postado em 18/10/2009 08:06
A maior comunidade remanescente de quilombos do Brasil fica a pouco mais de três horas e meia de Brasília, no interior de Goiás. São os Kalunga, com aldeias próximas ao município de Cavalcante, onde a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) tem projetos para melhorar as condições de higiene, pelo menos em tese. Cerca de R$ 4 milhões foram destinados à construção de 675 banheiros nas casas dos quilombolas. Passados quatro anos desde que convênio foi firmado para a obra, a situação aponta para mais um mau exemplo no uso do dinheiro público. O material de construção que saiu do DF está abandonado, à espera de um destino. As obras, que deveriam ter sido concluídas pela Fundação Universitária de Brasília (Fubra), ficaram incompletas. O Tribunal de Contas da União (TCU) cobra agora o ressarcimento da verba repassada, já que auditoria apontou diversas irregularidades no processo. A conclusão é que houve ;claro desvio de finalidade; no uso de parte dos recursos. E os gastos que aparentemente estão de acordo com o objeto do contrato não foram devidamente justificados. A Funasa e a Fubra firmaram o convênio para as obras em 2004. No ano passado, auditoria do TCU apontou que o projeto não tinha sido executado na sua totalidade, apesar de todos os recursos previstos terem sido repassados à Fubra. Faltavam cerca de 200 banheiros a serem construídos e o dinheiro tinha acabado.
Esse é mais um caso de desvirtuamento das fundações de apoio ligadas à Universidade de Brasília (UnB) que ocorreu nos últimos 10 anos. As entidades eram usadas para realizar projetos não relacionados às suas finalidades institucionais, previstas em estatuto, que eram de apoio e desenvolvimento a pesquisas. Para burlar licitações, entidades como Fubra e Finatec eram contratadas para a execução de projetos de órgãos do governo, como a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Por não terem condições técnicas de realizar os convênios, elas subcontratavam outras empresas, virando intermediadoras entre o setor público e o privado.
Prejuízos
;A Fubra não exerce atividade de construção civil, o que a desqualifica para a construção de banheiros e casas para a comunidade Kalunga;, aponta a conclusão do TCU, no fim do ano passado. A decisão manda suspender o convênio devido a irregularidades e pelos ;prejuízos aos cofres públicos;. Um dos pagamentos não justificados da Fubra com dinheiro da Funasa é o de R$ 20 mil para um servidor público lotado na UnB. A auditoria também questionou a subcontratação de cinco empresas de fornecimento de material, mão de obra e transporte sem licitação.
Procurada pelo Correio, a Funasa explicou que foi a primeira a identificar os problemas em auditoria própria e a cobrar o ressarcimento. Informou, por meio da assessoria de imprensa, que a responsabilidade pela não execução do contrato é da Fubra e que o órgão governamental foi vítima da situação. Explicou ainda que, na época do convênio, desconhecia o fato de a Fubra não ter competência pelo seu estatuto de assumir tal projeto e que, pela entidade ter o aval da UnB, a Funasa, de ;boa fé;, repassou o projeto a ela.
A Funasa garantiu que, apesar do convênio estar suspenso, vai retomar em 2010 as obras cumprindo o compromisso do projeto, antes mesmo que o dinheiro seja ressarcido. Para isso, o material de construção que permanece no local será inventariado e o que for possível, utilizado nas próximas obras para a comunidade Kalunga. O projeto ainda prevê a construção de fábricas de tijolo e a capacitação do povo Kalunga.
[SAIBAMAIS]A atual gestão da Fubra também abriu auditoria e constatou as irregularidades descritas no relatório do TCU. Em setembro deste ano, documentou em fotos o desperdício do dinheiro público. E, com base nelas, vai entrar com ações judiciais contra a antiga direção para que os responsáveis pelas irregularidades façam o devido ressarcimento.
Origens
Em 2004, o presidente Lula lançou a Ação Kalunga, uma série de medidas para melhorar a vida de mais de 700 comunidades mapeadas no Brasil. Cerca de 5 mil quilombolas vivem na zona rural dos municípios de Teresina de Goiás, Cavalcante e Monte Alegre. Eles são descedentes de escravos que vieram para Goiás no século 18,
para trabalhar na mineração.
Fubra apontará responsáveis
A Fundação Universitária de Brasília (Fubra) não existe mais. Depois de enfrentar uma avalanche de denúncias e ser alvo de investigação pelo Ministério Público, Controladoria Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU), a entidade renasce agora com outro perfil. Mudou de nome, na placa e no cartório. Agora é Fundação Gestão e Inovação (FIG). A nova diretoria, que assumiu há um ano, promoveu uma devassa interna para tentar colocar ordem
na casa. Uma grande auditoria foi realizada para analisar as gestões passadas, que foram alvo de denúncias. E as conclusões vão subsidiar medidas judiciais para buscar a responsabilidade por irregularidades como as que aparecem, por exemplo, no convênio com a Funasa referente aos banheiros da comunidade Kalunga.
;Fechamos um ciclo de resgate, de depuração interna. Optamos por um caminho firme para corrigir os problemas;, afirma Paulo Celso dos Reis Gomes, atual diretor-presidente da FIG, ex-Fubra. ;Vimos que é possível, sim, trabalhar de acordo com a legislação atual, que não é preciso mudá-la. Queremos seguir um trabalho independente e não mais de subserviência aos interesses de uma gestão universitária, como ocorreu no passado;, reforça a superintendente da FIG, Raquel Machado. A mudança do nome se explica também por isso. ;Fubra era um nome muito vinculativo à UnB. A Fubra nasceu na reitoria;, lembra Paulo Celso. ;O trabalho agora da FIG não será mais de intermediação, mas sim de gestão dos projetos;, completa Raquel Machado.
Ciência
Pela antiga Fubra, já chegaram a circular por ano R$ 140 milhões vindos de projetos, muitos que pouco tinham relação com a finalidade da entidade, como execução de obras, enquanto ela devia se deter ao desenvolvimento à pesquisa científica. ;Fomos parceiros da CGU e do Ministério Público. Estamos agora estruturados para novos projetos. O setor público é bem-vindo, mas seguindo as normas que existem e devem ser respeitadas. Dinheiro público tem de continuar sendo tratado como público quando entra numa fundação de apoio, e não privatizado;, destaca Raquel.
Para garantir a transparência na execução de projetos, a nova diretoria criou o Sistema Integrado de Gestão e Governança
(SIGG), apontado pelo MP como exemplo de medida de ajuste das fundações. A ferramenta possibilita o acompanhamento pela internet da aplicação dos recursos. ;Antes, o dinheiro caía num buraco-negro quando entrava na fundação. Agora, é diferente;, diz Paulo Celso.