Guilherme Goulart
postado em 26/10/2009 08:29
Após quase cinco meses de prisão, o homem acusado de assassinar a goiana Letícia Peres Mourão, 31 anos, começa a ser julgado pela Justiça brasiliense. Está marcada para amanhã à tarde a audiência de instrução de Lúcio Flávio Barbosa, 20 anos, no Tribunal do Júri de Brasília. O Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) o denunciou por homicídio qualificado(1), pois impossibilitou a defesa da vítima e agiu sob promessa de recompensa. A ex-prostituta morreu em 6 de março com um tiro na nuca. O assassino a atraiu para um bar no Setor Habitacional Lucio Costa, no Guará.O promotor Marcelo Leite Borges disse que, além de Lúcio Flávio, responde pelo assassinato de Letícia um motoboy de Brasília. Ganhou R$ 200, um relógio e um aparelho de celular do principal acusado para levá-lo até o boteco e ainda propiciar a fuga ; o atirador morava no Espírito Santo e jamais havia estado na capital do país. Lúcio Flávio recebeu R$ 4 mil para tirar a vida da goiana. Ao ser preso, identificou Clênio Otacílio da Silva, que está foragido, como responsável pela contratação e elo no Brasil da organização criminosa que mandou matar a vítima.
Borges também não descarta a hipótese de denunciar por homicídio Miguel Arufe Martinez, o Antonio, à Justiça brasileira. Ele é acusado de chefiar o grupo responsável pela morte de Letícia. ;Ainda estou estudando essa possibilidade, mas acredito que a Espanha não tem a obrigação de deportá-lo para ser julgado no Brasil. Se for condenado, deve ser lá na Espanha;, afirmou o promotor do Tribunal do Júri de Brasília. A data do julgamento será marcada assim que testemunhas e réus prestarem depoimento na audiência de instrução.
Campana
A Polícia Civil do DF descobriu os detalhes do caso após quatro meses de investigação. Equipes da 4; DP (Guará) fizeram levantamentos e apurações minuciosas até localizar o principal suspeito do crime em uma favela de Guarapari (ES). Iniciaram as buscas a partir de uma mensagem encontrada no celular de Letícia. Lúcio Flávio marcou um encontro por meio do aparelho, após ganhar a confiança dela em seguidas conversas pelo programa de mensagens virtuais MSN. Levantou a possibilidade de fazerem um negócio capaz de render cerca de R$ 50 mil. A goiana caiu no golpe.
Para prendê-lo, três agentes e um delegado se mobilizaram em torno da Operação Barcelona. Viajaram para o Espírito Santo e montaram campana por vários dias em uma casa com vista para o endereço do acusado. A prisão ocorreu um dia antes da viagem de volta ao DF. Além de desconhecerem a área, tinham apenas uma foto antiga de Lúcio Flávio. Só ao chamá-lo pelo nome e detê-lo tiveram certeza de que encontraram a pessoa certa. O preso ainda negou a participação nos primeiros interrogatórios, mas em seguida confessou o crime.
O atirador também contou detalhes da execução. Disse que marcou um encontro com Letícia em um bar de pouco movimento. Tomou o cuidado de escolher uma mesa mais afastada e do lado de fora e, em nenhum momento, circulou pelo local. A mulher entrou pelo menos três vezes no estabelecimento para buscar mais cerveja. Os dois conversaram por algumas horas. Lúcio Flávio atacou ao perceber a embriaguez da vítima. Perguntou se ela queria uma massagem. A goiana aceitou. Ao passar por trás dela, sacou um revólver calibre .38 e atirou na nuca. A polícia recuperou a arma em Guarapari.
Lúcio Flávio ainda forneceu informações sobre Clênio Otacílio da Silva. Os dois se conheciam. Segundo o acusado, Clênio recebeu ordens da organização espanhola para matar a goiana ; havia trabalhado como garoto de programa para o grupo. Lúcio Flávio quis saber o valor da recompensa e se ofereceu para o serviço. O homem que arquitetou o crime está foragido, mas esteve em Brasília em fevereiro. Hospedou-se em um hotel de Taguatinga, o mesmo onde mais tarde ficaria o atirador. A ideia era observar a rotina de Letícia, mas ela viajou. O assassinato, então, ficou para março.
Letícia deixou um filho de 12 anos. Nasceu em Goiânia (GO), em uma família de baixa renda. Saiu do Brasil no início dos anos 2000 na tentativa de ganhar dinheiro com a prostituição. Desembarcou na Espanha. Preferiu contar para alguns familiares que trabalhava em um clínica de idosos. Passou oito anos no exterior. Voltou ao Brasil em dezembro de 2008, quando escolheu o Guará para morar com o filho. Tinha planos para ficar no DF. A mãe vive em Miami, nos Estados Unidos. E não voltou ao Brasil para acompanhar o enterro da filha, na capital goiana.
1- Pena maior
As punições previstas pela lei para assassinatos com qualificadoras são mais severas do que aquelas pressupostas ao homicídio simples. Segundo o Código Penal brasileiro, homicídio qualificado pode render de 12 a 30 anos de reclusão. O simples, de seis a 20.
Memória
Rotina de exploração
O Correio publica série sobre a prostituição internacional no Brasil desde março deste ano, quando Brasília passou a fazer parte das rotas internacionais de tráfico de seres humanos. As primeiras reportagens revelaram que, assim como São Paulo e Rio de Janeiro, a capital do país virou porta de saída de garotas convencidas a vender o corpo no exterior. A partir do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, mulheres, a maioria goianas, seguem rumo à Europa. Portugal, Espanha, Bélgica e Suíça aparecem como os principais destinos.
Equipes do jornal viajaram a Goiânia (GO) para conversar tanto com vítimas de exploração sexual quanto com autoridades envolvidas no combate ao crime. Descobriram que a maioria das futuras garotas de programa embarca depois de terem contato no Brasil com aliciadores contratados pelas organizações criminosas. Ao chegar, porém, deparam-se com condições próximas à escravidão. Têm o passaporte confiscado pelos donos de prostíbulos. Muitas acabam obrigadas a atender de 10 a 12 clientes por noite.
A primeira sequência de reportagens, publicada entre 22 e 24 de março, detalhou o perfil dessas mulheres. A maioria tem menos de 30 anos. Algumas são exploradas inclusive pela máfia russa. No fim de junho deste ano, o Correio também revelou a participação de Anápolis (GO) no tráfico de seres humanos a partir do Brasil. Em julho, o jornal mostrou que, em média, 20 brasileiras são assassinadas no exterior em consequência da exploração sexual. Na época, nove haviam perdido a vida na Espanha, nos Estados Unidos e no Brasil.
Artigo por Elie Chidiac
Necessidade dos emigrantes brasileiros
Está em tramitação no Senado a PEC n; 5, de 2005, aprovada por unanimidade em primeira votação, que permite que os brasileiros residentes no exterior possam eleger seus representantes na Câmara dos Deputados. Ao propor a emenda à Constituição, o legislador quis criar uma bancada para cuidar especificamente dos interesses dos imigrantes brasileiros. É louvável lembrar dos brasileiros que vivem no exterior. Nós temos uma colônia razoavelmente grande, formada por mais de 3 milhões de emigrantes dispersos em dezenas de países e que remete entre US$ 5 e 7 bilhões por ano para o Brasil.
Mas temos que observar alguns aspectos do projeto. Pelos estudos da Assessoria para Assuntos Internacionais de Goiás, entre 60% e 80% dos nossos emigrantes estão irregulares no exterior, ao contrário da emigração dos países de primeiro mundo, antiga e economicamente mais bem sucedida. Alguns brasileiros estão até envolvidos em tráfico de seres humanos e são explorados por quadrilhas especializadas em prostituição. A maioria evita aglomerações para não ser pega pela imigração. Essas pessoas certamente teriam dificuldade para a votação. Ficariam ;expostas; às autoridades.
Grande parte das denúncias contra brasileiros irregulares no exterior parte de pessoas da própria colônia. Entre os motivos estão concorrência para o mesmo posto de trabalho, inveja, brigas pessoais etc. Aí vem mais uma preocupação: divergências políticas não poderiam encorajar mais denúncias e a segregação dentro da própria colônia? Há o perigo de se incitar a xenofobia contra a colônia brasileira, conhecida até então como humanitária e pacífica.[SAIBAMAIS]
Como chefe da Assessoria para Assuntos Internacionais de Goiás, participo de inúmeras missões. Todas com sucesso e há que se reconhecer a parceria com o Ministério das Relações Exteriores. Mas, apesar dos esforços e bom atendimento das embaixadas e consulados brasileiros no exterior, percebemos que muitas funcionam com deficiência de funcionários e estrutura. Há países em que existe apenas um diplomata. Na verdade, fazem milagres com tão poucos recursos humanos e orçamentários. Por isso, percebemos que, para ajudar a melhor assistir a nossa colônia, que é recente no exterior, é necessário equipar melhor os nossos consulados e abrir mais postos para atender melhor os emigrantes.
Também não está claro como esses deputados iriam legislar. Eles não podem interferir na soberania de outros países e, no Brasil, nós temos a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, além do próprio Ministério das Relações Exteriores. Há um grande número de emigrantes brasileiros no exterior, e é necessário fortalecer o Ministério das Relações Exteriores para atendê-los. Por esses motivos, esse projeto tem que ser mais bem debatido para não haver distorção da democracia e para que os direitos daqueles brasileiros que estão irregulares no exterior sejam respeitados.
Elie Chidiac é chefe da Assessoria Especial para Assuntos Internacionais do governo de Goiás