Renato Alves
postado em 06/10/2009 08:45
O Ministério Público de Goiás (MPGO) vai exigir o atendimento adequado às 21 pessoas portadoras de xeroderma pigmentoso moradoras de um vilarejo de Faina, a 510km de Brasília. O drama desses cidadãos, esquecidos pelo Estado, foi revelado pelo Correio nas edições de ontem e domingo. Em função da doença genética rara, eles têm uma pele hipersensível à luz. Qualquer contato com raios ultravioletas lhes causa câncer. Mas, por morar em uma região quente, não ter aposentadoria, instrução, dinheiro e acompanhamento médico ideal, passam a maior parte da vida expostos ao sol, pois sobrevivem da agricultura e pecuária. Com a retirada dos tumores, acabam mutilados.Ao tomar conhecimento da situação dessa gente, por meio das reportagens do Correio, o promotor de Justiça Marcelo Celestino, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Cidadão do MPGO, decidiu cobrar explicações das Secretarias de Saúde de Faina e de Goiás. ;O assunto é novo para nós. Vamos fazer um levantamento do caso, dos doentes. Queremos saber detalhes da enfermidade e, acima de tudo, como essas pessoas são atendidas pelo município e pelo estado de Goiás. Se houver omissão, ajuizaremos ações contra os responsáveis.; Ele quer as repostas até segunda-feira.
O prefeito de Faina, Caio Curado (PMDB), e a representante da Secretaria de Saúde de Goiás, Graça Ribeiro, admitiram não ter o levantamento esperado pelo MPGO. ;Soube disso há umas duas semanas;, garantiu o prefeito, em meio à promessa de enviar, até sexta-feira, uma equipe médica ao povoado de Araras, onde moram os doentes. Superintendente de Atenção à Saúde de Goiás, ela afirmou ter tomado conhecimento do fenômeno de Araras por meio do jornal, assim como o Ministério da Saúde, que, em nota oficial, informou que ;solicitará ao Instituto Nacional de Câncer o envio de uma equipe técnica ao povoado de Araras, para avaliar a situação das vítimas do xeroderma pigmentoso;.[SAIBAMAIS]
O Ministério anunciou que ;discutirá, com a Secretaria de Saúde de Goiás, alternativas para promover a prevenção e o tratamento das vítimas da doença;. Graça Ribeiro também comunicou o envio de uma equipe da Secretaria de Saúde ao vilarejo, mas quando o atendimento ocorrerá. A superintendente garantiu que os doentes têm direito a bloqueador solar e transporte gratuito para exames e cirurgias. ;O protetor solar eles podem pedir à Secretaria de Saúde. Eles também têm direito às vans do Transporte Solidário, na Regional de Saúde, na Cidade de Goiás;, ressaltou. O município em questão, mais conhecido como Goiás Velho, fica a 115km de Araras.
Sem informação
Os habitantes do lugarejo não sabem dos seus direitos porque não foram informados sobre eles. Nunca receberam a visita de autoridade municipal, estadual ou federal preocupada com o fenômeno da doença. Nos últimos 50 anos, 20 pessoas da comunidade morreram, comprovadamente, em decorrência do xeroderma. Araras tem posto de saúde. Mas, sem aparelho, remédio, enfermeiro, dentista ou médico, só abre uma vez por mês, quando recebe um clínico-geral. O profissional faz apenas exames e escreve receitas aos doentes do vilarejo. As farmácias mais próximas ficam a 50km, nas cidades de Faina e Matrinchã.
No entanto, os moradores de Araras não têm dinheiro para comprar os medicamentos receitados. Nem mesmo condições de se deslocar até as cidades. Deide Freire, 40 anos, por exemplo, não consegue sequer trocar a prótese colocada no rosto há 10 anos para substituir o nariz, olho e orelha perdidos na retirada do tumor derivado do xeroderma. ;O médico falou para eu trocar a prótese a cada dois anos, mas não tenho condições e o hospital não tem para me dar. Na clínica particular, ela custa uns R$ 6 mil.;
Efeitos
O paciente com xeroderma tem o risco de desenvolvimento de câncer de pele aumentado em mil vezes, e a incidência de cânceres internos, em 15 vezes. Cerca de 80% dos indivíduos com a doença apresentam alterações oftalmológicas que incluem fotofobia, conjuntivite, opacidade da córnea e o desenvolvimento de tumores oculares.
Como ajudar
Quem quiser ajudar os doentes do vilarejo de Araras deve ligar para Gleice no telefone público do povoado ; (62) 3391-1174 ; ou mandar correspondência em nome dela para Av. João Artiga, 815, Centro, Mantrixã, Goiás, CEP 76.740-000.
Sofrimento sob o sol
O lavrador José Carlos Machado (foto ao lado), 73 anos, retrata o abandono dos portadores de xeroderma pigmentoso que moram em Araras (GO). Ele só conseguiu a aposentadoria do governo federal por invalidez aos 45 anos, após mais de duas décadas trabalhando na roça sob o sol escaldante da região e de ter perdido quase todo o rosto por causa do surgimento acelerado de tumores.
José Machado nunca usou bloqueador solar. ;Eu sei que preciso passar protetor solar, moço, mas não tenho dinheiro para comprar;, justificou ao repórter. Ele também nunca teve dinheiro para comprar sapato ou tênis, essencial na proteção contra os raios ultravioletas. Muito menos conseguiu juntar o suficiente para uma prótese facial. Por isso, cobre com esparadrapos o que o tumor e os médicos lhe tiraram: o olho direito, o lábio superior e o nariz.
O doente é filho de um casal de primos. Daí a explicação para ele ter o xeroderma pigmentoso, uma doença recessiva, mais comum nos nascidos de casamentos consanguíneos (entre parentes), em que o risco de duas pessoas terem o mesmo erro genético é maior. Hoje, José Machado mora só, em uma casa sem acabamento a 5km do vilarejo de Araras.
Para conversar com os parentes e amigos, comprar o que precisa, marcar consultas e cirurgias ; essas realizadas em Goiânia, a quase 300km dali ;, ele se desloca a pé ou em lombo de burro entre a casa e o povoado. Quase sempre sob o sol quente, sem calçado, camisa comprida, óculos escuros ou protetor solar.