Helena Mader
postado em 17/10/2009 08:35
Lotes amplos e baratos, a poucos quilômetros da Ponte JK, com condições de pagamento facilitadas. A proposta atraiu dezenas de compradores interessados em terrenos de 2,5 mil metros quadrados na região do Altiplano Leste. A oferta se encaixava perfeitamente nos planos da funcionária pública aposentada Maria Lúcia Oliveira Lima, 55 anos, que sonhava em trocar o apartamento pequeno na Asa Norte por um espaço amplo para a família. Para garantir o negócio, ela pagou R$ 80 mil a uma corretora de imóveis responsável pela transação. Mas ao chegar ao cartório para pedir a escritura, descobriu que a documentação do lote era falsa. Maria Lúcia havia sido vítima de um golpe. O caso chegou à 6; Delegacia de Polícia (Paranoá), onde foram indiciados ontem por estelionato a corretora e o homem apontado como o fraudador dos documentos. Pelo menos cinco pessoas acabaram lesadas no esquema de falsificação de cessões de direito. Se condenados, os acusados poderão pegar pena de até cinco anos de prisão. O Altiplano Leste é classificado como zona rural pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot). Com isso, nenhum terreno pode ter menos de 20 mil metros quadrados. A regra para o Altiplano Leste difere da norma do Park Way, por exemplo, onde permite-se o fracionamento de áreas em lotes de, no mínimo, 2,5 mil metros quadrados.
Os indiciados são a corretora Mônica de Oliveira, 47 anos, e José Adib Abrão Pimenta, 56. A área vendida indevidamente pertence a José Augusto Lage Ribeiro, que hoje vive no Piauí. Em agosto do ano passado, Adib procurou a corretora e entregou a ela uma cessão de direitos que transferia uma área de 40 mil metros quadrados para o próprio nome. O documento tinha uma assinatura falsificada de José Lage e carimbos forjados de cartório. Com essa cessão em mãos, Mônica, que atua em um escritório imobiliário no Lago Sul, passou a anunciar lotes de 2,5 mil metros quadrados cada um.
Pagamento à vista
Para vender os imóveis, a corretora dizia aos clientes que a chácara se transformaria em um condomínio, como no Park Way. ;A Mônica me disse que tudo era escriturado e me mostrou o documento que passava as terras para o nome do Adib. Me deu garantias de que o negócio era legal. Por isso, eu fiz o pagamento à vista, com uma transferência bancária para a corretora;, lamenta a aposentada Maria Lúcia. ;Corri atrás para tentar reaver a quantia, mas a Mônica disse que já tinha entregado tudo ao Adib e, portanto, não poderia me devolver. Minha filha também comprou um dos lotes, mas ela pelo menos pagou só a entrada antes de descobrir que era tudo enganação;, acrescenta a aposentada.
Maria Lúcia e outros prejudicados recorreram à Justiça na esfera cível para reverter o negócio, mas até hoje não receberam os valores pagos. O delegado-chefe da 6; DP, Miguel Lucena, explica que o inquérito foi instaurado ontem para que Mônica e Adib sejam investigados e interrogados. ;Eles venderam lotes irregularmente, com documentos forjados. Vão responder por estelionato porque pelo menos cinco pessoas foram lesadas e perderam grandes quantias de dinheiro;, explica Lucena. ;O Adib, inclusive, tem outras passagens pela polícia e vários processos na Justiça;, comenta o delegado.
No terreno anunciado ilegalmente, há um muro e uma guarita em construção. A obra parece abandonada. O Correio localizou no Piauí o verdadeiro dono da chácara em questão. José Lage já havia sido informado sobre as tentativas de invasão e afirmou que todas as vendas foram feitas sem sua autorização. ;Quando o tal Adib começou a tentar vender as minhas terras, alguns vizinhos me avisaram. Minha assinatura foi grosseiramente falsificada, ele enganou até a corretora. Tive que ir a Brasília para avisar a polícia e resolver esse problema;, conta José Augusto Lage, que tem a chácara há mais de 30 anos.
Outro lado
A corretora de imóveis Mônica de Oliveira, que também foi indiciada, diz que na verdade foi vítima de José Adib. Ela garante que não sabia que a cessão de direitos era falsificada. ;O Adib me procurou com esse documento para que eu vendesse os lotes. Negociei quatro frações de 2,5 mil metros quadrados e, quando ia vender a quinta, o seu Lage me ligou do Piauí para me alertar sobre o que estava acontecendo. Foi quando entrei em contato com o cartório e fiquei sabendo de tudo;, alega Mônica.
;Procurei o Adib para pedir o dinheiro de volta e ele disse que passaria uma chácara dele para o meu nome, para que eu vendesse e devolvesse o dinheiro dos compradores. Mas eu não consegui vender ainda. É só o que falta para eu acabar de fazer essa devolução;, assegura a corretora de imóveis. Sobre vender lotes com tamanho inferior ao permitido por lei, a corretora disse ter expectativas quanto à autorização para parcelar. ;Fui informada de que está para sair uma lei permitindo o fracionamento;(1), finaliza Mônica de Oliveira. O Correio não conseguiu localizar o segundo indiciado, José Adib Abrão.
Preocupação
Os chacareiros que produzem no Altiplano Leste são contrários ao fracionamento dos terrenos em condomínios. Eles pressionaram o governo durante a revisão do Pdot para que a área fosse considerada zona rural. ;As tentativas de invasões e de loteamentos ilegais são uma grande preocupação. Lutamos muito para manter as características do Altiplano Leste intactas, mas, até hoje, grileiros nos abordam querendo fazer condomínios nas nossas chácaras;, reclama a presidenteda Associação dos Produtores Rurais do Altiplano Leste, Terezilda Ribeiro.
Memória
Terras cobiçadas
A região próxima ao Altiplano Leste é um dos alvos preferenciais dos grileiros. Existem pelo menos dois grandes condomínios ali, o Morada Sul e o Lago Sul II. Eles estão consolidados e devem ser regularizados. Mesmo com a fiscalização, grileiros tentam fazer novos parcelamentos irregulares no local.
O Morada Sul Etapa C, ao lado do Altiplano, é uma extensão vazia pertencente à Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) que está cercada. Os compradores tentam obter autorização para construir, mas o governo proíbe as obras e afirma que licitará os lotes novamente, já que estão em área pública e foram negociados de forma irregular. O Estância Quintas da Alvorada, a 2km do Altiplano, está na mesma situação: a área pública sofre pressão constante de invasores.