Cidades

Medo ronda os alunos

Histórias de assaltos a estudantes nas proximidades de instituições de ensino do Plano Piloto são recorrentes. O Correio percorreu cinco colégios e descobriu quase 60 vítimas somente no último ano

Adriana Bernardes
postado em 11/10/2009 07:00

Histórias de assaltos a estudantes nas proximidades de instituições de ensino do Plano Piloto são recorrentes. O Correio percorreu cinco colégios e descobriu quase 60 vítimas somente no último anoEntre estudantes do Plano Piloto, a palavra assalto é a senha para uma infinidade de relatos de vítimas da violência. Assalto a mão armada, praticado por uma única pessoa ou por grupos de seis ou oito bandidos. Assalto logo cedinho, na hora do almoço ou no fim da tarde. O que não faltam são histórias de meninos e meninas que perderam celulares, tênis, relógios e dinheiro quando chegavam ou saíam da escola com destino ao ponto de ônibus, metrô ou alguma comercial das asas Sul e Norte.

Só este ano, João*, 17 anos, foi assaltado duas vezes, a última delas na segunda-feira passada. Seguindo o conselho da direção da escola, ele saiu com três amigos rumo à 712 Sul. O grupo acabou cercado por oito adolescentes. ;Eles se dividiram e foram me cercando até me separar dos meus amigos. Um deles tinha um revólver. Levaram meu tênis, o celular, R$ 20 e uma calculadora. Voltei para casa descalço;, lembra.

Não existem estatísticas oficiais na Secretaria de Segurança Pública sobre assaltos a estudantes nas imediações das escolas. Na última semana, o Correio percorreu cinco colégios particulares nas asas Sul e Norte. E descobriu quase 60 vítimas assaltadas no último ano. Foram dois dias de conversas com pelo menos 20 adolescentes. Desses, 11 são vítimas e, entre estas, dois garotos foram assaltados mais de uma vez este ano.

A situação preocupa tanto a direção de uma escola da Asa Norte que o coordenador disciplinar tomou a iniciativa de fazer um levantamento por conta própria baseado nos relatos dos alunos. Foram 45 assaltos em seis meses. Em uma instituição da Asa Sul, foram três ocorrências só no mês de agosto. Em outra escola da Asa Norte, o diretor contabiliza sete casos.

A maioria dos adolescentes diz que os pais não registraram ocorrência porque temem represália dos bandidos ou não acreditam que valha a pena o desgaste, já que os bandidos não ficam presos. As vítimas contam que os criminosos agem sozinhos ou em grupos de até oito pessoas. Geralmente, armados com revólver, canivete e até caco de vidro. Para evitar assaltos, alunos de uma escola da Asa Sul não saem mais para lanchar na comercial. Preferem pagar um motoboy para comprar lanche na comercial.

Bosque
As amigas Liz, 17, Clara, 18 e Ana, 17, foram atacadas no ;bosque; ; é como a maioria dos jovens se referem às áreas verdes entre as casas ; da 711 Sul, quando chegavam à W3. Um rapaz aparentando 25 anos caminhava na direção delas. Estava bem vestido e as meninas nem suspeitaram. Ele parecia mais um aluno da faculdade que fica ali perto. Mas, quando passou pelas três, deu um passo para o lado e anunciou o assalto. ;A gente ficou parada e ele disse: ;Bora meninas, bora, passa o celular todo mundo, vamo;;, conta Liz. O assaltante levou dois celulares e um MP3 Player. Saiu andando normalmente.

Poucos depois, a mãe de Clara apareceu. Ela sempre encontra a filha porque sabe do perigo na região. Liz entrou em desespero, pois identifica familiares na agenda do telefone. ;A última ligação que tinha recebido era do meu pai. Fiquei com medo do assaltante ligar para ele e dizer que tinha me sequestrado. Era bem capaz dele acreditar;, diz. Depois disso, ela criou um código secreto para que o pai saiba quando ela estiver em apuros.

As amigas não esquecem o susto. Ana conta que, algum tempo atrás, todos faziam boletim de ocorrência. ;Mas os bandidos ficam presos dois dias e depois estão nas ruas de novo. Não adianta. O que a gente precisa é de policiamento. Quando sai matéria, a gente vê viatura por uma ou duas semanas. Depois, tudo volta ao normal;, reclama.

Registro
Na escola onde as meninas estudam, o diretor, Reginaldo Loureiro, recomenda aos alunos que registrem o boletim de ocorrência e entreguem uma cópia na direção. Este ano chegaram apenas três, apesar de ele saber que o número de vítimas é muito maior. Segundo Loureiro, os pais preferem não expor o filho ao ambiente de delegacia. ;Quando a gente pede ajuda às autoridades de segurança pública, a conversa é sempre a mesma: que eles trabalham com estatística e, como não tem ocorrência, eles não podem fazer nada;, afirma o diretor.

Em outra escola visitada pelo Correio, esta na Asa Norte, o coordenador disciplinar Luciano Brandão Gallo gerou as próprias estatísticas. Em seis meses, 45 alunos foram assaltados. Desses, apenas 20 procuraram a delegacia. Os primeiros casos chegaram em fevereiro. Ele conversou com os estudantes e levantou o horário, local e as características dos assaltantes. Entrou em contato com o Batalhão Escolar e estreitou os laços com a equipe que atua na área. Além disso, alertou todos os alunos sobre os locais de risco e deu dicas de segurança. ;Sinto que tivemos uma redução dos casos. Mas ainda acontecem. Os pais não gostam de dar queixa, lamentavelmente.;

Diretor de uma escola da Asa Norte, Álvaro Domingues reconhece que o trabalho do Batalhão Escolar é muito bom no perímetro escolar. Mas nem todo dia eles podem ficar na escola. E, quando os assaltantes percebem que o policiamento afrouxou, voltam a praticar crimes. Segundo ele, houve casos em que os criminosos foram pegos e eram alunos de outras instituições de ensino. ;Fiz contato com a direção e avisei. Eram jovens com outras passagens. É difícil para a escola envolver a família na solução desse tipo de problema;, avalia.

(*) Os nomes das vítimas são fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Os nomes das escolas foram omitidos para não expor ainda mais as vítimas.



Depoimentos

;Eu estava indo para a W3 pegar o ônibus para casa. Acho que era umas 13h. Vi um menino deitado perto de uma árvore. Parecia que ele dormia, então, nem me preocupei. Mas quando passei, ele se levantou de repente e ficou andando do meu lado. Falava, sem parar, /;passa tudo que você tem, senão vou te furar/;. Fiquei muito nervosa. Não conseguia tirar o celular do bolso da calça e ele falando, sem parar. Tinha um anel que ele puxou e saiu correndo. Eu tremia sem parar. Minhas pernas ficaram bambas. Corri para uma loja e liguei para minha mãe. Mas não consegui falar. Só chorava. A moça teve que pegar o telefone e contar que eu tinha sido assaltada. Foi muito assustador;.
Michele, 15 anos.

;Tenho duas filhas de 17 e 14 anos. Elas nunca foram assaltadas. Mas têm vários amigos que passaram por isso. A mais nova estudava no Kumon e tirei ela da escola porque não tinha como levar e buscar. Esse ano, desisti de matriculá-las no inglês pelo mesmo motivo. Às vezes, me atraso no trabalho e elas ficam esperando aqui na escola o tempo que for preciso. Mas não deixo andar de ônibus porque tenho medo. Pelo menos, dentro da escola elas estão seguras. Fico me perguntando cadê o Batalhão Escolar. A gente paga imposto e não tem segurança nenhuma;.
Lívia, 51 anos, servidora pública.

Liz, Clara e Ana foram atacadas em área verde da 711 Sul, quando iam encontrar a mãe de uma delas: assaltante levou dois celulares e um MP3 player

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