Cidades

Sotaques diferentes

postado em 25/10/2009 08:36
A maior colônia de migrantes no Distrito Federal é a de mineiros. Cerca de 218 mil pessoas nascidas em Minas Gerais vivem na capital federal - eles representam 8,63% da população. O número era ainda maior em 2007, quando a comunidade chegava a 225 mil habitantes. No início da década de 1960, a propaganda boca a boca sobre Brasília era forte em Minas Gerais, o que incentivou muitos trabalhadores a largar tudo em busca de um emprego. "Só quem tinha coragem de vir eram os sonhadores, aquilo era uma aventura", lembrou o corretor de imóveis Getúlio Romão, 64 anos. Em Belo Horizonte, um amigo do pai de Romão o convenceu de que ele ficaria rico no DF. Pai, mãe e seis filhos pegaram um ônibus rumo à nova capital e não voltaram mais.Getúlio aprendeu a fotografar e registrou vários momentos da cidade Com eles, veio também um pouco da tradicional culinária mineira: não faltava frango com quiabo no cardápio da família. Romão explica que os mineiros nunca tiveram um grupo formado no DF, mas, nos anos 60, muitos se reuniam em uma adega de Taguatinga. "Eles sempre se encontravam lá, mas moravam espalhados. Brasília tinha gente de tudo quanto é lugar. Você sabia quem era mineiro, gaúcho, mas depois os sotaques acabaram", comentou. O corretor aprendeu a fotografar com o pai e registrou grandes momentos da cidade. Romão teve três filhos, todos nascidos no Hospital Regional de Taguatinga. Ele aguarda ansioso a chegada de um neto para completar a família brasiliense. A busca por melhores condições de vida incentivou o militar José Geraldo Nascimento, 66 anos, a largar a cidade de Paula Cândido, em Minas Gerais. Ele chegou em 1962 e trabalhou na construção de prédios da cidade, inclusive o Palácio do Itamaraty. José se casou e trouxe a família para Brasília - pai, mãe e sete irmãos. Todos moraram juntos em uma casa no Morro do Urubu, perto do Núcleo Bandeirante. Mesmo com dificuldades, o militar nunca pensou em voltar. "Lá (Minas) era pior do que aqui. A cidade era muito pequena, não tinha trabalho. Só saio daqui para passear, depois volto", disse. Em pouco tempo, a família se multiplicou. A mãe de José, Isaura Marcelina da Silva, 90 anos, ganhou 31 netos e 18 bisnetos, todos nascidos em Brasília. Os descendentes de Isaura vivem em Ceilândia e, todo carnaval, voltam à cidade mineira onde a história começou. Maior comunidade Minas Gerais é o estado com mais representantes no Distrito Federal, mas o Nordeste vira o jogo quando a conta é feita por região. Juntos, os nove estados litorâneos têm a maior comunidade de migrantes em Brasília: 26,15% da população local é nordestina. São mais de 660 mil pessoas que deixaram a cidade natal para trás e vieram tentar a sorte na capital federal. A segunda maior comunidade nordestina em Brasília é a dos piauienses, que soma 128 mil pessoas. No ranking, o Piauí fica logo à frente do Maranhão (112 mil) e do Ceará (110 mil). Os nascidos no estado se reúnem na Nação Piauí, grupo presidido por Raimunda Costa, 50 anos. Ela chegou a Brasília em 1997 para trabalhar como assessora parlamentar e sentiu falta dos conterrâneos. "Vi a necessidade de congregar as pessoas, porque na cidade grande o natural é a dispersão", disse. Na última quinta-feira, o grupo participou de uma festa em homenagem ao estado e serviu um prato adorado no Piauí: maria isabel com paçoca de carne. "Temos cadastrados mais de 30 mil piauienses que moram em Brasília", completou; A piauiense Maria de Lourdes Oliveira, 48 anos, tinha apenas 16 anos quando entrou no carro de amigos da família rumo a Brasília. Era 1977 e a mais velha dos 12 irmãos apostava no sonho de terminar os estudos para ajudar os pais. No povoado de Compra Fiado (PI), Lourdes concluiu o ensino fundamental - a única escola do local não oferecia mais do que isso. O dono do aeroporto da cidade, o mais rico das redondezas, estava de mudança para Brasília e prometeu aos pais de Lourdes que a ajudaria a se formar. Então, ela veio. "Cheguei apavorada. Na rodoviária vi uma escada rolante pela primeira vez. Não conseguia subir por medo", lembrou. O homem rico não deu os estudos que Lourdes tanto queria e ela passou a trabalhar na casa do patrão. "Procurei outros piauienses e fui morar com eles, abandonei a casa. Aí terminei o ensino médio", disse. Lourdes nunca se afastou dos conterrâneos - se casou com um piauiense e hoje é vice-presidente do Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá (Cedep), que dá assistência a migrantes nordestinos.Maria de Lourdes de Oliveira veio do Piauí, na década de 70 Em busca de trabalho A necessidade de mão de obra em todos os setores durante a construção de Brasília abriu espaço para a vinda de milhares de trabalhadores em busca de salário. Cinquenta anos depois, a cidade ainda é sinônimo de vida melhor para muitos migrantes. Oferta de empregos e bons salários seduzem pessoas de todas as classes %u2014 desde trabalhadores da construção civil até o pós-graduado em busca de concursos públicos. Em 2008, foram abertos 64 mil novos postos de trabalho no DF, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A promessa de salário atrativo definiu a mudança do mestre de obras Agnaldo José Ferreira, 65 anos, vindo de Goiânia (GO). Há três meses, carros de som circularam nas ruas da capital goiana convocando moradores a trabalhar em Brasília. O serviço seria em canteiro de obras de Águas Claras e, posteriormente, do setor Noroeste. Agnaldo não hesitou. Arrumou as malas e trouxe mais dois a tiracolo: o filho, goiano, e o genro, maranhense. %u201CA gente veio porque em Brasília pagam mais e se trabalha menos. Aqui todo mundo corre atrás do ouro%u201D, garantiu. No serviço de Agnaldo, os migrantes são os principais responsáveis por erguer o prédio em obras. Dos 200 trabalhadores, só um é brasiliense. %u201CMais ou menos 30% do pessoal veio de Goiás, os outros são do Piauí e do Maranhão%u201D, fez as contas. Em três meses, Agnaldo se acostumou à rotina brasiliense. Só não gosta dos fins de semana. %u201CNo sábado e no domingo, a cidade vira uma solidão%u201D, observou. (ET)

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