Renato Alves
postado em 20/10/2009 09:05
As famosas visitas de inspeção de Juscelino Kubitschek aos canteiros de obras de Brasília se intensificaram a partir de outubro de 1959. Preocupado com o ritmo da construção, o então presidente da República aumentou a pressão sobre os empreiteiros, enquanto percorria a poeira do Planalto Central, sem escolta, para conversar com os operários. Dizia contar com o esforço de todos para inaugurar Brasília em seis meses, na manhã de 21 de abril de 1960, como anunciara à nação.O cenário da capital 50 anos atrás incomodava JK. O asfalto só cobria a Esplanada dos Ministérios e o Eixão Sul. O Congresso Nacional nem sequer tinha as duas cúpulas prontas. Do seu anexo, o mais alto edifício projetado por Oscar Niemeyer, faltavam quatro dos 28 andares. Dos 11 ministérios, apenas quatro estavam concluídos. Apesar de contar com mais de 60 mil habitantes, a maioria peões, que moravam nos acampamentos, ainda não havia escola no Plano Piloto. A Asa Norte era puro cerrado.
Em julho de 1959, JK desembarcou no improvisado aeroporto, com terminal de madeira, para um estada de quatro dias na cidade em construção. Até então, em suas inspeções, ele costumava deixar o Rio de Janeiro de madrugada para passar o dia em Brasília e retornar à então capital brasileira à noite. ;Dessa vez, foi diferente. Esses quatro dias foram de pauleira. Ele se reuniu com os engenheiros e os donos das construtoras. Exigiu o cumprimento do prazo;, recorda Adirson Vasconcelos, 73 anos.
Jornalista, Adirson era correspondente de jornais nordestinos, naquela época. Morava em Brasília havia dois anos. Desde então, cobria todos os eventos da construção. Principalmente, as visitas de JK. ;Os resultados do arrocho de JK, em julho (de 1959), começaram a surtir efeito em outubro, quando as providências cobradas começaram a se concretizar. A partir daquele mês (outubro), as betoneiras não pararam;, conta Vasconcelos.
Inaugurações
Além de aumentar as cobranças, JK aproveitava as visitas a Brasília para uma série de inaugurações e lançamento de obras. Nessas oportunidades, ele não se hospedava no Palácio do Alvorada, o primeiro prédio pronto da cidade, inaugurado em junho de 1958. Juscelino ainda preferia o Catetinho(1), o palácio de madeira erguido perto do Gama, às margens de onde hoje é a BR-040. Outras pessoas ilustres se hospedavam no Brasília Palace Hotel(2), próximo ao Alvorada e ao Lago Paranoá.
O hotel havia recebido, em 1; de maio, a primeira exposição de artes plásticas da nova capital, com telas e cerâmicas do peruano Felix Alejandro Barrenechea de Avilés. Considerado o maior artista plástico dos povos incas daquele período, Avilés morava com a mulher em Brasília. O lago ainda estava sendo feito. No fim de 1958, ele recebeu os primeiros 30 exemplares de peixes, das espécies tilápia e tucunaré, para sua povoação.
O próprio JK fechou a barragem que formaria o lago, em 24 de setembro de 1959. Doze dias antes, o presidente desembarcara em Brasília para comemorar seu aniversário. Houve parada cívico-militar, desfile de carros alegóricos e várias apresentações de obras recém-concluídas. Dessa vez, o presidente inaugurou uma escola primária, um jardim de infância, os balões da Avenida das Nações e o Hospital das Pioneiras Sociais, em Taguatinga.
Estimulante
Para estudiosos como o antropólogo Gustavo Lins Ribeiro, da Universidade de Brasília (UnB), as visitas de JK tinham um papel motivador. ;Com elas (as visitas), JK se tornou uma entidade mítica na memória dos trabalhadores, durante a construção;, comenta. Ribeiro diz que era ainda preciso criar fatos para estimular os candangos. ;Por isso, qualquer lançamento de pedra fundamental virava um grande evento. As visitas também serviam para dar um ar de igualdade aos trabalhadores. De fato, a poeira e a lama eram iguais para todos;, comenta o antropólogo.
Gustavo Ribeiro é autor de A capital da esperança (2008), livro que narra a história da construção da cidade do ponto de vista dos trabalhadores, com base em depoimentos colhidos no fim dos anos 70, para sua dissertação de mestrado.
1- Construção simples
O Catetinho foi a primeira residência oficial do presidente Juscelino Kubitschek em Brasília. O nome é uma ligação com a então residência oficial do presidente, o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Projeto de Oscar Niemeyer, foi construído com dinheiro de amigos de JK em apenas 10 dias, em novembro de 1956. O prédio, feito de madeira e tombado pelo Iphan, virou museu.
2- Espaço de glamour
Inaugurado em 30 de junho de 1958, o Brasília Palace Hotel é o primeiro hotel de Brasília. Projetado por Oscar Niemeyer para receber as comitivas de outros países que vinham conhecer a construção da nova capital do Brasil, era o centro de lazer de políticos, funcionários do governo e pioneiros. Em 1978, o terceiro andar foi destruído pelo fogo. Com o passar dos anos, o hotel caiu no abandono e virou uma carcaça às margens do lago Paranoá. Acabou restaurado e reinaugurado em setembro de 2006.[SAIBAMAIS]
Invasões pioneiras
A propaganda intensa sobre a construção de Brasília, que divulgava o papel da obra para o desenvolvimento do país e as vantagens financeiras oferecidas a quem se mudasse para o Planalto Central, fez com que o fluxo de pessoas que para cá se deslocavam fosse aumentando durante a construção (1956-1959). Os acampamentos das empreiteiras não tinham acomodações para abrigar todos os trabalhadores. Muitos traziam as famílias. Começaram a surgir, então, as vilas não oficiais ; invasões.
A Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante, foi a localidade de maior concentração de invasores. Criado no fim de 1956 para receber apenas comércios e previsto para ser extinta antes da inauguração de Brasília, o lugar já tinha 12 mil habitantes em janeiro de 1960. Todos estavam abrigados irregularmente nas lojas, pousadas, hotéis e áreas de invasões, batizadas de Morro do Urubu, Morro do Querosene, Vilas Esperança, Tenório, IAPI, e Sarah Kubitschek.
Esta última surgiu em julho de 1958 e era formada, em sua maioria, por migrantes nordestinos vindos para Brasília na fuga de uma das piores secas da região natal. Como estratégia para se fixar no local, os moradores usaram o nome da mulher do presidente Juscelino Kubitschek. A fim de resolver o problema dessa e de outras invasões, o governo decidiu criar Taguatinga, ainda em 1958, para onde foi transferida a maioria dos moradores, que ganhou os lotes em área pública.
Apesar dessa medida, as invasões não foram totalmente erradicadas. Pelo contrário. A doações de lotes estimularam as ocupações ilegais das pessoas que continuavam a vir para Brasília sem emprego garantido. No segundo semestre de 1959, a Companhia Urbanizadora da Capital (Novacap) recebia 400 pedidos de lote por dia.
Fontes: Diário de Brasília, Novacap / Brasília, memória da construção, de L. Fernando Tamanini / A capital da esperança, de Gustavo Lins Ribeiro, Editora da UnB
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