Cidades

A controvérsia sobre a data de validade dos garrafões de água mineral

Empresas despejam no mercado embalagens às vésperas de entrar em vigor portaria que determina prazo de validade para os vasilhames. Consumidores, sem conseguir trocar os galões, recorrem à Justiça

postado em 19/10/2009 08:00

As embalagens retornáveis de 10 e 20 litros que acondicionam água têm prazo de validade. Segundo determinação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a vida útil desses garrafões é de três anos. Os vasilhames antigos devem ser retirados do mercado de forma gradual até 30 de junho de 2010, conforme . A primeira etapa do recolhimento teve início em 30 de setembro, quando passou a ser proibido o envase ou reenvase de água mineral em embalagens de plástico retornáveis com data de fabricação anterior a 1; de janeiro de 2004.

Desde então, os consumidores vivem um jogo de empurra entre indústrias de água mineral e pontos de venda. Às vesperas de a portaria entrar em vigor, vários garrafões que estavam para vencer foram jogados no mercado e comercializados. Quem adquiriu o produto com data anterior a janeiro de 2004, até agora não consegue trocá-lo por outro. As divergências foram parar na Justiça. O prazo de validade já havia sido estipulado na , de 2008, do mesmo DNPM.

"A essência das portarias do DNPM, de se preocupar com saúde dos consumidores e garantir a qualidade da água colocada no mercado, é nobre. O problema é que as legislações apresentam várias falhas com relação aos direitos dos consumidores. Não disciplinaram o processo de troca dos galões como no caso dos botijões de gás, em que a responsabilidade é dos distribuidores. Também não criaram uma obrigação de comunicar aos consumidores sobre as mudanças, com a ampla divulgação exigida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Isso poderia ser feito por meio de orientações nos pontos de vendas e de campanhas publicitárias", avalia o gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Marcos Pó.

Empresas despejam no mercado embalagens às vésperas de entrar em vigor portaria que determina prazo de validade para os vasilhames. Consumidores, sem conseguir trocar os galões, recorrem à Justiça

Desavisado, em 5 de outubro o militar reformado Luiz Roberto da Rocha, 69 anos, voltou ao ponto de venda para comprar água com seu galão retornável que havia adquirido dias antes. "Fui a três postos diferentes e se recusaram a trocar meu garrafão por outro sob a alegação de que estaria com data de validade ultrapassada", diz ele, sobre o vasilhame fabricado em 2003 e adquirido no fim de setembro. "Questionei como, de repente, passaram a cobrar data de validade. Mas tudo que me deram foi o telefone do fabricante, a Indaiá, que me explicou sobre a portaria e não resolveu o problema. Se eu quiser, terei que pagar por outro garrafão. Não acho justo ter que arcar com esse prejuízo", queixa-se Luiz.

Assim como ele, vários outros consumidores têm enfrentado os mesmo problema nas duas últimas semanas. Afinal, muitos não sabiam sequer da existência do prazo de validade, que, segundo as normas, deve constar no fundo galão. "Imagine ter de virar, de cabeça para baixo, uma garrafão cheio, de 10 ou 20 litros, para ver a data de validade no fundo?", diz o bancário aposentado Luiz Gonzaga Cardoso Rabello, 64 anos, ao observar outro inconveniente. "O que eu sabia é que existia uma data, no rótulo, que diz o mês em que o produto foi engarrafado e qual a data máxima para consumo", argumenta Luiz.

Ele também foi vítima da desova dos vasilhames antigos. "Na última semana, um dos meus galões foi recusado sob alegação de que estava vencido. A data de fabricação fundida no garrafão é junho de 2003, portanto, vencido desde junho de 2006. Ora, tanto o fornecedor quanto o envasador falharam ao me vender um produto engarrafado indevidamente neste vasilhame. O pior é que o produto foi envasado em 16 de setembro deste ano com validade para consumo até 16 de dezembro próximo. Agora, preciso ter meu garrafão substituído e não sei a quem recorrer. Reclamo, não pelo valor de um vasilhame, que custa R$ 18, mas pela economia que as empresas farão às nossas custas", desabafa.

Batata quente

A verdade é que, nas últimas duas semanas, os garrafões vencidos se transformaram em uma espécie de batata quente: até agora, o último a pegá-lo é quem terá de "pagar mico" ; leia-se arcar com o prejuízo. A grande maioria dos casos no Distrito Federal envolvem a Indaiá. Isso porque, além deter cerca de 35% do mercado de água mineral na região, ela também vende galões (com sua marca impressa em auto relevo) para outras indústrias do mercado, o que gera uma certa confusão sobre quem deve ser o responsável pela substituição quando o garrafão retorna sem o rótulo da envasadora.

"A empresa Indaiá, que é a líder do mercado em Brasília, só nos informou sobre a portaria quando a determinação passou a vigorar. No entanto, um dia antes, ela nos abasteceu com galões que estavam às vésperas de vencer. Vendemos o produto sem saber, mas, quando os consumidores retornaram, não podíamos aceitar os garrafões porque a Indaiá não iria substitui-los", explica Bruno Douglas Lopes, assessor da rede Gasol ; um dos pontos de venda de água mineral no DF. "Há cerca de 2.320 garrafões vencidos em nosso estoque. Estamos tentando chegar a um acordo com a Indaiá, mas o nosso cliente não sairá prejudicado", justifica.

Diante do impasse, o Grupo Indaiá ajuizou uma ação cautelar para suspender os efeitos das portarias do DNPM. Em 6 de outubro, o juiz da 3; Vara da Justiça Federal do Ceará concedeu liminar em favor da Indaiá Brasil Águas Minerais para obrigar o DNPM a abster-se de qualquer conduta contra a empresa com base nas duas portarias que dizem respeito ao prazo de validade máximo de três anos de vida útil para os vasilhames. A Indaiá foi procurada pelo Correio, mas preferiu não se manifestar sobre nenhum assunto apontado pela matéria.

Com a liminar, o DNPM entende que, até nova decisão judicial, a Indaiá poderá engarrafar e vender água em garrafões sem se preocupar com as datas estipuladas pelas portarias. "Mas estamos trabalhando para reverter isso. O DNPM está ciente de que não ultrapassou os limites de suas competências e buscará os meios judiciais para demonstrar a consistência jurídica dos seus atos, garantindo dessa forma a implantação da portaria que só traz segurança e benefícios à saúde do consumidor", garante o diretor geral do DNPM, Miguel Antonio Cedraz Nery.

Defesa do consumidor

As divergências chegaram também à Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor (Prodecon), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. "Abri um procedimento e, a partir da resposta das empresas, verei se é o caso de ajuizar uma ação coletiva para determinar que todos que venderam produtos vencidos aceitem a troca do garrafão vencido ou devolvam o dinheiro ao consumidor", explica o promotor da Prodecon-DF, Leonardo Bessa.

O diretor do Procon-DF, Ricardo Pires, entende que as empresas não poderiam colocar no mercado produtos às vésperas de vencer nem comercializá-los sem informações suficientes. Quanto às responsabilidades, ele explica que a indústria de água e o ponto de venda respondem solidariamente. "Mas o consumidor deve recorrer ao ponto de venda, onde se deu a relação de consumo. Caso se sinta prejudicado, o ponto de venda pode cobrar de seu fornecedor, a indústria de água", explica. Ele orienta os consumidores a procurarem o órgão para reclamar sobre assuntos relacionados ao caso. "Só assim poderemos agir", alerta.

Fique atento

Prazos limite para comercialização de vasilhames antigos, de acordo a Portaria n; 358, da Diretoria Geral do DNPM.

30 de novembro de 2009, para vasilhames com fabricação em 2004;

30 de janeiro de 2010, para vasilhames com fabricação em 2005;

30 de abril de 2010, para vasilhames com fabricação em 2006, e;

30 de junho de 2010, para vasilhames com fabricação entre 1; de janeiro e 30 de junho de 2007.

Para saber mais

Segundo especialistas, três anos seria o tempo máximo que um garrafão suporta sem sofrer desgaste com limpeza, estocagem e transporte. "Com o tempo, esses recipientes perdem suas propriedades mecânicas e de transparência", explica Marco Aurélio De Pioli, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo Pioli, na composição do plástico são colocados componentes, como estabilizantes e antioxidantes, para proporcionar uma vida mais longa ao galão e proteger a água. Com a degradação, o recipiente acaba perdendo essas barreiras e abre espaço para que mircroorganismos contaminem a água.

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