Cidades

Oficina de poesia para crianças faz sucesso na Biblioteca Nacional

Juliana Boechat
postado em 06/10/2009 08:37
Poesia e criança têm tudo a ver. Um poema não precisa conter rima rica, ter vários versos e exibir alta complexidade. Pode ser de apenas três linhas e expor qualquer tipo de sentimento, vontade ou pensamento da maneira concisa e direta. A única condição é estimular a criatividade e incentivar o gosto pela leitura e pela arte. Com essa teoria, a poeta brasiliense Paula Ziegler desenvolveu a Oficina de Poesia para Crianças. Durante 1h30 de aula, alunos de 6 a 10 anos têm liberdade para criar, cantar, desenhar, se divertir e ainda aprender um pouco sobre o haikai(1), estilo de poesia japonesa com apenas três versos. Ontem foi o primeiro dia de oficina. Mas o trabalho deve se estender até 9 de dezembro.

O aluno Danilo Nunes conta que um colega seu recitou um poema que o fez pensar em alegria. O projeto, desenvolvido em parceria com o Decanato de Extensão da Escola de Artes da Universidade de Brasília (UnB) e a Biblioteca Nacional de Brasília, incentiva a alfabetização e o gosto pela leitura e arte em crianças de 6 a 10 anos. ;Quero ampliar o projeto inicial e fazer com que artistas cheguem às escolas públicas e que as pessoas tenham prazer em frequentar a biblioteca e em ler poesia;, explicou Paula Ziegler. O haikai facilita o trabalho da criança em idade de alfabetização e faz com que ela se sinta à vontade para expressar a sensação do momento. ;Alguns adultos passam anos meditando para encontrar relação nos versos e escrever algo profundo. Na criança, este sentimento é natural;, detalhou.

Na oficina de Paula, a criançada manda. A partir dos interesses e vontades de meninos e meninas, ela trabalha o desenvolvimento da poesia com o auxílio de obras de arte e música. ;Queremos valorizar a criança. Em vez de enchê-la de informação, faremos com que ela fale, expresse sentimentos e sinta a própria personalidade;, explicou a poeta. Paula ensina as técnicas, mas não exige a métrica perfeita dos poemas. Fica satisfeita quando os pequenos versos são criados pelas crianças, e não copiados ou forçados por outra pessoa. Se encontra uma palavra errada ou com letra trocada, ensina a maneira certa. ;A criança escreveu errado, mas era a palavra que ela queria expressar. O interesse vem sempre dela(2);, avalia.

Tudo começou em uma escola classe na Candangolândia, em 1997. O resultado positivo surpreendeu Paula. A partir de então, ela procurou outros lugares para continuar o trabalho. Encontrou espaço na Universidade Federal da Paraíba, quando estava de férias no Nordeste. Encantada com o projeto, a coordenadora de extensão cultural local autorizou o início do trabalho da poetisa brasiliense pouco tempo depois. Durante os quatro anos seguintes, Paula levou a poesia e a alfabetização às crianças de seis municípios paraibanos. ;Fomos a regiões quilombolas, igrejas, escolas e trabalhamos com crianças em situação de risco e com cordelistas. Quando as portas se abrem, a gente aproveita;, lembrou.

Orgulhosa, Paula retira de uma pasta de plástico trabalhos de crianças da Paraíba e de Brasília, com quem trabalhou nos últimos anos (veja quadro). Desenhos acompanhavam algumas poesias quando o método de incentivo era a ilustração. Mas há outros estímulos. Desde abril, por exemplo, o estudante do curso de música da UnB Pedro Vaz auxilia no desenvolvimento das crianças com uma viola caipira. ;É a poesia em canção. A criança canta o poema que escreveu(3) e ainda conta com uma provocação e um estímulo para a criatividade;, explicou o aluno do segundo semestre do curso da universidade. Ele recita poesia, explica sobre os instrumentos utilizados e encaixa os poemas em ritmos famosos, como o baião, imortalizado de Luiz Gonzaga.

O ambiente bem estruturado e confortável do Espaço Infantil da Biblioteca Nacional encanta as crianças e surpreende Paula, acostumada a trabalhar em situações precárias no interior da Paraíba e em escolas públicas do Distrito Federal. ;Já aconteceu de eu levar as obras de arte nas costas para ensinar a alguns alunos. Mas o artista tem que ir aonde o povo está;, lembrou, citando trecho de Nos bailes da vida, célebre canção de Milton Nascimento.

Hoje, a professora conta com retoprojetores, 10 computadores e giz de cera e trabalha com muitas cores por todos os lados. No primeiro dia de oficina, Danilo Nunes Soares, 5 anos, chegou cedo ao local. A mãe dele, Sandra Elieth Nunes Soares, viu a propaganda da oficina em idas anteriores à Biblioteca Nacional e aproveitou para deixar o filho na sessão infantil enquanto estudava. ;Meu amigo Caio, de 6 anos, leu uma poesia uma vez. Quando ouvi, pensei em alegria. Vim aqui para fazer poesia;, contou o pequeno apaixonado por desenho animado.

A Oficina de Poesia para Crianças é apenas um dos projetos desenvolvidos no espaço infantil da biblioteca. Em 2010, os responsáveis pelo local pretendem ampliar os trabalhos. A divulgação, no entanto, não atinge a população como deveria. ;O povo tem que compartilhar com o artista para dar certo;, opinou Paula. Dessa forma, a oficina de poesia continuará durante as próximas semanas, sem interrupção, enquanto é realizada a programação em homenagem ao Dia das Crianças, em 12 deste mês. Assim, os responsáveis pelos projetos pretendem alcançar pais e crianças que não conhecem o espaço reservado para os pequenos.

1 - Formato japonês
O haikai é um tipo de poesia de origem japonesa. Valoriza a concisão e objetividade, por isso é composto apenas de três versos curtos na horizontal. Quando escrito em japonês, o haikai é impresso em uma única linha vertical por causa do tipo de alfabeto e cultura locais. O principal haicaísta foi Matsuô Bashô, que se dedicou a fazer desse tipo de poesia uma prática espiritual. Monges costumam meditar muito antes de produzir um haikai.


2 - A inspiração
O método utilizado por Paula nas oficinas segue o pensamento do educador brasileiro Paulo Freire. Ele se destacou na área da educação popular, voltada para escolarização e formação de consciência do aluno. Freire é considerado por muitos um dos maiores pensadores da pedagogia.


3 - Som do interior
A viola tocada por Pedro é bem parecida com um violão, mas possui 10 cordas. Com muitas variações, a viola é um instrumento muito conhecido em cidades no interior do Brasil. E se tornou um dos maiores símbolos da música
popular brasileira.

Haikais de alguns alunos do projeto

A lua é bonita
Ela brilha
Me deu sono
Juliana, 6 anos, da Paraíba

Peixes pulam na água
E eu fico feliz
Se eu fosse um peixe
Eu pulava na água
Gabriel, 6 anos, Escola Classe 415 Norte

Como participar
A oficina disponibiliza 15 vagas para crianças de 6 a 10 anos. A primeira turma começou ontem. As aulas serão ministradas no Espaço Infantil da Biblioteca Nacional de Brasília, na Esplanada dos Ministérios, em dois horários: às segundas, para crianças de 6 a 8 anos; e às quartas, para crianças de 8 a 10 anos. O projeto termina em 9 de dezembro.

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