT. Caso contrário, a regra passa a valer assim que o acórdão for publicado.
Reclamações sobre poluição sonora são maioria entre o total de queixas registradas pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram) ; de janeiro a abril deste ano, foram 327 denúncias de som alto e 200 queixas relacionadas a outros assuntos. Moradores da Quadra 103 de Águas Claras engrossam as estatísticas. Muitos estão insatisfeitos com a intensidade do som da igreja batista que funciona ali. O biólogo Helder Bonfim, 41 anos, tem dificuldades para dormir enquanto os cultos não acabam. ;Tem dia em que o culto vai até as 23h com bateria tocando. Eu tenho uma bateria em casa, mas não toco porque sei que incomoda os outros;, comentou.
Janelas fechadas
A estudante Maíra Vilela, 28 anos, mora no primeiro andar do prédio que divide muro com a igreja e também vive com as janelas fechadas. ;Parece que o culto é aqui dentro. Os piores dias são quinta, sábado e domingo. O barulho é bem alto, tanto da música quanto do culto em si;, disse. A supervisora da igreja, Maria Elizabete Portugal, explicou que os cultos não passam das 22h e parte dos ensaios musicais acabou. ;Eles (músicos) não ensaiam mais aqui. Temos louvor na sexta-feira à noite, mas as pessoas tomam cuidado com o barulho;, disse.
O vice-presidente da Igreja Batista Central de Brasília, o pastor Ricardo Espíndola, defendeu o uso de isolamento em igrejas mantidas em áreas residenciais, contíguas a outras casas. ;Temos que servir à comunidade, não incomodar;, comentou. No entanto, ele acredita que algumas igrejas menores não terão condições de arcar com os custos da obra e precisarão diminuir o volume dos encontros.
Fiscalização
Antes da decisão da Justiça, as igrejas não eram obrigadas a ter isolamento acústico, mas tinham que respeitar os níveis de barulho estabelecidos pela lei. A intensidade máxima do som varia de acordo com a destinação do setor onde funciona o templo (veja quadro). ;A igreja pode ser autuada como qualquer outro estabelecimento. Pode continuar funcionando, mas a fonte de emissão sonora é interditada;, explicou o presidente do Ibram, Gustavo Souto Maior. O órgão tem apenas três fiscais para conferir as queixas de poluição sonora no DF.
Com a mudança da lei, a renovação do alvará dos templos religiosos só será feita se o estabelecimento comprovar o tratamento acústico. O trabalho das administrações regionais será exigir um laudo técnico antes de fornecer a documentação. Este ano, o Ibram interditou um templo na Estrutural, que promovia cultos até as 4h, e outro no Sudoeste.
O número
R$ 2o mil
Valor máximo da multa para os templos que não se enquadrarem na nova determinação.
Saúde afetada
O barulho em alguns templos se iguala ao de uma grande indústria e, em certos casos, chega a ser prejudicial à saúde. O diretor do curso de física da Universidade Católica de Brasília (UCB), Sérgio Garavelli, orientou a medição do som de algumas igrejas em 2007 e chegou a resultados alarmantes. Duas delas ultrapassaram o nível de 90 decibéis em ambiente interno ; a passagem do metrô marca 100dB e uma rua com trânsito pesado pode chegar a 90dB. Durante as celebrações nos locais pesquisados, o valor mais baixo encontrado foi de 88,1dB. Pessoas que trabalham em ambientes com mais de 90dB precisam usar equipamentos de proteção para evitar danos à saúde.
Quando o som está acima de 65dB, começam os primeiros transtornos. Aumentam o batimento cardíaco e o nível de adrenalina no organismo. ;Isso provoca principalmente estresse, que, a longo prazo, pode prejudicar no sono. A pessoa fica incomodada para descansar, estudar, dormir ou ver televisão;, explicou Garavelli. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) determina que o som até 40dB é confortável para cultos religiosos ; o limite aceitável é de 50dB. A lei do DF alega que a poluição sonora acima de 80dB pode provocar úlcera, irritação, desequilíbrios psicológicos, derrame cerebral e perdas auditivas, entre outros problemas.
A solução para o som alto é o isolamento acústico dos edifícios. Segundo Garavelli, em prédios em construção, o valor representa 5% do custo da obra e, nos já prontos, até 20%. Uma empresa consultada pelo Correio informou que um isolamento acústico médio custa cerca de R$ 65 por metro quadrado. (ET)