Cidades

Ao mestre, com carinho

No Dia do Professor, quatro profissionais aposentadas se reuniram na escola onde começaram a trabalhar e fizeram considerações sobre as diferenças entre a relação com os mestres nas décadas passadas e na atualidade

Juliana Boechat
postado em 15/10/2009 08:38
Ana Margarida, Maria Janete, Ana Alice e Margareth integraram a primeira turma de professores da Escola Parque 304 Norte: bons tempos, de muita interação com os alunos, deixaram saudadesAo entrar na Escola Parque (1)304 Norte, quatro professoras aposentadas sentiram um aperto no coração. Fechado para reforma, o centro de ensino estava vazio. Algumas cadeiras foram colocadas de pernas para o ar em cima de mesas. E ainda corria o rumor de que a piscina, antigo local de diversão da criançada, seria aterrada. Restou apenas o saudosismo de anos atrás, quando os pequenos corriam pelos corredores, trabalhos coloridos eram expostos pelas paredes e o barulho das brincadeiras superava o canto das cigarras nas árvores que rodeiam a área. Juntas, as quatro mestras lembraram o tempo em que trabalharam ali e ajudaram a manter a escola como centro de referência em educação artística no país. Quase 10 anos depois, cerca de 60 ex-funcionários da escola resolveram se reunir para comemorar o Dia do Professor (veja Para saber mais) e relembrar com alegria os velhos tempos.

Margareth, Analice, Janete e Ana Margarida fizeram parte da primeira turma de professores da Escola Parque. Algumas chegaram ao local assim que ele foi inaugurado, em 1977. Outras uniram-se o grupo mais tarde. Todas elas se deram as mãos para compor a boa estrutura que o centro educacional apresenta. E ali, na Escola Parque 304 Norte, se aposentaram. ;Éramos um grupo fechado. Trabalhávamos por amor. Uma verdadeira paixão;, explicou Margareth Vargas, 58 anos, professora do centro de estudos, ecologia e audiovisual. ;Aqui tivemos descobertas maravilhosas, de alunos ótimos. Não conheci em toda a minha vida uma biblioteca mais ativa que esta;, contou, orgulhosa, a bibliotecária Analice Negreiros, 59 anos.

Graças à força de vontade dessas mulheres e de dezenas de outros funcionários, a escola se tornou o grande nome em educação integrada pelo país. ;Recebemos aqui a artista plástica Tomie Othake e o escritor Ziraldo. Era uma escola de artes e movimento, com muitas sensações e emoções. Sempre viva e bonita, a nossa escola;, exaltou Ana Margarida Rebello, 58 anos, professora de música. Os professores da Escola Parque foram, também, os primeiros a participar das greves organizadas pelo sindicato da categoria, em 1979. Muitas vezes sem alternativa, viam-se obrigados a comprar cimento com o próprio dinheiro para realizar pequenas reformas na escola. ;A piscina passou um bom tempo vazia. Lutamos e conseguimos fazer com que voltasse a funcionar. Era a alegria dos alunos;, lembrou a professora de educação física Maria Janete Angelo, 62 anos.

Defensoras ferrenhas da profissão de educador, as quatro mulheres consideram o Dia do Professor uma data especial. Para elas, a comemoração de hoje evita que o trabalho realizado por milhares de pessoas no Brasil caia no esquecimento ; além de valorizar o profissional que se dedica diariamente a este ofício. ;Todo mundo já teve um professor na vida. Ninguém pode esquecer essa pessoa;, defendeu Janete. ;Os professores eram tão valorizados e respeitados! Hoje em dia, esse sentimento foi banalizado. O professor merece ser reconhecido;, defendeu Ana Margarida. ;Lembro bem do carinho dos alunos naquela época. Vinham correndo pelo corredor e quase nos derrubavam com abraços;, lembrou Janete. Hoje, no entanto, as professoras sentem que a profissão sofre com falta de estímulo por parte do governo e por pouca vontade ou compromisso dos atuais professores para lutar pela educação.

A partir da soma de diversos fatores, a população se depara com relatos de alunos ameaçados, brigas na saída das aulas, ou ainda com professores desrespeitados. O patrimônio da escola é destruído, cadeiras são jogadas pela janela, muros ficam pichados e banheiros se tornam inutilizáveis. As condições de trabalho de muitos professores estão cada dia mais difíceis ; exceto por alguns profissionais que se destacam como exemplo de ensino. O caso mais emblemático do Distrito Federal é o do ex-diretor da única escola do Lago Oeste, Carlos Mota, 44 anos. Ele foi assassinado por alunos com um tiro no coração em junho do ano passado. E a diretora que o sucedeu recebia ameaças de morte com dizeres nas portas do banheiro feminino.

Ainda assim, é possível encontrar relatos de boa relação entre alunos e o corpo docente da escola. Além de exemplos de boa educação. Os alunos da 4; série B da Escola Classe 306 Norte, organizaram uma homenagem à professora. Os idealizadores Giulia Veiga Melo, 11 anos, e Lucas Ribas dos Santos, 9, garantem que a ;tia; merece. ;Professor é uma pessoa que gosta dos alunos, que se apega. Não é pai, mas ensina, cuida e entende. Investe muito em todos nós;, definiu Lucas. ;Em vez de passar o fim de semana com a família, muitas vezes o professor passa o dia corrigindo nossos cadernos. Merece, sim, uma homenagem no Dia do Professor;, completou a representante de sala. Os dois lembram-se com carinho de todos os professores que passaram pelas suas vidas.

Até mesmo alunos do ensino médio, que contam com aulas no estilo ;quadro e giz; e sentem a pressão do pré-vestibular, se apegam aos educadores. ;Temos uns professores que, além de mestres, são companheiros. A aproximação diminui em relação ao ensino fundamental porque é preciso cumprir algumas matérias para o PAS e vestibular. Mas ainda assim, a relação pode ser muito boa;, avaliou o aluno do 2; ano do Leonardo da Vinci Flávio Wolff, 17 anos.

A colega Carolina Freire Aloísio, da mesma idade, relatou já ter tido experiência negativa com um professor. Mas exaltou diversos outros que passaram pela sua vida e a ajudaram a se firmar como a pessoa que é hoje. Para ela, o bom profissional faz a diferença e merece ser homenageado. ;Alguns professores contam fatos da vida no meio da aula para descontrair e tirar a tensão. Nos ajudam a prestar atenção e aprender até mesmo física e química;, destacou.


1 - Ensino complementar
O modelo de escola parque faz o papel de complemento às escolas classe do Distrito Federal. Após o expediente, os alunos podem ir a outra escola para assistir às aulas de educação física, música, artes plásticas, ter acesso à biblioteca etc. Só existem seis escolas parque no Brasil: cinco em Brasília e uma em Salvador (BA). Todas foram idealizadas pelo educador Anísio Teixeira, um dos fundadores da Universidade de Brasília (UnB). O projeto foi criado em 1950 para atender a comunidade carente e visava formar um cidadão completo. A primeira escola parque, da 308 Sul, foi inaugurada em 1961, logo após a fundação da cidade.

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PARA SABER MAIS
Dom Pedro I deu a largada
Em 14 de outubro de 1827, Dom Pedro I, imperador do Brasil, baixou um decreto que criou o ensino elementar no país. A partir daquela decisão, todas as cidades, vilas e lugarejos seriam obrigadas a oferecer educação básica aos moradores. O decreto tratava ainda da descentralização do ensino, do salário dos professores, das matérias básicas que todos os alunos deveriam aprender e até da maneira com que os professores deveriam ser contratados. A lei, entretanto, só entrou em prática em 1947, quando a data também foi comemorada em homenagem ao professor.

Antigamente, o ano letivo começava em 1; de junho e seguia até 15 de dezembro, com apenas 10 dias de férias em todo o período. Quatro professores de São Paulo, então, tiveram a ideia de criar um dia de descanso e de análise dos rumos para o restante do ano. A data estipulada foi 15 de outubro. A celebração se espalhou pelo Brasil. Em 14 de outubro de 1963, a data foi oficializada pelo Decreto n; 52.682. O documento definia a essência do feriado: ;Para comemorar condignamente o Dia do Professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo participar os alunos e as famílias;.


Resistência à aposentadoria

;Houve uma queda muito grande na qualidade de ensino. Tenho mais dois cursos: sou economista e advogado. Mas, de tudo isso, foi o curso de geografia que me manteve quase 40 anos dentro de sala de aula. Passei em um concurso em 1960 e trabalhei no Gama, em Taguatinga e na Asa Norte. O salário nunca foi bom. Mas era um trabalho que engrandecia muito. Não existia essa filosofia de hoje, tínhamos orgulho de ser professores. Nosso trabalho era muito respeitado e os alunos conheciam as passadas dos professores no corredor. Trabalhávamos com qualidade. Por muito tempo, eu podia aposentar e não quis. Mas quando a filosofia de ensino mudou, pedi para sair. Doeu o coração, mas paciência. O que importa é que eu acreditava no que fazia;.

Gutemberg Ferreira, 75 anos,
morador do Lago Norte e, segundo o cadastro do Sindicato dos Professores do Distrito Federal, o mais antigo profissional sindicalizado da cidade


Cada aluno tem um jeito

"Me formei há cinco anos, fiz pós-graduação em educação inclusiva e comecei na profissão agora. Percebi que a teoria é um pouco distante da prática. Mas sei que estou contribuindo e acrescentando algo a alguém. Não podemos esquecer que estamos lidando com pessoas. Sou feliz, sempre procuro ler e estudar sobre o assunto. A profissão te suga muito, é um trabalho árduo. Não dá para brincar de ensinar. Dá trabalho, mas é gratificante ver o resultado lá na frente. Tento sempre pautar minhas aulas e meu trabalho assim: são 35 alunos e cada um precisa de uma forma de tratamento. Todo mundo passa pela mão do educador. O problema é que, hoje em dia, a família está delegando o cuidado da criança à escola, quando, na verdade, tem que educar em conjunto. Espero, ainda no futuro, estar feliz como estou hoje com a minha profissão".

Patrícia de Oliveira Ramos
, moradora de Taguatinga, professora em Samambaia, professora da 3; série. Não quis revelar a idade. De acordo com o cadastro do sindicato da categoria, é a mais recente sindicalizada

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