Os críticos da Lei Federal n; 11.705/08, conhecida nacionalmente como lei seca, tinham razão. A tolerância zero à combinação álcool e volante não impede o motorista de dirigir alcoolizado. Mas, no Distrito Federal, quem insiste no velho hábito tem tido ressacas financeiras e morais. Nos nove primeiros meses deste ano, a fiscalização flagrou 4.809 pessoas desrespeitando a lei. O número é 165,3% maior do que o de casos registrados em 2008 (1.812 no mesmo período).
Os efeitos da lei seca são em cascata. Passado um ano, três meses e sete dias de vigência, as punições mais pesadas ; como suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e processos criminais ; ganham peso nas estatísticas. De janeiro a setembro deste ano, a quantidade de condutores afastados do volante por um ano aumentou em 363,2%. Em números absolutos, o Departamento de Trânsito (Detran) tirou das ruas 1.311 condutores que dirigiram sob o efeito do álcool. No mesmo período do ano passado, foram apenas 283.
O número de processos criminais também está em alta. Só na Vara de Delitos de Trânsito de Brasília, a estimativa é de aumento de 60% comparado aos primeiros meses deste ano. São tantos processos que o juiz Gilberto Pereira de Oliveira decidiu fazer audiências coletivas com grupos de 20 e até 40 condutores. A reportagem conseguiu autorização para participar de um julgamento coletivo e conversou com os réus (leia na página 28), alguns deles indignados com a punição e outros, envergonhados.
A estudante Gabriela (nome fictício), 24 anos, está prestes a ter a carteira suspensa. Flagrada no fim de julho em uma blitz na comercial da quadra 101 do Sudoeste, a jovem recusou-se a assoprar o bafômetro e recebeu as punições administrativas. Só por insistência da família, a estudante recorreu da multa. ;Mas, por mim, eu deixava por isso mesmo. Sei que estava errada e não vejo motivo para ficar recorrendo, recorrendo, recorrendo;, diz. Gabriela concorda com a proibição de dirigir alcoolizado, mas admite ter arriscado algumas vezes, mesmo com a lei. ;Depois que fui pega, programo melhor meus programas e nunca mais dirigi depois de beber. Mas meus amigos viram o que aconteceu comigo e não mudaram os hábitos;, constata.
Crime
No DF, a fiscalização da lei seca é feita em conjunto pelo Detran e o Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), da Polícia Militar. Ambos acreditam que o motorista está mais relaxado. O gerente de Fiscalização do Detran, Silvain Fonseca, atribui o aumento das punições a dois fatores. Parte dos condutores acredita que a fiscalização afrouxou e, com isso, voltou a beber e dirigir. A outra parte trocou os bares nas áreas centrais pelos estabelecimentos próximos de casa, acreditando que não seria pega. ;Mas nenhuma das duas situações ocorre. Percebemos a mudança de hábito do condutor e mudamos a fiscalização. Além disso, dobramos o número de bafômetros e a PM tem mais de 100 equipamentos;, diz.
Para Fonseca, as suspensões das CNHs e o julgamento dos condutores processados por dirigir alcoolizado vão intimidar quem ainda se arrisca. ;Apesar da divulgação da mídia, o boca a boca de quem teve a carteira suspensa ou passou pela audiência com o juiz começará a surtir efeito entre os que ainda se arriscam;, acredita.
Só o Detran aumentou de 16 para 36 o número de bafômetros. O BPTran totalizou 125 equipamentos. O subcomandante do batalhão, Major Alessandro Venturim, diz que muitos motoristas têm receio de fazer o teste, apesar de garantir que beberam só um pouquinho. ;O condutor pensa que não vai fazer prova contra si mesmo. Mas o bafômetro pode ser uma prova a favor dele;, comenta.
Com o rigor da lei seca, mais motoristas têm apresentado recurso para evitar suspensão da carteira por 12 meses. Segundo o diretor de Controle de Veículo e Condutores do Detran, coronel Admir Santana, alguns recorrem até a última instância antes de entregar a CNH. ;Eles não só recorrem mais como também procuram advogados para fazer a defesa. Tenho dito a esses advogados que, administrativamente, não há praticamente nenhuma chance de ganharem o processo de uma infração atestada com abordagem, laudo de constatação de embriaguez ou por meio do bafômetro;, comenta Santana. Dos 7.447 condutores flagrados desde 20 de junho do ano passado, 2.083 acabaram na delegacia porque o teste do bafômetro acusou índice igual ou superior a 0,3 miligrama por litro de ar expelido dos pulmões. Isso é considerado crime e vira processo judicial.
O que diz a lei
A Lei Federal n; 11.705/08 fixou tolerância zero à mistura álcool e volante. O condutor flagrado com até 0,29 miligrama de álcool por litro de ar recebe punições administrativas: apreensão da carteira de motorista e multa de R$ 957,70. A partir de 0,3 mg/l, configura-se crime. O condutor, além das punições administrativas, é levado para a delegacia, onde é aberto inquérito. O motorista só é liberado após pagar fiança de R$ 600 a R$ 2 mil. E, depois, responde a processo criminal.