Jornal Correio Braziliense

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Mudança à vista na política dos lotes

Distritais devem apreciar hoje projeto de emenda à Lei Orgânica do DF que prevê a entrega imediata da escritura de terrenos doados pelo governo. Se aprovado, texto abolirá a necessidade de a pessoa morar 10 anos na área para receber o título de posse

Pela política habitacional do Distrito Federal, famílias com renda de até 12 salários mínimos que estão na cidade há mais de cinco anos podem ganhar um lote do governo. O beneficiado recebe um documento chamado termo de concessão de uso e, depois de 10 anos no terreno, ele pode pedir a escritura definitiva ao cartório. Mas esse prazo poderá sofrer alterações, graças a uma proposta elaborada pelo GDF. O governador José Roberto Arruda enviou à Câmara Legislativa um projeto de emenda à Lei Orgânica que prevê a entrega imediata da escritura pública aos ganhadores de lotes. O texto já foi aprovado pelos parlamentares em uma comissão especial e deve ir a plenário hoje à tarde.

Se a mudança for aprovada, quem receber lote do GDF poderá vendê-lo imediatamente após a entrega da escritura. Mas o secretário de Habitação, Paulo Roriz, acredita que a maioria das pessoas vai fugir da especulação e usar o lote para moradia. ;A partir do momento em que liberamos a escritura, não temos mais controle sobre o imóvel, mas a grande maioria dos beneficiados é gente humilde, que realmente necessita de moradia;, afirma Paulo Roriz. ;Além disso, muitos já vendem os terrenos de qualquer jeito hoje, usando para isso procurações registradas em cartório. É muito difícil coibir essa prática;, acrescenta. Ele diz, porém, que quem for beneficiado uma vez não terá poderá se cadastrar novamente nos programas habitacionais do governo.

O secretário de Habitação estima que a alteração da Lei Orgânica vai beneficiar cerca de 40 mil pessoas. ;Vamos agilizar esse processo de entrega da escritura. Estamos atualmente com 40 mil documentos prontos para serem entregues, mas como o prazo de 10 anos ainda não terminou, ficamos legalmente impedidos de liberar a documentação. E isso traz prejuízos, como a dificuldade de conseguir financiamentos para reformas. Os bancos exigem a escritura do imóvel nesses casos.;

Os moradores de imóveis doados pelo governo ficaram animados com a perspectiva de conseguir a liberação da documentação definitiva. O funcionário de serviços gerais Adinaldo Barbosa de Sousa, 29 anos, está otimista. As lembranças da vida que levava em uma invasão com a mulher e os cinco filhos fazem a família valorizar muito o terreno recebido gratuitamente. ;Era tudo difícil. Aqui, eu tenho o meu lote;, comentou. ;A escritura do terreno é muito importante. Quanto antes tivermos ela na mão, melhor.;

Adinaldo mora na Quadra 629 de Samambaia e não pretende deixar a região tão cedo. ;Não vendo isso aqui nunca. Vai ficar para os meus filhos;, garantiu. No entanto, ele sabe que nem todos pensam assim. Mas o funcionário de serviços gerais argumenta que a especulação em cima dos lotes dados pelo governo ocorreria com ou sem a concessão de escrituras. ;Tem gente que vende mesmo, sem documento nem nada;, completou.

Inconstitucionalidade
Esta não é a primeira vez que o Legislativo local analisa uma proposta de mudança no prazo para liberação da escritura. Em 1996, os deputados aprovaram a Emenda n; 13 à Lei Orgânica, que previa a redução desse período de 10 anos para dois anos e meio. Mas, na época, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra o dispositivo, alegando que o prazo de 30 meses era muito curto e que a medida contrariava os mecanismos de desafetação de áreas públicas.

O Tribunal de Justiça acatou os argumentos do MPDFT e derrubou a emenda. Procurada pelo Correio, a assessoria de imprensa do Ministério Público informou que os promotores só comentariam a nova proposta de emenda à Lei Orgânica após a sua aprovação na Câmara Legislativa.

O projeto precisa receber o aval de pelo menos 16 dos 24 deputados distritais para ser então sancionada pelo governo. As articulações políticas já começaram e o secretário de Habitação deve acompanhar a votação hoje à tarde em plenário. Se o projeto passar, o beneficiado vai continuar a receber o termo de concessão de uso, mas, imediatamente, poderá solicitar a escritura ao cartório responsável pela região onde está inserido o terreno.

O objetivo do GDF com a nova proposta é acelerar a regularização de lotes cujos ocupantes estão em situação ilegal. Isso porque muitas pessoas que recebem o termo de concessão de uso têm dificuldades para conseguir a escritura posteriormente, mesmo depois do prazo legal atualmente em vigor. Muitos dos beneficiados morrem ou se divorciam, por exemplo, o que atrasa muito a liberação da escritura nos cartórios.

Comércio intenso

A proibição de entrega da escritura por 10 anos não coíbe a venda antes desse prazo. Muitas pessoas que receberam lotes do governo vendem a área posteriormente por meio de contratos de gaveta e da assinatura de procurações. Em maio, reportagem do Correio mostrou o comércio intenso de lotes na QNR 5 de Ceilândia, quadra criada há cerca de três anos para abrigar beneficiados do programa habitacional. Os terrenos de 250 metros quadrados custavam, em média, R$ 25 mil e eram vendidos indevidamente.

O presidente da Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal (Anoreg), Allan Guerra Nunes, explica que é legalmente impossível controlar os contratos de gaveta atualmente feitos por meio de procurações. ;Fazer uma procuração não é vender. Significa apenas uma transferência de poder para vender futuramente. Se eu me recusasse a fazer uma procuração, iria contra a lei;, destaca Nunes.

O tabelião acredita que a mudança na legislação será positiva. ;A pessoa recebe um lote e, 10 anos depois, quando vai ao cartório, a situação dela mudou muito, o que atrapalha a emissão. Se o cônjuge morreu, por exemplo, parte tem que sair em nome da mulher, parte em nome dos herdeiros. É preciso aguardar a sentença do inventário, tudo isso atrasa muito o processo;, explica Allan Nunes.

Como é hoje

O que diz a Lei Orgânica do Distrito Federal:

# O título de transferência de posse e de domínio é conferido, conforme o caso, a homem ou mulher, independentemente do estado civil.

# Será vedada a transferência de posse àquele que, já beneficiado, a tenha transferido para terceiros sem autorização do poder público, ou que seja proprietário de imóvel urbano.

# O título de domínio somente será concedido após completados 10 anos de concessão de uso.


Como pode ficar

O que diz a proposta de emenda à Lei Orgânica:

# Elimina-se o artigo que dá prazo de 10 anos para a entrega da escritura definitiva. Assim, os beneficiados podem solicitar o título logo depois de receberem o lote.

# O benefício seria estendido a pessoas que ganharam terrenos do GDF nos últimos anos e ainda não têm a posse.

# Não há proibição de vender o imóvel. O governo não controlará as transações depois de entregar o lote. Mas nem ele nem qualquer outro integrante da família poderá voltar a pleitear um terreno do governo