Rodolfo Borges
postado em 17/10/2009 08:20
Quando ficou sabendo dos planos da Companhia de Saneamento de Brasília (Caesb) de usar o Lago Paranoá como fonte de abastecimento de água para o Distrito Federal, a líder comunitária Leila Maria de Jesus comentou com a mãe: ;Agora quem vai reclamar é o pessoal do Lago Sul;. Moradora do Paranoá, Leila tinha 15 anos quando participou da luta dos moradores da região por água, numa época em que a então Vila Paranoá era tida como favela pelos jornais e invasão pelo governo. Sem rede de abastecimento até o início da década de 1990, os moradores do Paranoá precisavam buscar água em chafarizes e, mesmo diante das dificuldades, rejeitaram a proposta do governo de receber água do Paranoá, no que, até este ano, havia sido a única iniciativa da Caesb de utilizar o lago para abastecimento (Leia Entenda o caso). A Caesb começou a cogitar a captação da água do Paranoá na segunda metade da década de 1980. À época, o lago começava a passar por um processo de despoluição (1)que só apresentaria resultados efetivos por volta de 1998, e os moradores da Vila Paranoá, que seriam os únicos beneficiados pelo abastecimento, negaram-se a receber a água. ;A condição do lago era muito pior que a de hoje;, lembra Leila. ;E não confiávamos no tratamento que a Caesb dizia fazer;, emenda Maria de Lourdes Pereira dos Santos, 54, líder comunitária do Paranoá, que chegou à vila com apenas 16 anos.
À época, os moradores do Paranoá defendiam outras possibilidades de abastecimento, como a instalação de poços artesianos e a captação de água dos córregos Goianos e Taquari ; que acabaria se concretizando em 1991 ;, mas o Governo do Distrito Federal (GDF) alegava que a localização geográfica da vila impedia a abertura dos poços. ;Formamos o grupo Cooperados da Água, arrecadamos fundos e abrimos por conta própria um poço que beneficiou 200 famílias;, comenta Josefa Almeida de Carvalho, 60, outra que participou, com o marido Cícero Custódio de Souza, 68, da luta pela fixação da Vila Paranoá e pelo abastecimento de água.
Como símbolo da luta dos moradores do Paranoá, resta enferrujada no Parque Vivencial da cidade a primeira caixa d;água da região, responsável por armazenar e distribuir a água daquele primeiro poço perfurado. ;Hoje sabemos que o lençol freático está debilitado e que essa já não é mais uma opção;, comenta Leila, que, com a amiga Josefa, se anima com a possibilidade de reaproveitar a água da chuva. ;É a melhor água que tem. Lavo roupas com o que represo da chuva;, diz Josefa, que aproveita para economizar na conta d;água.
Tratamento
Motivado pela possibilidade de aproveitar a água do lago, o engenheiro Benjamin Sicsú, coordenador da Secretaria de Meio Ambiente do DF no fim da década de 1980, chegou a assinar um documento com dois colegas sugerindo o abastecimento a partir do Paranoá. O estudo Água do Distrito Federal e Entorno ; uma breve avaliação das disponibilidades e potencialidades dos recursos existentes foi publicado em 1987.
Naquele ano, uma estação de tratamento flutuante chegou a ser montada próximo à barragem do Paranoá para testes, que, segundo a Caesb, comprovaram a efetividade do processo. ;A qualidade da água era boa. Não havia estação de tratamento, mas tratávamos tudo o que era bombeado;, lembra Sicsú, que atualmente é executivo de uma multinacional. Mas a fama do lago para onde escorria, sem tratamento, o esgoto do DF não era nada boa e os moradores do Paranoá desafiaram os governantes a oferecer a mesma água aos vizinhos ricos do Lago Sul.
;Tecnicamente a alternativa era muito boa, mas tinha dificuldades políticas;, admite o superintendente de Meio Ambiente e Recurso Hídricos da Caesb, Maurício Ludovice, que chegou a operar os testes da balsa de tratamento em 1987. Segundo ele, a captação do lago ficou conhecida como aquela que iria abastecer apenas uma população de baixa renda, o que indicava que não tinha qualidade. ;Hoje a situação é outra. Temos um lago completamente diferente e vamos abastecer todo mundo;, compara.
Desastre
- Em 1978, a proliferação de uma superpopulação de algas absorveu grande quantidade de oxigênio da água do lago, causando a morte de seus peixes. O cheiro se espalhou pela cidade e alertou para a necessidade de revitalização do lago. O processo de despoluição foi iniciado nessa época e se intensificou com a instalação das Estações de Tratamento de Esgoto Sul (1992) e Norte (1993).
Entenda o caso
Bombeamento na barragem
A Caesb cultiva um estudo em estágio avançado sobre a possibilidade de captar água para abastecimento do Lago Paranoá e já conseguiu, inclusive, uma licença da Agência Nacional de Águas (ANA). Com a iniciativa, o governo pretende atender a 600 mil pessoas a partir de 2011. A ideia é construir uma bomba de captação próxima à Barragem do Paranoá, na área Norte. A Caesb também deve montar uma estação de tratamento de água no Altiplano Leste, tudo ao custo de R$ 350 milhões.
Na avaliação da companhia, o risco de faltar água no DF nos próximos anos é alto. Há mais de 30 anos a cidade é abastecida apenas pelas barragens de Santa Maria, no Parque Nacional de Brasília, e do Rio Descoberto. Com o constante aumento da demanda ; consequência do crescimento populacional ;, o Governo do DF tem feito estudos para buscar novos mananciais, como Corumbá IV, projeto em fase ainda mais avançada de construção de sistema de abastecimento.
De acordo com a Secretaria de Obras, os recursos para a construção da nova estação sairão da Caixa Econômica Federal e estão previstos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). A Caesb alega ter estudos que apontam que nenhum uso do lago será afetado, como pesca, lazer ou influência na umidade relativa do ar da capital, entre outros.
Além da captação no lago, a companhia também trabalha em cima de um sistema de abastecimento a partir de Corumbá IV, que está em fase mais adiantada de construção e conta com licença ambiental. O empreendimento será feito em parceria com a Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago), para abastecimento do DF e de Goiás.